Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense: 02/12/2014
A
presidente da República tornou-se refém de sua própria base. A tese petista do "golpismo" também é uma vacina contra isso
O governo vai à luta hoje,
outra vez, para a alteração da meta do superavit primário para este
ano. Não é uma votação trivial, pois se trata de uma manobra legal para
evitar que a presidente Dilma Rousseff seja acusada de descumprir a Lei
de Responsabilidade Fiscal. Isso é crime tipificado, cuja implicação
poderia ser até a cassação do seu mandato.
São crimes de
responsabilidade contra a lei orçamentária: exceder ou transportar, sem
autorização legal, as verbas do orçamento; infringir, patentemente, e de
qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária; deixar de ordenar a
redução do montante da dívida consolidada, nos prazos estabelecidos em
lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da aplicação do
limite máximo fixado.
Qualquer cidadão pode oferecer denúncia
contra a presidente da República. Cabe à Câmara aprovar por maioria
simples a acusação; ao Senado, julgar o pedido de destituição do cargo e
cassação dos direitos políticos. A lei que define os crimes de
responsabilidade das autoridades do Executivo, Judiciário e Ministério
Público e regula o seu julgamento é originária do governo Dutra, na
década de 1950, mas foi atualizada no segundo mandato do ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso, pela Lei nº 10.028, de 2000.
Representou
uma grande mudança de costumes políticos, no esforço de blindagem da
política de estabilização da moeda, com objetivo de impedir que maus
gestores quebrassem a administração para garantir vantagens eleitorais.
Foi o que aconteceu no governo de Orestes Quércia (PMDB), em São Paulo,
na eleição do seu ex-secretário de Segurança Luiz Antônio Fleury (PMDB à
época), em 1990; e na Prefeitura de São Paulo, na gestão de Paulo Maluf
(então no PDS), que conseguiu eleger seu ex-secretário da Fazenda Celso
Pitta (PDS), em 1997. E poderia se repetir ainda mais com a aprovação
do dispositivo da reeleição.
O rombo
Nada
disso impediu, porém, que a presidente Dilma Rousseff, com maquiagens e
malabarismos fiscais durante todo o ano, para se reeleger, provocasse o
maior rombo nas contas públicas desde 1997, quando a União securitizou
as dívidas de estados e municípios. O governo havia se comprometido a
alcançar, neste ano, um superavit de R$ 99 bilhões nas contas públicas
do setor público consolidado, que abrange União, estados, municípios e
empresas estatais.
Até setembro, contudo, o resultado alcançado
foi um deficit primário de R$ 15,3 bilhões, evidenciando que a meta não
será cumprida, mesmo com a utilização dos mecanismos legais previstos: a
LDO permite que o Executivo abata dos resultados até R$ 67 bilhões de
gastos com desonerações de tributos e investimentos do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC).
Diante da situação, a
alternativa que restou ao governo foi mudar a Lei de Diretrizes
Orçamentárias para evitar o enquadramento da presidente Dilma Rousseff. O
PLN 36, de autoria do relator Romero Jucá (PMDB-RR), o maior safa-onça
do governo no Senado, anula a obrigatoriedade de a presidente Dilma
Rousseff entregar o superavit primário (economia para o pagamento dos
juros da dívida pública) neste ano.
Para que Dilma Rousseff não
seja acusada de descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, é
obrigatório que a manobra no Congresso seja feita. A oposição esperneia,
mas esse não é o maior problema. Foi derrotada nas urnas e já sinalizou
que não vai apostar num confronto dessa envergadura, isto é, na
destituição da petista. A presidente da República ganhou as eleições com
o discurso de que se recusou a gerar desemprego e reduzir renda para enfrentar a crise mundial. Esse é
o eixo do discurso do Palácio do Planalto para rasgar a Lei de
Responsabilidade Fiscal.
Ocorre que a base do governo resolveu
chantagear a presidente Dilma Rousseff. Na semana passada, nem o PMDB
nem o PT compareceram ao plenário para votar. Os parlamentares da base
querem a liberação das suas emendas ao orçamento da União e cargos,
muitos cargos. Ou melhor, ministérios. Só o PMDB reivindica meia dúzia,
três para os senadores e três para os deputados.
Ontem à noite,
Dilma chamou os líderes da base para uma conversa, a primeira desde a
reeleição. Hoje saberemos se deu os resultados que esperava. A
presidente da República tornou-se refém de sua própria base. A tese petista do "golpismo" também é uma vacina contra isso, mas não se restringe ao
problema da responsabilidade fiscal, cuja solução depende apenas de
reunir a tropa governista e mudar a legislação. Tem muito mais a ver com
o escândalo da Petrobras e a Operação Lava-Jato, mas essas já são
outras emoções.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirNão existe, no Brasil, precedente de de enquadramentento em crime de responsabilidade por descumprimento da LRF. Essa discussão interessa a todos os Governadores e Prefeitos. Se chegarmos lá vai ser uma fascinante discussão constitucional. . Mas não vai ser mole, não
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