quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Burgueses e proletários

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 23/10/2014

É falsa a ideia de que temos um governo a serviço dos trabalhadores e contra os patrões, que subsidia toda a campanha da presidente Dilma Rousseff. Trata-se de um discurso de natureza manipuladora

Operários - Tarsila do Amaral
Toda a estratégia de reeleição da presidente Dilma Rousseff se baseia num velho conceito de luta de classes: burgueses versus proletários. Como se sabe, isso nada tem a ver com os fundamentos das democracias ocidentais, que são inspiradas na Revolução Francesa, na Revolução Inglesa e na Independência dos Estados Unidos.

Do ponto de vista político, essa dicotomia se explicitou pela primeira vez como alternativa de poder na Comuna de Paris, que inspirou a Revolução Russa e o surgimento da chamada ditadura do proletariado. Depois da dissolução da União Soviética e da dèbâcle do socialismo no Leste Europeu, o que restou disso são os regimes comunistas de China, Cuba, Vietnã e Coreia do Norte.

Na verdade, o conflito entre patrões e empregados é do cotidiano das economias capitalistas e se resolve nas campanhas salariais e contratos de trabalho. Do ponto de vista político, as sociedades pós-modernas são multifacetadas e policlassistas, não comportam essa simplificação, que se baseava nas grandes indústrias mecanizadas do século 19. Para todos os países citados acima, o socialismo foi uma via de industrialização tardia (com exceção apenas das antigas Tchecoslováquia e da Alemanha Oriental), mas as respectivas sociedades continuaram estruturadas em classes sociais, com a burocracia comunista no lugar da burguesia.

É falsa a ideia de que temos um governo a serviço dos trabalhadores e contra os patrões, que subsidia toda a campanha da presidente Dilma Rousseff. Trata-se de um discurso de natureza ideológica, que atribui ao PT o papel de representar o proletariado. Quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que deixou de ser ferramenteiro na década de 1970, reivindica o condição de líder da classe operária, realimenta esse discurso. Essa é a essência do marketing do PT como partido.

As ideologias
Como se sabe, as ideologias são formas distorcidas da realidade. Quando predominaram sobre a política, o mundo conheceu a radicalização que desaguou na Guerra Civil espanhola, na Segunda Guerra Mundial, no Holocausto e na Guerra Fria. O mesmo vale para a regressão ideológica do fanatismo religioso. Há divergências conceituais sobre a necessidade ou não de as ideologias serem ilusórias, mistificadoras e produtoras de uma falsa consciência. As ideologias, porém, sempre colaboram com a criação ou a manutenção das relações de dominação. A gênese dos partidos está nas ideologias, e não nos programas, que mudaram com o tempo: liberalismo, social-democracia, comunismo, fascismo, democracia-cristã.

Como no Brasil quase toda ideia política acaba mitigada, nossos partidos não estão imunes ao velho patrimonialismo ibérico descrito por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil — do qual o PT está se tornando uma presa fácil — nem das influências positivistas disseminadas pela presença dos militares na vida republicana, a partir de Benjamin Constant na Escola Militar da Praia Vermelha. A presidente Dilma Rousseff tem todos os cacoetes do positivismo castilhista gaúcho.

Ao contrário do que apregoam nos discursos, Lula e Dilma foram os presidentes que mais favoreceram a concentração de capital e a formação de monopólios desde o governo Geisel, no regime militar, com financiamentos milionários do BNDES para grupos econômicos privilegiados, alguns notoriamente irresponsáveis, como os concedidos ao empresário Eike Batista, hoje falido. O setor exportador de alimentos é o maior exemplo dessa política monopolista. Nunca as multinacionais do setor automobilístico foram tão beneficiadas pelo governo, no mesmo período, em detrimento de outros setores da indústria nacional, apesar do discurso nacionalista. Os financiamentos para as grandes empreiteiras realizarem obras nos países amigos da América Latina e da África dispensam comentários.

Historicamente, o capitalismo de Estado — tanto na Europa como em outros continentes — foi uma via de industrialização. No Brasil, está sendo uma inédita via de desindustrialização e desorganização da economia. O crescimento do PIB brasileiro deverá ser zero, a inflação está acima da meta, a informalidade aumenta, as contas públicas estão completamente maquiadas, a capacidade de investimento da Petrobras e da Eletrobras foi volatilizada, as parcerias público-privadas de infraestrutura não saem do papel. Cresce a dívida pública e o deficit externo.

O discurso de que a oposição são os ricos, os patrões, os entreguistas, enfim, a velha direita serve para encobrir tudo isso nas eleições. É uma mistificação. Quem vai pagar essa conta são os trabalhadores assalariados e a classe média tradicional, que transferem quase um terço da renda familiar para a União sem a necessária contrapartida de serviços — na saúde, na educação, nos transportes e na segurança pública, principalmente.

15 comentários:

  1. Artigo esclarecedor, pois retira o véu da mistificação que cobre o debate eleitoral na imprensa (não apenas nos discursos dos candidatos).

    Luiz Fonseca

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  2. Parabéns, Azedo. Esta é uma análise que nos remete aos velhos tempos de partidão! Pena vivermos esses "tempos interessantes"... Ou, não!

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  3. PArabens pelo seu artigo. Tomei a liberdade de divulgá-lo. Nasci no Uruguay e quase fui comunista pro lá até que fugi na pré-ditadura de 1973. Hoje estou com uma proximidade muito grande ao que pensa um Mario Vargas Llosa e comungo mais o liberalismo de maneira geral e irrestrita. A minha virada começou quando conheci o regime sandinista em 1980 tentando "ajudar a revolução" o meu choque foi tão grande que fugi também de lá com as minhas ilusões desfeitas. Hoje vejo s reepetindo este tipo de fenômeno de tomada do poder por delinquentes como foram Mao, Stalim e suas dezenas de milhões de mortos. Você foi brilhante na análise com fatos incontestáveis. Parabens de novo. Prof Juan Jose Verdesio UnB Brasília juan@terragraph.com.br

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  4. ACREDITO QUE ISSO DESMENTE O PESSIMISMO DO SR. AZEDO
    VEJA OS NÚMEROS ABAIXO:
    1. Produto Interno Bruto:
    2002 – R$ 1,48 trilhões
    2013 – R$ 4,84 trilhões
    2. PIB per capita:
    2002 – R$ 7,6 mil
    2013 – R$ 24,1 mil
    3. Dívida líquida do setor público:
    2002 – 60% do PIB
    2013 – 34% do PIB
    4. Lucro do BNDES:
    2002 – R$ 550 milhões
    2013 – R$ 8,15 bilhões
    5. Lucro do Banco do Brasil:
    2002 – R$ 2 bilhões
    2013 – R$ 15,8 bilhões
    6. Lucro da Caixa Econômica Federal:
    2002 – R$ 1,1 bilhões
    2013 – R$ 6,7 bilhões
    7. Produção de veículos:
    2002 – 1,8 milhões
    2013 – 3,7 milhões
    8. Safra Agrícola:
    2002 – 97 milhões de toneladas
    2013 – 188 milhões de toneladas
    9. Investimento Estrangeiro Direto:
    2002 – 16,6 bilhões de dólares
    2013 – 64 bilhões de dólares
    10. Reservas Internacionais:
    2002 – 37 bilhões de dólares
    2013 – 375,8 bilhões de dólares
    11. Índice Bovespa:
    2002 – 11.268 pontos
    2013 – 51.507 pontos
    12. Empregos Gerados:
    Governo FHC – 627 mil/ano
    Governos Lula e Dilma – 1,79 milhões/ano
    13. Taxa de Desemprego:
    2002 – 12,2%
    2013 – 5,4%
    14. Valor de Mercado da Petrobras:
    2002 – R$ 15,5 bilhões
    2014 – R$ 104,9 bilhões
    15. Lucro médio da Petrobras:
    Governo FHC – R$ 4,2 bilhões/ano
    Governos Lula e Dilma – R$ 25,6 bilhões/ano
    16. Falências Requeridas em Média/ano:
    Governo FHC – 25.587
    Governos Lula e Dilma – 5.795
    17. Salário Mínimo:
    2002 – R$ 200 (1,42 cestas básicas)
    2014 – R$ 724 (2,24 cestas básicas)
    18. Dívida Externa em Relação às Reservas:
    2002 – 557%
    2014 – 81%
    19. Posição entre as Economias do Mundo:
    2002 - 13ª
    2014 - 7ª
    20. PROUNI – 1,2 milhões de bolsas
    21. Salário Mínimo Convertido em Dólares:
    2002 – 86,21
    2014 – 305,00
    22. Passagens Aéreas Vendidas:
    2002 – 33 milhões
    2013 – 100 milhões
    23. Exportações:
    2002 – 60,3 bilhões de dólares
    2013 – 242 bilhões de dólares
    24. Inflação Anual Média:
    Governo FHC – 9,1%
    Governos Lula e Dilma – 5,8%
    25. PRONATEC – 6 Milhões de pessoas
    26. Taxa Selic:
    2002 – 18,9%
    2012 – 8,5%
    27. FIES – 1,3 milhões de pessoas com financiamento universitário
    28. Minha Casa Minha Vida – 1,5 milhões de famílias beneficiadas
    29. Luz Para Todos – 9,5 milhões de pessoas beneficiadas
    30. Capacidade Energética:
    2001 - 74.800 MW
    2013 - 122.900 MW
    31. Criação de 6.427 creches
    32. Ciência Sem Fronteiras – 100 mil beneficiados
    33. Mais Médicos (Aproximadamente 14 mil novos profissionais): 50 milhões de beneficiados
    34. Brasil Sem Miséria – Retirou 22 milhões da extrema pobreza
    35. Criação de Universidades Federais:
    Governo FHC - zero
    Governos Lula e Dilma - 18
    36. Criação de Escolas Técnicas:
    Governo FHC - 11
    Governos Lula e Dilma - 214
    De 1500 até 1994 - 140
    37. Desigualdade Social:
    Governo FHC - Queda de 2,2%
    Governo PT - Queda de 11,4%
    38. Produtividade:
    Governo FHC - Aumento de 0,3%
    Governos Lula e Dilma - Aumento de 13,2%
    39. Taxa de Pobreza:
    2002 - 34%
    2012 - 15%
    40. Taxa de Extrema Pobreza:
    2003 - 15%
    2012 - 5,2%
    41. Índice de Desenvolvimento Humano:
    2000 - 0,669
    2005 - 0,699
    2012 - 0,730
    42. Mortalidade Infantil:
    2002 - 25,3 em 1000 nascidos vivos
    2012 - 12,9 em 1000 nascidos vivos
    43. Gastos Públicos em Saúde:
    2002 - R$ 28 bilhões
    2013 - R$ 106 bilhões
    44. Gastos Públicos em Educação:
    2002 - R$ 17 bilhões
    2013 - R$ 94 bilhões
    45. Estudantes no Ensino Superior:
    2003 - 583.800
    2012 - 1.087.400
    46. Risco Brasil (IPEA):
    2002 - 1.446
    2013 - 224
    47. Operações da Polícia Federal:
    Governo FHC - 48
    Governo PT - 1.273 (15 mil presos)
    48. Varas da Justiça Federal:
    2003 - 100
    2010 - 513
    49. 38 milhões de pessoas ascenderam à Nova Classe Média (Classe C)
    50. 42 milhões de pessoas saíram da miséria

    FONTES PESQUISADAS:
    13 - IBGE
    26 - Banco Mundial
    37 - índice de GINI: www.ipeadata.gov.br
    39 e 40 - http://www.washingtonpost.com
    47 a 48 - http://www.dpf.gov.br/agencia/estatisticas
    42 - OMS, Unicef, Banco Mundial e ONU
    45 - Ministério da Educação

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  5. Se o Francisco Alves com todos estes números está justificando o Programa Bolsa Família, a grana que o povão recebe está defasado!!

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  6. Francisco, não adianta regurgitar nºs contra a análise do Azedo: ela está prenhe de questões complexas que preocupam os grupos interessados em mudanças sociais mais profundas do que aquelas vocalizadas nas práticas atuais de governo…

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  7. Parabéns pelo texto sóbrio, bem informado e inteligente.

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  8. Acho importante debater ideias, por mais diferentes que sejam das nossas, por isso seguem alguns comentários:
    #1: Quem são essas sociedades 'pós-modernas'? São elas homogêneas? Até mesmo os Estados Unidos e o Reino Unido (os berços da pós-modernidade, se quiser...) são sociedades plurais, onde o termo 'pós-moderno' não se aplica a todos os habitantes. Mesmo se insistirmos em classificar o Brasil como uma sociedade 'pós-moderna' (apesar de ter passado por um processo histórico extremamente diferente dos EUA e Reino Unido...), onde entrariam as comunidades quilombolas e as tribos indígenas? São elas também 'pós-modernas' ou simplesmente não 'pertencem' ao que chamamos de Brasil?
    Saindo do âmbito teórico, basta abrir um pouco os olhos para além dos nossos círculos sociais e coletar simples evidências empíricas de que as classes sociais, de fato, existem. E com elas existem: preconceito de classe, diferenciação de tratamento em inúmeras situações da vida cotidiana, diferentes oportunidades de emprego e educação e interesses divergentes (leia-se Armínio Fraga declarando que o salário mínimo está muito alto...! Certamente, quem concorda com isto não ganha um salário mínimo!)
    #2 Marx postulou que ideologia seria uma forma distorcida da realidade (e aliás ele falava que a burguesia deveria defender os interesses das classes operárias, para você ver, como classe era sim um conceito importante na Inglaterra da revolução industrial...). Contudo, como o próprio jornalista reconhece, desde então já foram desenvolvidas várias outras ideias (eu diria até "mais producentes") sobre ideologia para explicar o mundo em que vivemos. Gramsci, por exemplo, diz que a ideologia está em todo o lugar (diferenciava ideologia orgânica de ideologia arbitrária); Eagleton (para citar um autor mais de direita) diz que a ideologia é constitutiva da 'realidade' (leia-se materialidade) social. Resumindo, ideologia está presente em todas as esferas sociais e portanto, todos os partidos possuem 'programas' alinhados com as suas ideologias políticas. A do PSDB é extremamente neo-liberal, apostando num discurso vazio de meritocracia.
    #3 O 'artigo' faz uma série de acusações aos números do governo 'maquia' e sobre as improbidades administrativas. É importante para o leitor ver os dados das informações citadas, porque isto deve ser discutido com profundidade e seriedade. E se, de fato, as acusações procederem, temos sim que tomar providências. Mas não podemos contribuir para a reprodução de informações que não podem ser verificadas - que não mostrem os números e as fontes!
    Já agora, em prol de um jornalismo sério, poderíamos aproveitar a oportunidade e escrutinar as contas do governo do Aécio em Minas, e de FHC durante os seus 8 anos de mandato.

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  9. Eu não sei desses números... mas sei do fechamento de leitos hospitalares, da falta de medicamentos, do desmantelamento das instituições federais de ensino e saúde, da falta de concursos públicos para médicos e professores, da desorganização do sistema de saúde, da falta de oportunidade dos pacientes com câncer de receberem um tratamento de qualidade, adequado e digno... vejo isso todos os dias, uma situação que só piora. Também enxergo violência urbana em todo o território nacional, corrupção endêmica, falta de oportunidade cada vez maior para os nossos jovens. Gostaria de ter esses olhos que só conseguem enxergar números. Dormiria mais tranquila. Mas antes gostaria de poder enxergar meus impostos e os impostos de todos os brasileiros revertidos em educação e assistência à saúde de qualidade, tranporte urbano eficiente, segurança, liberdade de ir e vir e oportunidades de uma vida feliz, plena para todos. O que vejo, cada vez mais se afasta desse ideal; desse desejo que todos compartilhamos.

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  10. Cara, como petista gosta de brandir estatísitcas e números grandiloquentes e mentirosos! Em tudo e em todos semelhantes ao regime militar! Execeto, é lógico no quesito honestidade, que dispensa comentários

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  11. Números para o Franciso colocar ao fim da sua lista otimista:
    Outubro de 2014, eleição: 51%
    Acham o governo ótimo ou bom, agosto de 2015: 8%
    Acham o governo ruim ou péssimo, agosto de 2015: 71%

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  12. Os comentários só reforçam o que diz o texto..como é difícil discutir profundamente nosso momento. Vira logo discussões de posições partidárias....muitos fizeram ótimos comentários, falo daqueles que continuam fazendo do discurso que muito nos manipula. O buraco é bem mais embaixo. O capitalismo esta em crise...algo novo ha de vir ou nos afundaremos nessas lutas idiotas de classes...como bobos da corte mesmo

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  13. PARABÉNS PELO ARTIGO AZÊDO .PROVOCA REFLEXÃO PRINCIPALMENTE SOBRE DETERMINADOS PROCESSOS DE DOMINAÇÃO IDEOLÓGICA, QUE SE DÁ PRINCIPALMENTE A PARTIR DA MANIPULAÇÃO SUB-LIMINAR DE CONSCIÊNCIAS NÃO CRÍTICAS ,CARENTES ; MANIPULAÇÃO ESSA QUE SE AMPARA EM ARQUÉTIPOS CULTURAIS E RELIGIOSOS DOMINANTES , QUANDO NÃO PELA IMPOSIÇÃO PELA FORÇA
    E TORTURA .

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