terça-feira, 14 de outubro de 2014

A frente de oposição

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 14/10/2014

O combate à corrupção, tema que roubou a cena por causa do escândalo da Petrobras, é uma agenda negativa para a presidente Dilma, que marca ainda mais a imagem do PT 


O segundo turno para presidente da República revela um fato inédito nas disputas eleitorais desde 2002: a formação de uma ampla frente de oposição, ao invés da adesão ao governo  dos candidatos derrotados. Aécio Neves (PSDB) reuniu em torno de sua candidatura a terceira colocada no primeiro turno, Marina Silva (PSB), que obteve 21% dos votos, e mais dois candidatos a presidente, Pastor Everaldo (PSC) e Eduardo Jorge (PV), além da maioria dos partidos que os representavam. Ficou mais fácil para Aécio dar sustentação ao discurso de que é o candidato da mudança, de fato.

A adesão de Marina se deu a reboque de 60% de seus eleitores, que já haviam migrado para o tucano, mas isso não reduz a importância de seu apoio a Aécio, por menor que seja a transferência adicional de votos. Também é importante destacar o apoio da família do ex-governador Eduardo Campos, anunciado pela viúva Renata Campos e por seus filhos (foto). Essas adesões qualificaram o discurso mudancista do tucano em pelo menos três aspectos.

O primeiro é essencialmente político — a vitória da oposição representaria a “alternância de poder”, que nada mais é do que um dos fundamentos do regime democrático, como Marina destacou. O segundo é o compromisso de retomar o crescimento econômico e restabelecer os fundamentos da responsabilidade fiscal, do combate à inflação e do câmbio flutuante, que compõem o famoso tripé da economia. O terceiro aspecto é a busca do desenvolvimento sustentável, um compromisso que está na ordem do dia em razão das mudanças climáticas e, quando nada, pela crise de abastecimento de água de São Paulo e a necessidade de mudança de padrão da mobilidade urbana nas grandes cidades.

O combate à corrupção, tema que roubou a cena por causa do escândalo da Petrobras, é uma agenda negativa para a presidente Dilma, que marca ainda mais a imagem do PT pela contumácia, uma vez que a legenda já se desgastou muito por causa do julgamento do mensalão. Ao tentar assumir a condição de paladina da moralidade pública para se vacinar contra as denúncias, Dilma talvez esteja cometendo o seu maior erro na campanha: chamou para o seu governo a responsabilidade pelos malfeitos e, com isso, pode ferir de morte a sua própria imagem.

O candidato tucano não cometeu o mesmo erro, ao manter o foco do discurso nos problemas da economia e na má qualidade dos serviços públicos prestados pela União. Explora as denúncias de corrupção com mais habilidade, sem absolutizar o tema. A questão ética já levou para o campo da oposição quem tinha que levar. A grande disputa agora se dá em torno de parcelas do eleitorado com grande expectativa em relação a temas como saúde, educação, segurança, habitação e emprego. Esse é o terreno da disputa do segundo turno no qual Dilma ainda pode se reeleger.

O medo do passado

Na primeira semana do segundo turno, prisioneira das explicações sobre os desmandos na Petrobras e envolvimento do PT e aliados no escândalo, Dilma deixou de lado o discurso de que seria protagonista de mudanças — muda mais, novo governo, novas ideias etc. — e passou a alavancar sua candidatura na retórica do medo, da suposta volta ao passado, confrontando indicadores dos governos de Fernando Henrique Cardoso e de Lula. Essa foi a receita de duas vitórias eleitorais do PT, em 2006 e 2010, mas dá sinais de esgotamento.

Esse discurso teria mais aderência se o candidato do PT fosse o próprio Lula, como muitos gostariam na base do governo, inclusive no próprio PT. Mas não é esse o caso. Dilma está concluindo o primeiro mandato com o país em condições piores do que encontrou, porque foi eleita com taxa de crescimento de 7,5% ao ano e entra na eleição com crescimento zero.

A retórica do medo também acaba fragilizada pela política de alianças. Aécio conseguiu articular uma frente de oposição de centro-esquerda, na qual as forças conservadoras são minoritárias, principalmente a partir da adesão de Marina Silva. Parcela das forças de esquerda que apoiaram o governo Lula — desde o descolamento do falecido governador Eduardo Campos e, antes disso, da própria Marina — engrosssa a oposição.

A candidatura de Dilma, em razão do “transformismo” do PT, vive uma esquizofrenia política: ao mesmo tempo em que procura resgatar o velho discurso nacional-populista da esquerda brasileira — pobres contra ricos, patriotas contra entreguistas —, nunca dependeu tanto das oligarquias políticas locais e dos seus velhos caciques, cujos sobrenomes são velhos conhecidos. Esse discurso empurra a classe média para a oposição.

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