Dina Lida Kinoshita (2)
Esther Kuperman (3)
(Publicado na revista Versus, do publicado na revista Versus, do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), de 03/2009).
"Do rio que tudo arrasta
se diz que é violento
Mas ninguém diz violentas
as margens que o comprimem"
(Bertold Brecht)
A questão do Oriente Médio costuma ser reduzida ao conflito entre palestinos e israelenses, no qual todos os árabes apóiam, pelo menos na retórica, os primeiros, e os países desenvolvidos do Ocidente – especialmente os EUA – dão sustentação a Israel. Este modelo binário de interpretação, no qual eram delineados apenas dois lados é ainda uma herança do maniqueísmo que caracterizava muitas das análises políticas durante o período da Guerra Fria.
Mas o Oriente Médio é exemplo típico do que não pode ser tratado num esquema binário, mas no plano da complexidade. Ao construir uma imagem nova da natureza e da sociedade, o universo, concebido como um engenho mecânico, é substituído por um organismo vivo, imprevisível a cada passo, mas ao mesmo tempo, e por isso mesmo, mais aberto e criador. Abordando a questão desta maneira, poderemos encontrar outras facetas no Oriente Médio, onde vários conflitos afloram, não só o palestino-israelense.
O Oriente Médio, berço das três religiões monoteístas, é região estratégica e alvo de disputas desde a Antiguidade. Ao longo da história, vários povos vêm convivendo na região e grandes impérios tentam controlá-la. Babilônios, gregos, romanos, otomanos, franceses, ingleses e a partir da segunda metade do século XX, americanos e soviéticos. Um dos povos que habitaram a região na antiguidade, os hebreus, foram dominados após a derrota pelas tropas romanas, na batalha de Beit-Horon, travada no ano de 66 d.C. A vitória romana, baseada no emprego de táticas de guerrilha, teve como conseqüência o cerco de Jerusalém e a destruição do Templo, resultando na Diáspora judaica (SANTOS, 2007:2). Expulsos da antiga Palestina em 135 dC, após a queda do II Templo construído pelo Rei Salomão, em Jerusalém, os judeus passaram a viver espalhados por todos os recantos do mundo. Do Templo de Jerusalém, destruído pelo comandante Cesto Galvus (JOSEFO, 2007:1238), a única parede que restou de pé foi a denominada de Muro das Lamentações.
Durante todo o tempo da Diáspora, as perseguições aos judeus ocorriam em todas as regiões onde estes haviam organizado comunidades. Considerados estranhos ou estrangeiros, especialmente pela insistência em preservar suas tradições e hábitos, em detrimento das culturas vizinhas, os judeus referiam-se a Israel e a Jerusalém como a terra mítica, de onde haviam saído e para a qual voltariam algum dia.
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1 Contrariando o título do livro de Aldous Huxley, Sem olhos em Gaza, onde o autor trata da incapacidade humana de enxergar, buscamos mostrar que é possível ver a paz nos arredores de Gaza.
2 Dina Lida Kinoshita, é doutora em Física, professora da USP, membro do Conselho da Cátedra UNESCO de Educação para a Paz, Direitos Humanos, Democracia e Tolerância, junto ao Instituto de Estudos Avançados desta Universidade. Membro da Coordenação dos Amigos Brasileiros do Paz Agora.
3 Esther Kuperman é historiadora. Doutora em Ciências Sociais. Membro da Coordenação dos Amigos Brasileiros do Paz Agora.
Na Era Moderna dois processos marcaram a história e o imaginário judaicos, como ícones da intolerância: a Inquisição e a expulsão da Península Ibérica em 1492. Decorrente destas duas situações foi a migração judaica para a América, em particular para o Brasil, para onde veio enorme contingente de cristãos novos ou “marranos”. Outras levas migratórias de judeus também saíram da Península Ibérica em direção à Holanda e para as comunidades judaicas já existentes na França, além da Europa Central e do Leste.
Durante o século XIX, com a difusão das idéias liberais e nacionais, surgiram inúmeras articulações que apontavam para a proposta da criação de um Estado Judeu. A primeira delas ocorreu na Alemanha, em 1862, a partir do livro Roma e Jerusalém, de Moses Hess, seguida da publicação, em 1881, da Auto Emancipação, de Judah Loeb Pinsker. O aumento dos pogrons (4), especialmente na Europa Oriental, fez crescer as organizações nacionalistas judaicas, conseqüência do sentimento de que era preciso encontrar uma saída para as perseguições que aumentavam em número e exacerbavam a violência. É deste período (final do século XIX) a fundação do Hibbat Tzion (5) e a emigração do primeiro grupo organizado de judeus, rumo ao Oriente Médio. Outro fator determinante para o surgimento das propostas de autodeterminação judaica foi o crescimento do antissemitismo, fruto do desenvolvimento das teorias racistas na Europa do século XIX, e da noção, disseminada pela Igreja Católica (6), de que os judeus eram “culpados pela morte de Cristo”.
No final do século XIX, os judeus da Europa Ocidental ainda buscavam integração nas sociedades em que viviam, desinteressados por qualquer projeto que apontasse para a realização de um projeto nacional judaico. Neste período ocorreu, na França, o caso Dreyfus (foto). Decorrente deste episódio, ocorrido em pleno contexto da Guerra Franco Prussiana, a desconfiança quanto à lealdade dos judeus que habitavam a Alsácia-Lorena por parte dos franceses mobilizou as comunidades judaicas da Europa no sentido de produzir um projeto nacional, sucedido, também, pela primeira migração dos judeus ashkenazitas (7) para o Brasil.
O caso Dreyfus também mobilizou o jornalista húngaro Theodor Hertzl, levando-o a propor outra forma de superação para a questão judaica. Em 1896, com a publicação de sua obra mais conhecida, o livro intitulado O Estado Judeu, Hertzl defendia a necessidade premente da criação de um Lar Nacional Judaico, que pudesse servir de refúgio para os judeus de todo o mundo. Seguindo a mesma linha, Hertzl publicou também, em 1902, uma novela – A velha-nova terra – na qual antecipava algumas características deste país e suas contribuições para a humanidade.
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4 Ataque às comunidades judaicas, de forma espontânea ou premeditada, no qual as sinagogas, casas e oficinas eram destruídas e os judeus assassinados. Os pogrons, ocorridos no sul da Rússia entre 1881 e 1884, aumentaram número de judeus que abandonavam suas aldeias nesta região, buscando refúgio em outros países, especialmente nos EUA (DUBNOV,1953:452).
5 Denominação, que significa Amor a Zion, da primeira organização sionista, criada em 1880.
6 A idéia de que os judeus eram responsáveis pela morte de Cristo foi aceita até as últimas décadas do século XX, ou seja, até o Concílio Vaticano II, ocorrido entre outubro de 1962 e dezembro de 1965.
7 Com a destruição do segundo Templo de Jerusalém, em 70 dC, parte da população judia que migrou para a Europa se estabeleceu na Península Ibérica, dando origem à corrente denominada de sefaradi. Outros judeus se estabeleceram nos países da Europa Ocidental, e foram denominados de ashkenazis, termo hebraico que identifica a população da Alemanha.
Com a publicação do Estado Judeu, Hertzl passou à organização dos Congressos Sionistas, visando aglutinar simpatizantes para a causa. O primeiro realizado em 1897, na Suíça, desencadeou negociações com vários chefes de Estado, para o estabelecimento de um Estado Judeu na Palestina, na África ou na Argentina (BOTELHO, 2007:7).
A idéia de assentar judeus em Uganda, na África, não foi bem recebida pelas comunidades judaicas européias. A proposta de permitir a construção de um Estado judeu em seu território não entusiasmou o governo argentino. Mas a idéia do retorno à Palestina entusiasmava muitos judeus europeus. Hertzl insistiu, então, nas negociações com o sultão otomano, visando o estabelecimento de judeus naquela área. Mas estas articulações não foram bem sucedidas, fazendo com que a migração de judeus para a região continuasse ocorrendo de maneira ilegal. Durante este período, a continuação dos pogrons levou os judeus russos a buscar abrigo em outros continentes. As maiores levas migratórias desta fase tinham como destino os EUA, mas uma pequena parte foi para a Palestina.
O sionismo não era a única corrente política que crescia entre as comunidades judaicas da Europa. Havia também o Bund, nome derivado do termo alemão Bund, que significava federação ou sindicato. Era o Partido dos Trabalhadores Judeus da Lituânia, Polônia e Russia, ou em idish Algemeyner Yidisher Arbeter Bund in Lite, Poyln un Rusland (foto). Esta Federação dos Trabalhadores Judeus era um partido político que operava entre 1890 e 1939 em vários países da Europa e foi um dos grupos fundadores do Partido Operário Social-Democrata da Rússia.
Tanto o movimento sionista quanto o movimento bundista foram filhos legítimos do Iluminismo e da Revolução Francesa. O primeiro, contemporâneo dos nacionalismos europeus do século XIX, pode ser caracterizado como uma manifestação tardia da aspiração pela cidadania em sua versão liberal, na tradição girondina, em que prevaleciam os direitos de primeira geração, ou direitos civis, a questão democrática e a questão do Estado-Nação. O segundo, na tradição jacobina, em sua versão marxista, privilegiava os direitos de segunda geração, isto é, os direitos sociais, conquistados e definidos através das lutas dos trabalhadores desde o século XIX.
É muito difícil acomodar numa lógica binária que perdurou durante toda a Era dos Extremos - como Eric Hobsbawm define o breve século XX - a noção de que o sionismo nunca foi um ideário monolítico. Desde sua fundação, por Hertzl, surgiram várias tendências, com diferentes concepções sobre o Estado judeu, que se expressam, ainda hoje, através de diferentes práticas políticas, desembocando nos partidos políticos israelenses. A primeira concepção do sionismo advogava a criação de um Estado Judeu a partir da iniciativa da comunidade internacional. Para esta corrente, liderada por Hertzl, as nações hegemônicas – Inglaterra, Alemanha e Império Otomano - iriam capitanear o empreendimento, que seria, portanto, fruto de uma grande articulação de caráter mundial.
A corrente dos sionistas marxistas, liderada por Ber Borokhov (8) e por Nahman Syrkin (9), entendia que a existência de um Estado judeu só poderia ser resultante da luta de classes. Syrkin nunca aceitou a idéia de uma aliança com a burguesia judaica da Europa, pois considerava que o Estado judeu somente poderia existir a partir do genuíno movimento de massa (LAQUEUR, 2003:272).
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8 Dov Ber Borokhov (1881-1917), nascido na Ucrânia, era marxista sionista e um dos fundadores do movimento denominado de Sionismo Trabalhista. Participou do Partido Operário Social Democrata Russo, de onde foi expulso por suas convicções sionistas, o que o levou à fundação do Partido dos Trabalhadores de Sion (Poalei Sion), partido ao qual dedicou grande parte de sua vida, além de organizar as brigadas judaicas do Exército Vermelho, e que deu origem ao partido MAPAM, em Israel, atualmente denominado Meretz.
9 Cf. Laqueur, Nahman Syrkin, nascido em Mohilev, era doutor em filosofia da Universidade de Berlin.
Para Borokhov e Syrkin, cabia aos judeus pertencentes à classe trabalhadora o retorno à Palestina para edificar o socialismo através da consolidação de um operariado nas cidades e de um campesinato nos kibutzim. Para os sionistas marxistas a convivência com os demais habitantes da região – os palestinos – seria pacífica e fraterna, uma vez que seriam todos incorporados ao novo Estado. O Estado judeu idealizado por Borokhov e Syrkin congregaria, em condições de igualdade, todas as etnias e grupos culturais existentes na Palestina. Deste projeto emanou a proposta de criação de um Estado binacional, defendida pelo partido Mapam, no início da história do Estado de Israel.
Outra corrente do sionismo, liderada por Jabotinski (foto)(10), mais conhecida como Sionismo Revisionista, possuía concepções a respeito do nacionalismo judaico muito próximas do fascismo, na medida em que apontava para a criação de um país essencialmente judaico. Seu principal objetivo consistia em tomar as terras situadas nas duas margens do rio Jordão para construir o Estado judeu, contando com a ajuda da Grã Bretanha (que possuía mandato sobre as terras da Palestina).
Entre as principais correntes do pensamento sionista há uma gradação de tons e semi-tons que o Holocausto e a Guerra Fria acabaram alinhando, como se o sistema fosse um ferromagneto, um alinhamento de imãs numa direção privilegiada, de forma artificial. O resultado tem sido o entendimento do sionismo apenas da maneira como é concebido por Jabotinsky e seus seguidores, e a conseqüente perda da compreensão de um projeto de afirmação da identidade nacional judaica pertencente ao campo socialista.
Enquanto os judeus que viviam na Europa Ocidental adquiriram sua cidadania depois da Revolução Francesa, no contexto da consolidação dos Estados nacional-liberais, as grandes massas judaicas que viviam na Europa Oriental continuavam sob a autoridade da aristocracia feudal. A maioria destes judeus vivia na Pale - região onde era autorizada a moradia de judeus no Império Czarista – em pequenas aglomerações urbanas, denominadas de “shtetl” e rodeadas por populações hostis. Para o Império, os judeus constituíam perfeito bode expiatório: apontados como os responsáveis pelos problemas econômicos e étnicos que grassavam no país, eram vítimas dos ataques constantes do exército e da população civil que invadiam suas aldeias, destruindo, saqueando e massacrando os habitantes. Eram os chamados pogrons.
Os judeus que habitavam a Europa Oriental no século XIX pertenciam às camadas miseráveis de pequenos artesãos: alfaiates, marceneiros, padeiros, sapateiros e pequenos comerciantes. Com exceção de Kharkov, São Petersburgo, Moscou, Vilna, Varsóvia, Lodz e Bialystok, o padrão de trabalho ainda era artesanal, embora na última década tenha havido uma multiplicação do número de operários fabris, fruto do grande desenvolvimento capitalista na Rússia. Neste contexto cresciam as lutas sociais que levavam à ampliação das medidas repressivas. Assim, no limiar do século XX, os cárceres encontravam-se repletos, pois ali se encontravam milhares de revolucionários, ansiosos por liquidar o despotismo reinante. Os judeus, como parte integrante dos trabalhadores urbanos, estavam envolvidos neste movimento. (GROL, 1976:418)
Enquanto os judeus da Europa Ocidental desfrutavam da cidadania e adquiriram a cultura, os hábitos e a língua do país em que se encontravam, manifestando seu judaísmo apenas através de sua fé, aqueles que viviam no Império Czarista eram mantidos como cidadãos de segunda classe, tendo seus direitos civis, políticos e econômicos restritos, não lhes sendo permitido possuírem terras, exercer determinadas profissões, movimentar-se por todo o território do império, ou habitar certas cidades ou regiões. Também não podiam ter acesso à educação, pois ao longo do tempo vigia ora o “numerus clausus” ora o “numerus nulus” quanto à matrícula escolar. (11) Decorrente disto foram organizadas escolas nas comunidades judaicas. Laicas ou religiosas, ministravam o ensino em hebraico e ídish (12). Muitos membros destas comunidades, por terem sido educados apenas nestas escolas, não sabiam sequer falar a língua da região em que viviam. Tais circunstâncias originaram uma cultura específica, comportamentos e hábitos típicos dos judeus pertencentes às comunidades judaicas que viviam no império czarista. Num contexto de pouca ou nenhuma educação formal, muitos destes trabalhadores vinculavam-se aos círculos socialistas.
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10 Zeev Jabotinsky, ou Wladimir Yevgenyevich Zhabotinsky (1880-1940), nascido na Rússia, foi escritor e fundador da Organização de Auto Defesa Judaica de Odessa. Também auxiliou na formação da Legião Judaica do Exército Britânico na Primeira Guerra Mundial, além de ser o fundador e líder da organização armada clandestina judaica Irgun.
11 Em alguns momentos era permitido a alguns judeus frequentar o ensino público (numerus clausus) e em outros, nenhum judeu tinha esta permissão (numerus nulus).
12 Língua vernacular surgida há cerca de mil anos, entre os judeus ashkenazim, que se espalhou e floresceu por toda a Europa Central e Oriental, sendo também utilizada para uma vasta produção cultural. O início de seu declínio deu-se a partir da ascensão do nazismo, quando a maioria da população que se comunicava através do ídish foi eliminada.
Segundo Deutcher, em 1903, durante o Segundo Congresso do Partido Social Democrata, o Bund exigiu o direito de ser o único representante das massas judaicas e de ter um comitê central próprio, além de garantir uma política cultural independente, o que significava manter as escolas judaicas e o ensino da língua iídiche. Os participantes do Congresso decidiram não permitir esta autonomia, uma vez que este precedente faria do Partido uma federação de várias agremiações. Mas, como o Congresso foi organizado logo após o pogrom de Kishinev - famoso pela sua violência, pelos estragos e vítimas entre os judeus daquela região - decidiram que os membros judeus do partido, Trotsky e Martov (foto), seriam oficialmente encarregados de contestar o Bund. (DEUTCHER, 1968:85).
Naquela ocasião, Trotsky, partidário da solução socialista para as questões nacionais, inclusive para os judeus, concordou com a proposição de que fosse concedida aos judeus apenas a possibilidade de terem escolas em língua iídiche. Para Trotsky, naquele momento, a questão judaica não seria solucionada com a criação de um Estado judeu, mas “numa reformulação coerentemente internacionalista da sociedade”. Mas, a posição de Trotsky sobre o sionismo mudou após o nazismo. Em entrevista concedida em 1937, ele afirmou que “depois da experiência do nazismo era difícil acreditar na assimilação dos judeus por ele esperada”. Assim, para ele, o sionismo não resolveria o problema, mas, mesmo numa sociedade socialista, talvez fosse necessário aos judeus instalarem-se num território separado (DEUTCHER, 1968:88).
Ao final da I Guerra Mundial, após a Revolução Bolchevique, constituíram-se diversos novos Estados, originados do colapso dos antigos impérios czarista, austro-húngaro e otomano, como Polônia, Lituânia, Hungria, Romênia, Checoslováquia etc. Com exceção dessa última, a estrutura de poder nestes países era profundamente conservadora, e estas novas organizaçöes políticas passaram a funcionar como uma espécie de “cordão sanitário” para que “a praga bolchevique não se alastrasse”, persistindo também as políticas de perseguição às minorias étnicas, em especial os judeus. Em virtude destes fatores, o número de judeus que migravam para a Palestina desde o início do século experimentou um crescimento substancial. Influenciados pelas idéias socialistas, em sua maioria, estes passaram a organizar as primeiras fazendas coletivas, denominadas kibutzim (13). Nelas, passaram a colocar em prática as propostas de vivência igualitária e de retorno à terra, tornando-as a experiência pioneira e mais duradoura de relações sociais baseadas no trabalho, na educação e, especialmente na igualdade de direitos.
A saída da Rússia da I Guerra, com a paz de Brest-Litovsk, alterou a correlação de forças no continente europeu, criando ameaças para os aliados. Encerrada a Primeira Guerra Mundial e com o fim do Império Otomano, a Palestina passou para o domínio inglês. Segundo Dubnov, a Grã Bretanha, visando angariar o apoio das populações judaicas da Europa, assinou a Declaração Balfour (DUBNOV, 1953:174). Através deste documento, Lord Balfour, Ministro das Relações Exteriores inglês admitia que(...) o governo de Sua Majestade vê com simpatia a criação na Palestina de um lar nacional para o povo judeu e fará os maiores esforços para facilitar o alcance desse fim (DUBNOV, 1953:174).
Apesar do apoio à presença de judeus expresso na Declaração Balfour, a Grã Bretanha não seguiu tais orientações à risca, criando restrições à entrada de imigrantes de origem judaica na Palestina. Durante toda a II Guerra Mundial, muitos navios carregados de refugiados foram impedidos de aportar na região. Muitos eram bombardeados ou forçados a retornar à Europa pelos ingleses o que significava cair em mãos dos nazistas. Ainda no pós II Guerra, os ingleses não permitiam aos sobreviventes entrarem na Palestina. Até a criação do Estado de Israel, a imigração judaica para a Palestina era considerada ilegal, sendo fortemente combatida pelos ingleses. Mesmo assim, a região tornou-se pólo de reunião dos judeus que buscavam no Oriente Médio um espaço para construir um novo lar. Os chalutzim (14) chegavam da Europa para trabalhar nas colônias agrícolas que prosperavam, e nas novas fábricas que surgiam, fruto dos investimentos dos empresários judeus europeus que também abraçaram o projeto nacional. Assim, ao final da Primeira Guerra Mundial, estimava-se que a Palestina já contava com cerca de 600.000 judeus (LAQUEUR, 2003:75).
O período entre as duas guerras mundiais foi marcado pelo crescimento do sentimento e das ações antissemitas na Europa. A violência e o alcance dos pogrons do final da década de 1910 e dos anos vinte era cada vez maior. Apesar da atuação de Pilsudsky (15), tentando atenuar as perseguições às minorias, a Polônia - que abrigava o maior contingente de judeus na Europa - recusava-se a respeitar seus direitos. Na Romênia, judeus foram declarados oficialmente “estrangeiros”, passando a ocorrer o que Dubnov denominou de “pogrom frio”, ou seja, a exclusão dos judeus das posições econômicas, profissões liberais, centros de ensino e da vida política em geral (DUBNOV, 1953:480). A Hungria, terceiro país em população judaica no continente, também iniciou um movimento anti-judaico, sob o pretexto de que Bela Kun, que esteve à frente do governo comunista instaurado no país em 1919, tinha origem judaica. Na Lituânia, Letônia e Estônia, em virtude das pressões da Alemanha e da Polônia, a autonomia cultural dos judeus foi eliminada. (16)
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13 Kibutzim é o plural da palavra kibutz, derivada do hebraico kvutzá, que significa grupo. Os colonos utilizavam o termo com o significado de comunidade. O kibutz era uma comunidade, em geral agrícola, onde a propriedade dos meios de produção e dos bens de consumo era coletiva.
14 Termo utilizado para identificar os pioneiros.
15 Após a Primeira Guerra Mundial e a conseqüente derrota do Império Austro-Húngaro, a Polônia recuperou a autonomia política, tendo o Marechal Jósef Pilsudsku – liderança do movimento de independência - se tornado chefe do novo Estado.
16 Segundo Laqueur, cerca de quinze mil judeus foram assassinados nestes episódios, assim como as propriedades dos judeus foram destruídas, enquanto algumas dúzias de vítimas em Kishinev causou uma onda de protestos no mundo civilizado, o assassinato de milhares 1919–1920 não causou qualquer movimentação (LAQUEUR, 2003:441).Tradução Livre.
A proposta de criação de um Estado judeu nem sempre foi majoritária entre os judeus da Europa. Na URSS, após a revolução de 1917, com a linha soviética para as nacionalidades, os judeus adquiriram garantias de seus direitos, e o anti-semitismo foi considerado fora da lei. Assim, parcelas significativas da juventude judaica que eram socialistas ou comunistas, inclinavam-se para a participação no novo tipo de sociedade que estava sendo construída na URSS. Embora muitos pretendessem preservar sua cultura e tradição, todos estes jovens viam no socialismo, uma sociedade igualitária, um caminho para a aquisição da cidadania. Eles entendiam que a questão judaica não poderia ser resolvida de forma particular, uma vez que fazia parte da solução dos problemas universais. Até o início da II Guerra Mundial esta era a proposta de solução para a questão judaica advogada pelos marxistas do Bund e pelos comunistas e estas idéias tinham grande penetração em amplos setores das comunidades judaicas em todo o mundo.
Com as mudanças econômicas resultantes da revolução bolchevique, os judeus soviéticos precisaram se readaptar, muitas vezes mudando para outras regiões, em busca de trabalho. Durante o governo de Stalin, a proposta da criação de um território autônomo judeu – em Biro-Bidjan, extremo oriente do território da URSS – atraiu milhares de judeus soviéticos. A área, situada na fronteira com a China e o mar do Japão, era estratégica para a URSS. Garantir a ocupação daquele território foi principal motivo para que Stálin incentivasse a migração judaica. Mas logo os judeus que chegavam a Biro-Bidjan tomaram consciência de que lhes faltava autonomia política e econômica, jamais concedida por Stalin. O sonho de uma Palestina Siberiana não durou muito. Alguns milhares de judeus foram para lá, mas a maioria voltou para seus lugares de origem em alguns meses (LAQUEUR, 2003:427).
Às vésperas da Segunda Guerra Mundial, na maioria dos países europeus, a situação dos judeus deteriorava-se rapidamente, especialmente em virtude da ascensão dos regimes fascistas. Em 1935, na reunião do Partido Nazista Alemão, foram adotadas as leis de Nuremberg (17), institucionalizando o antissemitismo. Com o início da Segunda Guerra, a expansão da Alemanha e a consolidação do projeto nazista, milhões de judeus foram assassinados pela morte lenta nos guetos e nos campos de trabalho ou pela eliminação sumária e metódica nos campos de extermínio. Na verdade, o Holocausto já se anunciava através das condições em que as sociedades européias se encontravam, especialmente na Alemanha, como analisa Bauman:
"Relembremos também a conclusão a que chegou Raul Hilberg no final do seu magistral e insuperado estudo sobre a consumação do Holocausto: “A máquina de destruição não era, pois, estruturalmente diferente da sociedade alemã organizada como um todo. A máquina de destruição era a comunidade organizada num de seus papéis especiais”. (BAUMAN, 1998:27).
A partir dos anos 30, por razões econômicas e em virtude da ascensão do nazi-fascismo, chegavam à Palestina grandes contingentes de imigrantes, da Alemanha e do Leste Europeu, que engrossaram as levas de imigrantes antes originárias, em grande parte, da Rússia e da Polônia. Passavam a viver nas cidades e também nos kibutzim. Nesta fase, suas relações com as populações árabes residentes na região eram amistosas. Neste período, a maioria dos judeus que viviam na região era de tendência socialista, daí o crescimento dos kibutzim e a convivência pacífica com os árabes da região, uma vez que a esquerda judaica advogava a criação de um
Por outro lado, os dirigentes árabes na Palestina não viam com bons olhos a chegada de judeus para a região, disposição que se radicalizou em 1937, quando o Mufti (18) de Jerusalém, Hadj Amin Husseini, lançou uma campanha de apoio árabe à Alemanha nazista. Difundindo esta resolução pela população árabe da Palestina ele inviabilizou uma possível aliança ou cooperação entre as duas comunidades da região.
Após a II Guerra Mundial, em parte por força da difusão dos horrores do Holocausto (foto), os judeus socialistas e comunistas entenderam a importância do povo judeu ter uma pátria, resguardando os mesmos direitos para os palestinos. Ao mesmo tempo, as comunidades judaicas demonstravam simpatia pela esquerda e pela URSS, especialmente em virtude da participação soviética na derrota alemã. Estas comunidades viviam, então, um momento de incomum unidade entre sionistas e comunistas, visto que os dois campos apoiavam a criação do Estado de Israel. Para os primeiros essa criação simboliza a realização de um sonho milenar de volta à “Terra Prometida”, para os segundos, trata-se de um movimento de libertação nacional em que o apoio soviético para um Estado judeu, afetaria os interesses imperialistas numa região altamente estratégica.
No primeiro momento a URSS havia proposto um Estado Binacional árabe-judeu, mas a recém-criada ONU constituiu, em 1947, uma comissão para verificar os anseios dos árabes e judeus que viviam na Palestina. A opção majoritária foi pela divisão e criação de dois Estados na região. Na histórica Assembléia Geral das Nações Unidas que decidiu pela partilha da Palestina, os britânicos e os franceses, potências imperialistas no ocaso, se abstiveram, os norte-americanos foram relutantes na aprovação, ao passo que o projeto contou com o apoio decisivo da URSS. Concretizada a partilha da Palestina e a criação do Estado de Israel, em 14 de maio de 1948, a grande maioria dos árabes palestinos não aceitou a divisão. Insuflada por ingleses e franceses, preocupados com a perda de hegemonia na região, a Liga dos Estados Árabes, estabelecida no Cairo desde 1945, fez um anúncio público de que não aceitaria a divisão definida pela ONU, ao mesmo tempo em que tropas da Jordânia, Líbano, Síria, Iraque e Egito invadiram simultaneamente o país.
Utilizando armas enviadas pela República Popular da Tchecoslováquia, Israel acabou expandindo as fronteiras, que foram estabilizadas em 1949, nas linhas de armistício reconhecidas internacionalmente como a “Linha Verde”. Para os israelenses, este conflito ficou conhecido como Guerra de Independência. Para a população árabe que vivia na região foi denominado nakba (tragédia).
Ao final da Guerra de 1948 veio o armistício e a negociação das fronteiras. Com exceção do Iraque, todos os países que haviam participado da guerra contra Israel assinaram acordos, definindo os primeiros limites entre o novo Estado e seus vizinhos. Desta forma, em março de 1949, Israel controlava a Galiléia, o Neguev, a faixa costeira, e a parte oeste de Jerusalém. A Jordânia ocupou a montanha a oeste do rio Jordão e a parte oriental de Jerusalém – que deveria ter sido internacionalizada, e o Egito ocupou a faixa de Gaza.
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17 Leis propostas por Hitler que codificavam o comportamento dos alemães, baseadas na idéia de “pureza da raça ariana” e prescrevendo a eliminação daqueles que não se encontravam nesta categoria, em especial os judeus.
Estado Binacional. No entanto, aumentava a presença dos sionistas de direita (os chamados revisionistas) que não admitiam nenhuma proposta de coabitação com os árabes. Organizados em torno do Irgun, estes últimos empreendiam ações de sabotagem e de guerrilha contra os palestinos.
18 O nome Grande Mufti de Jerusalém é dado ao clérigo sunita muçulmano que exerce a autoridade religiosa nesta cidade e sobre os palestinos, sendo também responsável pelos lugares sagrados da religião islâmica.
Quanto aos palestinos,permaneceram nos acampamentos de refugiados, sem que tivessem sido incluídos nos tratados assinados entre os países árabes e Israel. Tais fatos explicitavam a situação destes novos refugiados, pois, incitados pelos governantes árabes - que asseguravam o retorno às terras abandonadas, após a expulsão sumária dos judeus – ou apenas pelo medo de ser atingidos pelo confronto, os milhares de habitantes das terras que passaram a fazer parte do Estado de Israel, fugiram para os países vizinhos. Mas, apesar do apoio promovido pelos governantes destes países para que saíssem do território que passou para o controle de Israel, os antigos habitantes daquela região não foram absorvidos pelos países que supostamente os acolheriam. E os espaços que haviam sido designados para a criação de seu Estado, na partilha definida pela ONU em 1947, continuaram em poder dos países árabes. Assim, sem encontrar acolhida em nenhum país árabe, os antigos habitantes das terras designadas pela ONU para o Estado de Israel, transformaram-se em refugiados, passando a viver em acampamentos, em situação de extrema pobreza. Desta forma, começou a se consolidar, entre eles, a compreensão de que haviam passado a pertencer a uma nova categoria: aqueles que, saídos da região onde se instalara o Estado de Israel, reivindicavam uma terra para viver. Nascia, assim, uma nova nacionalidade, a palestina, mais um complicador no confronto entre Israel e seus oponentes, e fator que adquire cada vez mais peso no conflito, segundo Akcselrud: "Os governos árabes, acumpliciados com a política bifronte dos Estados Unidos, sempre juraram em falso contra Israel. Ao mesmo tempo, traíam descaradamente os palestinos, usando-os como pretexto para se armarem uns contra os outros, como se acreditassem que lhes era permitido destruir Israel pelo tutor comum"(AKCELRUD, 1986:70) .
A imigração judaica para a Palestina que deu origem à população do Estado de Israel não foi apenas proveniente da Europa, mas também dos países árabes, onde também viviam grandes contingentes de judeus. Mas esta migração se iniciou mais tarde, pois, até a criação do Estado de Israel, os judeus orientais, denominados de sefaradim e mizrakhim tinham status elevado nos países em que viviam. Diferente dos judeus da Europa, os orientais possuíam boas relações com as classes dominantes de seus países, portanto, antes da criação do Estado de Israel não eram forçados a abandonar seus lares e migrar. Assim, a criação do Estado de Israel, de certa forma, tendo sido uma iniciativa dos judeus ocidentais, foi uma resposta à “questão judaica” européia. Fato pouco conhecido foi a expulsão de cerca de 700 mil judeus dos países árabes a partir da criação do Estado de Israel, como forma de retaliação, por parte dos governantes. Despojados de suas propriedades, muitos deles vieram para a América Latina, mas um grande contingente migrou para Israel. Assim, a criação do Estado de Israel deu origem a dois diferente movimentos migratórios: dos palestinos que viviam naquela região, em direção aos países árabes vizinhos e dos judeus que viviam nos países árabes que entraram em guerra com Israel.
A desintegração do Império Otomano resultante da Primeira Guerra Mundial, deixou em seu rastro uma plêiade de pequenas nações-estado fracos e geralmente instáveis que deu origem ao que conhecemos como “Mundo Árabe”. Sobre estes territórios, dentre eles a Palestina, a Liga das Nações criou uma série de mandatos e protetorados ingleses e franceses. Desde os anos 30, a política ocidental para o Oriente Médio tem sido ditada por duas prioridades: a) o livre acesso ao petróleo a preços baixos, que é de vital importância para a economia mundial e, b) uma vontade de conter e neutralizar a “ameaça soviética” que vigorou até o final dos anos 80, ou seja, durante a Guerra Fria. Dentro dessa lógica da Realpolitik, considerações sobre os direitos dos povos ou a respeito dos direitos da pessoa humana praticamente não foram levadas em conta. (GRESH, 1997:96) Como já foi afirmado anteriormente, até o final dos anos 50, quem ditava as regras na região eram os imperialismos inglês e francês. Foi na Guerra de Suez (19) que estas potências se retiraram, abrindo espaço para uma nova disputa em torno do controle da região, desta vez entre os norte-americanos e a URSS.
Durante os primeiros anos de sua existência, o Estado de Israel esteve próximo da área de influência soviética. Afinal, Stalin articulou para que este Estado fosse reconhecido em 1948, através de Andrey Gromiko (foto), representante soviético nas Nações Unidas, e estimulou vários governantes da Europa Oriental a permitir a migração para a Palestina dos judeus que tinham sobrevivido ao Holocausto nos seus países. Seu objetivo era contribuir para a dissolução do Império Britânico, processo que tinha se acelerado com o ingresso dos judeus na Palestina. Como os EUA apoiavam Israel, Stalin também considerava que o seu apoio iria aprofundar as relações russo-americanas. Mas esta tática provou-se inócua, tendo Israel pendido para a área de influência dos EUA. (DEUTCHER, 1976:591)
Contribuíram para esta tendência vários fatos. Do ponto de vista econômico a viabilidade econômica do Estado de Israel, em seus primeiros anos, era uma grande preocupação. O pagamento das indenizações de guerra para os sobreviventes do Holocausto, no qual Israel foi indenizado pelos seis milhões de judeus exterminados, permitiu a construção das bases materiais do país. Este pagamento, obtido através de acordo com a RFA, garantiu uma infra-estrutura mínima, além de melhorar o padrão de vida de parte muito expressiva da população, que era constituída, em grande parte, de refugiados, tanto ocidentais quanto orientais. Do ponto de vista político, em 1951 ocorre a reorganização da Internacional Socialista (IS). (20) Filiam-se a esta organização os partidos social-democratas, os trabalhistas e os socialistas. Trabalhistas e socialistas israelenses – MAPAI, atual AVODÀ e MAPAM, atual MERETZ - são membros plenos da Internacional Socialista desde o início e, especialmente o MAPAI, sempre esteve ideologicamente mais próximo da social-democracia do que do campo socialista. No contexto da Guerra Fria, com a criação da OTAN, os partidos da Internacional Socialista, sobretudo os europeus, alinharam-se com os EUA. Os partidos da esquerda israelense, MAPAI e MAPAM, seguiram esta direção, contribuindo para a guinada conservadora da política israelense. Por outro lado, durante o macartismo, muitos judeus americanos foram acusados de serem comunistas, gerando uma percepção de ameaça à comunidade judaica americana, num momento em que o extermínio das comunidades judaicas européias ainda era recente. Outro fator determinante na alteração das relações entre Israel e a URSS foi o acirramento da política stalinista com relação aos judeus soviéticos. O assassinato de escritores e artistas soviéticos que se expressavam em iídiche, bem como o processo e assassinato dos médicos judeus acusados de traição, também conduziram o Estado de Israel e setores expressivos da esquerda judaica na Diáspora para fora do campo político soviético.
Em contrapartida, na medida em que a URSS se encontrava cercada por bases militares do Ocidente por todos os lados, passou a procurar novos parceiros, especialmente no Oriente Médio. As parcerias soviéticas variavam ao longo do tempo: ora o Egito, ora a Síria, chegando a adotar a causa palestina com ênfase total, o que levou ao rompimento de relações com o Estado de Israel, após a Guerra dos Seis Dias, no que foram acompanhados por todos os países socialistas em 1967.
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19 Conflito entre Israel e Egito, ocorrido em outubro de 1956, motivado pela nacionalização do canal de Suez e o fechamento do porto de Eilat, situado no golfo de Ákaba, por parte do presidente egípcio Gamal Abdel Nasser.
20 A Internacional Socialista havia sido praticamente extinta com a ascensão de Hitler e a derrota dos republicanos na Guerra Civil Espanhola, bem como da Frente Popular na França.
No entanto, mesmo durante o período da Guerra Fria, embora Israel fosse o parceiro privilegiado dos EUA na região, vários países árabes também possuíam status semelhante, como é o caso da Arábia Saudita e, em determinados períodos, o Irã (país de população não árabe, mas muçulmano xiita). Neste sentido, reduzir a questão da correlação de forças no Oriente Médio a um alinhamento automático de Israel com os EUA e dos palestinos com a URSS não alcança toda a complexidade da questão. Os chamados países árabes não constituem um bloco monolítico: eles têm interesses diversificados, divergências profundas e conflitos de fronteira, como foi demonstrado nas diferentes guerras - Irã-Iraque, Iraque contra o Kuweit e entre Síria e Líbano. A maioria dos países árabes possui regimes antidemocráticos e oligárquicos. A única questão que os une é a questão palestina-israelense que na verdade serve para camuflar problemas internos e a aspiração de camadas da população por mudanças democráticas. Assim, a questão palestina torna-se mero exercício de retórica. Não há interesse em solução, na medida em que deixaria de ser o fator de unidade, abrindo espaço para uma luta pelas mudanças políticas internas. Cabe ainda assinalar que, na época da Perestroika e da Glasnost, a URSS reconheceu e criticou sua política para o Oriente Médio, admitindo ter sido bastante unilateral.
Os sionistas trabalhistas e socialistas, fundadores do Estado de Israel, aspiraram construir um Estado-Nação modelo, democrático e igualitário. Mas, as contradições deste processo logo afloraram, uma vez que foi feito à custa da opressão de outro povo, agravando-se com a Guerra dos Seis Dias que se desdobrou na ocupação dos territórios de Gaza, Cisjordânia, Golan, Sinai e Jerusalém Oriental, em 67. Mais do que uma conquista territorial, o resultado deste novo confronto, foi o aprofundamento das contradições, pois, ao incorporar os territórios conquistados, os israelenses trouxeram o problema palestino das bordas das fronteiras para dentro de casa (SCALERCIO, 2003:169).
A ocupação destas regiões ampliou o confronto entre Israel e os palestinos que ali viviam. Do ponto de vista destes últimos a situação resultou em deterioração crescente de suas condições de vida. No início da ocupação e no período dos Acordos de Oslo ainda era permitido aos palestinos entrar em território israelense, desde que comprovassem possuir algum vínculo de trabalho. De fato, os palestinos constituíam a maior parte da mão de obra com baixa qualificação existente em Israel. Com as intifadas foram impedidos de entrar em território israelense e substituídos, gradativamente, por imigrantes chineses, coreanos, ou tailandeses. Por sua vez os palestinos também não encontravam ocupação nos acampamentos ou vilas onde vivem, nas quais a infra-estrutura é precária, não há escolas, hospitais ou qualquer aspecto de cidadania. Em Gaza, a situação é mais grave: uma das maiores densidades populacionais do mundo e, ao mesmo tempo um dos menores índices de desenvolvimento humano, ali tudo é escasso, até a água para consumo. Todos estes fatores levaram à irrupção das intifadas, revoltas contra a ocupação. A primeira em dezembro de 1987 e a segunda em setembro de 2000, foram seguidas por confrontos localizados e atentados ao longo de todos estes anos. Desta forma, quanto maior a violência utilizada por um dos lados, maior é o revide do outro, o que resulta em uma espiral de ressentimento, ódio e violência sem fim.
Centenas de milhares de palestinos vivem em campos de refugiados ou estão na Diáspora espalhados pelos quatro rincões do mundo, a maioria em países árabes. Mesmo os que permaneceram no Estado de Israel, vivem como cidadãos de segunda classe, sem acesso sequer aos serviços públicos básicos. Desta forma, a tragédia palestina não tem fim. Numa situação diferente dos cerca de 700 mil judeus expulsos dos países árabes em 1948, que foram acolhidos pelo Estado de Israel e absorvidos pela sociedade israelense, os palestinos não encontraram refúgio nos países árabes da região. A administração dos territórios habitados pelos palestinos está, desde os acordos de Oslo, a cargo da Autoridade Nacional Palestina (ANP), composta por um parlamento, eleito por voto direto e o ministério. Mas suas principais lideranças encontram-se bastante divididas. A OLP (Organização pela Libertação da Palestina), fundada em 1969, por Yasser Arafat (foto), tinha como objetivo inicial a luta por um Estado palestino independente. Desde a morte de Arafat, em 2004, vem sendo presidida por Mahmud Abbas. Seu braço armado, o Fatah é um movimento secular e nacionalista, fundado por Arafat, em 1964, que reconheceu o direito de existência do Estado de Israel. Atualmente, a OLP tem como principal objetivo manter o comando da Autoridade Palestina, e o controle do Executivo. Em 2006, nas primeiras eleições ocorridas entre os palestinos que vivem nos territórios ocupados, a OLP perdeu o controle do legislativo para o Hamas. (21)
O Hamas, cujo nome significa, em árabe, Movimento de Resistência Islâmico, foi criado em 1987. É o braço armado da organização fundamentalista Irmandade Islâmica, que existia desde 1928, no Egito. Além da organização militar, o Hamas tem atuação assistencial, prestando ajuda à população nas situações e lugares onde a Autoridade Nacional Palestina é omissa. Distribuindo víveres, patrocinando atendimento médico e educação na Cisjordânia e especialmente em Gaza, o Hamas tem conquistado o apoio da população palestina. A carta de princípios do Hamas defende a necessidade de destruir Israel para construir, nestas terras, juntamente com Gaza e a Cisjordânia, a República Islâmica Palestina.
Estes dois principais grupos políticos encontram-se em disputa. Em 2005 o Hamas transformou-se em partido político, disputando as eleições de 2006, tendo obtido significativa vitória. Desde então o Hamas tem entrado em confronto com o Fatah. Em 2007, mais um ato desta disputa:, o presidente da ANP, Mahmoud Abbas, decretou a ilegalidade das milícias do Hamas, ao mesmo tempo em que substituiu vários membros deste grupo dos cargos que ocupavam no governo por membros do Fatah. Como resposta, na Faixa de Gaza, onde é hegemônico, o Hamas persegue e executa membros do Fatah sob a acusação de traição. Além da divisão interna, ainda há a cisão no que diz respeito a um futuro acordo para o estabelecimento de um Estado Palestino no Oriente Médio. Dentre estes grupos, somente o Fatah e a OLP reconhecem Israel e são considerados parceiros para uma possível negociação de paz pelos governantes israelenses e pelos organismos internacionais. O Hamas, não reconhecendo a existência de Israel, até agora não foi visto como interlocutor pelo governo israelense e pelas instituições internacionais responsáveis pelas negociações entre os povos do Oriente Médio.
Os israelenses, por sua vez, também estão divididos. O fato de a população israelense estar constituída majoritariamente por judeus, não resulta em unidade cultural, muito menos política. Do ponto de vista religioso, os judeus laicos ou seculares são maioria, entretanto, os diversos matizes da ortodoxia são o fiel da balança política. No entanto, do ponto de vista cultural Israel é um país multiétnico. Absorvendo imigrantes vindos de diversos países europeus ou dos países árabes ( 22), a diversidade de línguas e costumes entre os judeus de diferentes origens culturais poderia ter sido um entrave para a consolidação da nova sociedade, mas, desde o inicio, este foi mais um fator positivo, contribuindo para a formação de um país multicultural. Judeus que viveram durante longos períodos em diferentes países, quando em contato, foram adquirindo hábitos e costumes diferenciados. Mas os conflitos culturais também estão presentes: no final da década de 1960 e início dos anos 70, judeus orientais e ocidentais experimentavam certo estranhamento. Como nas comunidades negras americanas daquele período, os judeus orientais organizavam-se em grupos auto denominados “Panteras Negras” e realizavam manifestações nas principais cidades israelenses, denunciando o preconceito com que eram tratados e reivindicando maiores oportunidades na sociedade israelense. Nos anos 90, a chegada dos imigrantes russos tem motivado polêmica e conflito entre os israelenses. O Estado de Israel e a sociedade israelense não são os únicos a ter dificuldade em lidar com a diversidade e a alteridade. Pode-se citar como exemplos a Espanha e seus problemas com os bascos, catalães e galegos, a Grã-Bretanha com irlandeses e escoceses ou a Polônia pré-Segunda Guerra com relação aos judeus e aos nacionalistas ucranianos.
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21 O Hamas elegeu 45 parlamentares, de um total de 75, obtendo a maioria legislativa.
22 Segundo Dubnov, só em 1948 – ano da Guerra de Independência - imigraram para Israel 130.000 judeus refugiados, tanto da Europa quanto dos países árabes. Cf. DUBNOV, Simon. Op. Cit. Pág. 516.
O jogo político israelense também está impregnado das disputas culturais. Partidos como Moledet, Israel Beiteinu e Shas, reivindicam a perpetuação de um Estado judeu que exclua os que não se enquadrem no seu padrão religioso – especialmente os muçulmanos. Por iniciativa destes grupos, ligados à ortodoxia religiosa, as instituições políticas e sociais israelenses ainda se mantém impregnadas por regras que emanam da religião judaica. A manutenção destas regras, como definidores das relações entre os membros da sociedade civil israelense, constitui uma demonstração de que o Estado de Israel não é totalmente laico, nem totalmente ocidentalizado, aproximando-o, portanto, dos demais Estados teocráticos do Oriente Médio.
Com exceção da esquerda, os demais partidos também sofrem influência dos grupos fundamentalistas. Mesmo não exibindo uma ortodoxia explícita em sua plataforma, orientam suas propostas no sentido de obter apoio dos partidos religiosos, tendo neles sua opção preferencial de coligação e sua base de sustentação no Knesset (Parlamento). Estamos nos referindo ao Likud, partido que se originou do Herut (de Menahem Begin) e que tem entre seus quadros o ex Primeiro Ministro Benjamin Netanyu (foto), mas contava também com Ariel Sharon e Ehud Olmert, que saíram para formar outro partido, o Kadima. Este último, na prática, é uma continuação do Likud e tem em Tzipi Livni sua maior liderança. Ambos são herdeiros ideológicos do sionismo revisionista. O Partido Trabalhista, ou Ávodá, herdeiro do antigo Mapai, apesar de anunciar sua filiação à Internacional Socialista apresentando-se como social democrata, pertence atualmente à coligação governista, ao lado do Kadima, tendo em Ehud Barak (ex primeiro Ministro e atual Ministro da Defesa) sua principal liderança. A esquerda israelense está dividida entre o Meretz-Iahad - partido que se originou da união entre o Mapam e o Shinui - e o Partido Comunista de Israel, atualmente denominado de Hadash, que é composto por judeus e árabes. Há, também, os partidos árabes, que buscam representar os 20% da população composta por muçulmanos radicados em Israel. São eles o Balad e a Lista Árabe Unida. O primeiro, com posições de esquerda e o segundo com tendência social-democrata. Estes dois partidos possuem apenas 7 cadeiras no Knesset (Parlamento Israelense).
Os Naturei Karta, uma linha da ortodoxia judaica, afirmam que o Estado de Israel só será criado com a vinda do Messias, portanto sua grande maioria não apoiava o projeto sionista. Muitos religiosos deste campo mantêm até hoje esta posição, que se expressa através da contestação da legitimidade do Estado de Israel. Muitos vivem em Israel sem reconhecer suas instituições seculares, recusando-se a participar da vida política. Apesar disto, buscam influenciar no funcionamento das instituições sociais e políticas israelenses, tentando adequá-las aos ritos religiosos.
Uma questão importante para o equilíbrio social israelense é a demografia. Os dados disponíveis acerca da população atual de Israel, produzidos pelo Bureau Central de Estatísticas, mostram 7.1 milhões de habitantes em 2006. Deste total, judeus e outros (cristãos, não árabes e aqueles cuja religião não foi classificada) constituíam 80.1% e os árabes (muçulmanos, druzos e cristãos) 19,7%. (23) Tais proporções ainda definem Israel como um país com maioria da população constituída de judeus. Segundo o mesmo Bureau, o maior índice de crescimento da população judaica deu-se pela imigração, especialmente no período entre 1948 e 1951, e nos anos 90, quando se registrou maior fluxo de entrada de imigrantes no país. De acordo com a mesma fonte, entre 1948 e 1951 chegaram a Israel cerca de 688 mil e nos anos 90, em torno de 1 milhão de imigrantes, sendo estes predominantemente judeus. No entanto, entre a população árabe, o crescimento populacional é fruto apenas do crescimento vegetativo (diferença entre o total de nascimentos e mortes), e se encontra em forte aceleração:
População de Israel, 2006 (Final do ano)
Percentual de crescimento populacional (24)
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Total Judeus e Outros Árabes 1,8 1,6 2,6
Percentual de crescimento populacional (24)
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Total Judeus e Outros Árabes 1,8 1,6 2,6
Os números mostram que o crescimento vegetativo da população árabe é mais rápido do que o do segmento judaico e da população total. O fenômeno é decorrência de fatores econômicos e culturais, e, a médio e longo prazo, poderá gerar uma inversão do quadro populacional de Israel, levando os árabes a ser maioria, dentro de algumas décadas. O fato deverá criar um impasse para o Estado de Israel, pois uma nova maioria étnica poderá cobrar uma redefinição de suas bases culturais e políticas, a menos que esta redefinição política não tome como referência fatores religiosos, o que levaria Israel a demarcar as fronteiras entre as instituições políticas e as religiosas, transformando-se em um Estado totalmente laico. Do ponto de vista da demografia, a ocupação dos territórios palestinos e a conseqüente incorporação deste contingente populacional a Israel (no caso destes territórios não serem transformados no Estado Palestino) também é um fator que se choca com a concepção de um Estado judeu, pois incorpora grande número de palestinos à população de Israel, ampliando o peso da população não judia. Para os partidos conservadores a idéia de um Estado judeu não pode ser questionada, e será resguardada. Para fazer frente a esta “ameaça” não se opõem ao crescimento do número de assentamentos e garantem a permanência dos colonos na Cisjordânia, apesar de todos os acordos definirem sua retirada. Tais colonos são, em sua grande maioria, judeus ortodoxos, cuja taxa de natalidade é semelhante à das famílias palestinas. Desta forma estaria resguardada a característica de Estado judeu para Israel.
As práticas do governo israelense frente aos seus cidadãos têm sido diametralmente opostas às suas atitudes em relação aos palestinos que habitam os territórios ocupados, fato que aprofunda a divisão no seio da sociedade israelense. Os grupos de esquerda e de centro, seja por convicção ou por realpolitik, defendem a negociação e devolução dos territórios ocupados como a melhor solução para esta dicotomia, enquanto a direita prefere se entrincheirar, apostando no poderio militar e apoiando os judeus ortodoxos. Esta é uma questão que gera muitos atritos internos em Israel. A maioria laica serve ao exército e arca com altos impostos para manter o aparato militar, enquanto os ortodoxos só rezam, estudam os textos sagrados e geram filhos. Não servem ao exercito, mas demandam a proteção militar, uma vez que insistem em fixar residência na Cisjordânia – região que denominam de “Israel bíblico” – ocupando áreas pertencentes aos palestinos, constituindo fator de aprofundamento do conflito entre israelenses e palestinos.
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23 Números obtidos no portal The Central Bureau of Statistics. Disponível em http://www.cbs.gov.il/reader/?MIval=cw_usr_view_Folder&ID=141 Acesso em 27 de outubro de 2008.
24 Cf. Israel in figures. Publicado por The Central Bureau of Statistics. Disponível em http://www.cbs.gov.il/reader/?MIval=cw_usr_view_Folder&ID=141 Acesso em 27 de outubro de 2008.
O conflito também tem conseqüências para a economia israelense. Nas últimas décadas, Israel aderiu a quase todas as medidas que caracterizavam as políticas neo-liberais: privatização do setor financeiro e dos serviços, redução do papel do Estado como regulador da economia, câmbio flutuante, etc. Entretanto, há uma particularidade que distingue Israel dentre os países desenvolvidos: a manutenção de uma forte presença do Estado como provedor de itens ligados ao bem estar social: saúde e educação básica. Mas os gastos militares comprimem o orçamento, de forma a pressionar pela redução, ainda maior, da participação estatal da vida do cidadão israelense, motivo de questionamento por parte da sociedade israelense.
Embora ainda guarde resquícios de influência religiosa em suas instituições, a sociedade israelense é das mais secularizadas da região, o que a coloca mais próxima do padrão ocidental. Por outro lado, as instituições sociais nos chamados países árabes são profundamente permeadas pela religião, o que poderia identificar estes estados como sendo de tipo oriental. (25) Tais fatores são determinantes para que os cidadãos destes países árabes possuam baixa capacidade de intervenção no rumo das políticas públicas, assim como pressionar os governos quanto aos conflitos externos. Para os palestinos e os cidadãos dos países árabes, o antagonismo, apesar de definido como necessário frente à ameaça representada pelo Estado de Israel para os povos árabes, tem no fator religioso sua justificativa de maior peso, adquirindo caráter de guerra sagrada. Mas, mesmo que a sociedade israelense disponha de um grau maior de intervenção junto aos governantes, podendo redefinir os rumos do conflito, para o cidadão israelense o confronto com os palestinos e os países árabes é justificado a partir da idéia de que a segurança dos cidadãos só será alcançada e garantida com manu militari, isto é, através da coerção. Assim, temos duas sociedades extremamente motivadas pela manutenção do conflito, disposição que fortalece a cultura de guerra existente dos dois lados.
Com o fim da Guerra Fria e a globalização, a humanidade vem passando por uma forte crise de civilização, com o aprofundamento de alguns conflitos regionais antigos e surgimento de novos, agora adquirindo desdobramentos cada vez mais amplos. Um mundo cada vez mais complexo e interdependente, onde mudanças rápidas e surpreendentes ocorrem em todas as esferas e estão redefinindo a geopolítica, a economia, a sociedade, a cultura e a media. O mundo bipolar, centrado no poderio militar, tornou-se multipolar e interdependente, centrado no poderio econômico e no conhecimento tecno-científico. Contudo, isto não significa necessariamente um mundo de paz. Embora uma série de conflitos regionais, insuflados e polarizados durante a Guerra Fria, pouco a pouco apresentem saídas pela via diplomática, a questão do Oriente Médio perdura e outras tensões nacionais, outrora contidas pelos grandes blocos, afloram em toda a sua crueza. O tráfico internacional de armas, que ocupa o primeiro lugar na economia internacional, muda de caráter na medida em que ocorre uma maior difusão das armas nucleares e um verdadeiro contrabando de tecnologia nuclear, de difícil controle. Como exemplo, temos a posse de armas nucleares pela Ucrânia e Cazaquistão após a desintegração da ex-URSS. Mais graves, e ainda como consequência desta desintegração acompanhada de uma crise econômica e mudanças de prioridades, assiste-se à migração de cientistas nucleares para países periféricos, interessados em tais artefatos. Tais fatos merecem novas preocupações, pois os conflitos regionais podem levar a uma devastação sem precedentes. É segredo de polichinelo que Israel possui artefatos bélicos nucleares e que o Irã pode estar muito próximo ou já deter a tecnologia para este tipo de armamento. Assim, o conflito do Oriente Médio, que também expressa a disputa entre Irã e EUA pela hegemonia na região, ainda se caracteriza pelos vários momentos de enfrentamento entre os aliados dos dois lados, mas poderá assumir características mais amplas e graves, extrapolando o âmbito regional e deixando de ser um confronto com armas tradicionais.
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25 Tomamos como referência a concepção de Estado em Antônio Gramsci, que identifica como ocidental um Estado onde sociedade política e sociedade civil estão em relativo equilíbrio e como Estado de tipo oriental aquele no qual a sociedade civil - definida como gelatinosa ou primitiva - tem peso restrito, enquanto a sociedade política é tudo.
Neste novo mundo que se delineia, assistimos à terceira onda da democracia, concebida como valor universal da humanidade e associada a conceitos como direitos humanos e preservação ambiental com desenvolvimento sustentável. No limiar do século XXI, idéias como democracia, nação e soberania nacional devem ser reformuladas para compatibilizá-las com um mundo cada vez mais globalizado, em que as novas tecnologias permitem o exercício cada vez maior da cidadania e os problemas globais não podem mais ser confinados aos limites tradicionais dos territórios nacionais.
Enquanto a expansão do capitalismo com formação de megablocos engendra novas formas de organização de comunidades mais amplas é possível considerar uma soberania limitada. Mas, uma vez consolidadas as novas configurações econômicas e políticas, será preciso repensar questões como soberania e definições territoriais. No entanto, boa parte das democracias dos países em desenvolvimento ainda é muito frágil e pouco participativa, o que também se aplica à maior parte dos países orientais, cujas relações políticas se definem pela predominância do Estado sobre a sociedade civil, com todas as conseqüências econômicas resultantes deste modelo, especialmente uma profunda desigualdade social. Nestes países, onde as crises de todo tipo predominam, o apelo nacionalista ainda exerce papel de fazer convergir as revindicações dos diversos segmentos sociais.
É neste pano de fundo que a mundialização, a crise dos Estados nacionais e das instituições liberal-democráticas faz ressurgir um nacionalismo de caráter defensivo, regressivo e separatista. A acentuação das desigualdades entre as regiões do planeta – especialmente entre norte e sul - estimula as migrações e o choque cultural, que têm como contrapartida a ênfase no particularismo étnico, raiz do racismo e da xenofobia. Como postura defensiva, diante da “modernidade”, com seu individualismo massificante, e da generalização do capitalismo, surge o fundamentalismo religioso. Neste cenário, uma ação local deve levar em conta os efeitos globais e vice-versa, mas a política tradicional não está preparada para o cenário de incertezas e desafios, nos quais velhos e novos problemas convivem e misturam-se da mesma forma que os modos e meios para enfrentá-los, portanto, não contempla esse novo cenário.
Lutar pelo diálogo e pela paz no Oriente Médio é um imperativo contra a barbárie que pode atingir não só a região, mas a humanidade como um todo. Em primeiro lugar, é preciso derrotar todos os fundamentalismos que atuam na região, seja o palestino do Hamas ou os Goldstein e Ygal Amin. Se Goldstein é representante da extrema direita religiosa israelense que sonha com o Grande Israel bíblico, o caldo de cultura do Hamas e de Ygal Amin tem raízes comuns. No caso palestino, temos mais de um milhão de refugiados só na faixa de Gaza, já depauperados desde a perda de seus bens em 1948, que vivem praticamente sem água, sem trabalho e sem esperança, sob ocupação militar, submetidos a uma permanente humilhação. No caso dos judeus mizrakhim, ou orientais, tradicionais eleitores da direita israelense, todos os indicadores sociais, seja na educação, trabalho, desemprego ou renda, mostram que estão em grande inferioridade em relação aos ashkenazim. Tensões de classe e de origem combinam-se com as consequências da ocupação. (VIDAL, 1997:30) A cada vez que se vislumbra a possibilidade de avanço no diálogo, os fundamentalismos de ambas partes inviabilizam através de atentados ou iniciando mais um período de confronto aberto.
O conflito entre israelenses e palestinos tem servido, até hoje, para a perpetuação dos regimes autoritários da região e para mascarar uma aspiração democrática não só entre palestinos, mas de forma generalizada entre os árabes. Também foi instrumento para a manutenção dos índices de votação favoráveis aos partidos israelenses comprometidos com a solução bélica e com uma organização social e econômica voltada permanentemente para a defesa, comprometendo o orçamento com a aquisição de armamentos e itens de guerra, em lugar de investimentos sociais. Mas começam a aflorar as insatisfações geradas em Israel por uma sociedade cada vez mais desigual, com significativas parcelas de excluídos. Começam a ter voz os jovens palestinos altamente educados, que possuem aspirações democráticas e não compactuam com governos e lideranças autoritárias ou populistas. A OLP reconheceu o Estado de Israel, colocando-se como interlocutor para as negociações de paz, e sendo reconhecida oficialmente por Israel como representante do Estado Palestino. Até agora não houve, por parte do Hamas e de Israel, uma atitude semelhante, o que poderia abrir espaço para a paz na região. Mas o reconhecimento mútuo será a primeira condição para o entendimento. No curto prazo não há como pensar na proposta de Estado Binacional defendida pelos sionistas marxistas no início do século XX, mas, uma vez consolidados os dois Estados, democráticos, soberanos - Israel e o Estado palestino - poderemos pensar, no estreitamento dos laços culturais, sociais e políticos. Este processo poderia ter como uma de suas etapas iniciais a ampliação das trocas comerciais, através de acordos aduaneiros, tal como foi feito na Europa com a criação da Comunidade Econômica Européia, passo que criará condições para a eliminação das fronteiras políticas, num momento posterior. O importante será garantir paz e justiça social que são a maior aspiração de todos os povos.
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Periódicos
Jornal O Estado de São Paulo. Setembro de 2007
Revista Aventuras da História – Israel 60 Anos. São Paulo: Ed Abril, 2007..
Li tudo, inclusive notas de "pé de página".
ResponderExcluirSob o ponto de vista da pesquisa feita, é um excelente ementário da história judaica, inclusive abri um arquivo para o trabalho.
Agora sob o ponto de vista da análise política do que se apresenta hoje o trabalho não é nada conclusivo. Como se chegar a Paz? esta pergunta não é respondida.
Pessoalmente, acho muito difícil, pois a cada massacre o ódio do mundo árabe é mais ferrenho, pois é difícil se apagar a morte prematura de entes queridos, com a de crianças que estão em uma escola bombardeada.Isto é massacre.
Boa leitura, ainda que não proponha soluções. Ou por isso mesmo.
ResponderExcluirHouve uma omissão ao dizer que até agora apenas Arafat e a OLP demonstraram condições de avançar nas negociações pela paz, refiro-me ao nome de Ytzhak Rabin. Mas infelizmente sua posição foi solapada pelo cenário de poder da direita israelense bem analisado no texto.
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