quinta-feira, 12 de junho de 2014

ABC da Copa


Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 12/06/2014

 A Seleção é a pátria de chuteiras, como dizia Nelson Rodrigues, mas, pela primeira vez, o futebol perdeu o consenso nacional. Nem durante a ditadura militar isso ocorreu

Alegria, beleza, criatividade, diversidade e emoção   são ingredientes básicos dos eventos esportivos. Na era da globalização, graças ao marketing, agregam valor às marcas, lideram o consumo de massas e garantem conteúdo audiovisual barato para a mídia, que é financiada pela venda de produtos e serviços associados diretamente à prática esportiva ou ao esporte como entretenimento. Essa indústria vende diversão e lazer, alimentos, bebidas, crédito, equipamentos, vestuário, serviços turísticos e tudo o mais que possa estar associado às multidões envolvidas. É uma fórmula mágica, na qual a Copa do Mundo de Futebol desponta como o maior e mais bem-sucedido evento mundial.

Uma vez em operação, essa engrenagem funciona como um rolo compressor, capaz de esmagar todos os obstáculos à sua frente, como aconteceu com o movimento “Não vai ter Copa”, iniciado durante a realização da Copa das Confederações, paralelamente aos protestos contra aumento das tarifas de transporte público que resultaram nas grandes manifestações populares do ano passado. As exigências e pressões da Fifa  para que as arenas e a organização do evento obedecessem aos padrões internacionais acabaram virando um mote para as exigências dos cidadãos em relação à qualidade dos serviços públicos.  A entidade lucrará R$ 10 bilhões com o evento, mas o governo brasileiro passou por grandes constrangimentos. 

Manus militari

 Devido aos protestos, o jeito foi acionar a mão pesada do Estado para garantir a realização dos jogos e a segurança dos torcedores, principalmente estrangeiros, com a mobilização de tropas do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. A presidente Dilma Rousseff garantiu manus militari à realização dos jogos. A Seleção é a pátria de chuteiras, como dizia Nelson Rodrigues, mas, pela primeira vez, o futebol perdeu o consenso nacional. Nem durante a ditadura militar isso ocorreu.

Dilma foi à televisão e ao rádio criticar os “pessimistas”. Eles são 63% dos paulistas, os anfitriões do jogo de abertura da Copa. Resultado: não quer aparecer no telão, não quer fazer discurso na abertura dos jogos, não quer sequer ser citada na cerimônia que reunirá chefes de estados e autoridades esportivas para assistir o Brasil jogar contra a Croácia. É uma situação no mínimo estranha. Por que será?

Ora, num momento em que o país apresenta baixo crescimento e inflação em alta, um estudo da Consultoria Legislativa do Senado Federal mostrou que estamos realizando a Copa do Mundo mais cara de todos os tempos. Os campeonatos no Japão e na Coreia (2002), na Alemanha (2006) e na África do Sul (2010) consumiram, juntos, US$ 30 bilhões, de um total de US$ 75 bilhões desde o primeiro evento do tipo. No Brasil, os gastos com as obras somam aproximadamente US$ 40 bilhões. “Além de servir ao futebol, serão estádios multiúso. Vão funcionar também como centros comerciais, de negócios e de lazer, e palcos de shows e festas populares”, justificou a presidente Dilma Rousseff em seu pronunciamento. Será?

Os 12 estádios da Copa do Mundo de 2014 custaram 42% a mais do que o previsto em seus projetos iniciais. O valor total dos estádios subiu dos R$ 5,97 bilhões para R$ 8,48 bilhões de reais. O custo do Beira-Rio cresceu 169% entre o projeto em 2010 e a inauguração, em 2014. O Mané Garrincha, mais caro estádio da Copa de 2014, considerando o valor por assento, aumentou 87,8%. O único estádio que teve o custo final mais baixo do que o previsto foi o Castelão, no Ceará. O senso comum da população é de que esses gastos não eram prioritários. Como não foi consultada pelo governo, quando o Brasil pleiteou a sede do evento, não se pode exigir da maioria da população que concorde com essa decisão.

É lógico que nada disso impede os “pessimistas” de torcerem pelo sucesso da Seleção como os demais torcedores, nem de ir aos jogos; a vantagem de assisti-los aqui no Brasil é reservada a uma elite, não muda o cenário para a maioria da população, que acompanhará o evento pela televisão. “Construímos, ampliamos ou reformamos aeroportos, portos, avenidas, viadutos, pontes, vias de trânsito rápido e avançados sistemas de transporte público. Fizemos isso, em primeiro lugar, para os brasileiros. Tenho repetido que os aeroportos, os metrôs, os BRTs e os estádios não voltarão na mala dos turistas. Ficarão aqui, beneficiando a todos nós”, contra-argumenta a presidente Dilma Rousseff.

Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, diria um espírito de porco. Tudo isso deveria ser feito independentemente da Copa do Mundo. Agora, porém, é hora de torcer pela Seleção e deixar o assunto pra depois. Ou seja, para as eleições.

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