Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense: 23/04/2014
Ao segurar os reajustes da gasolina e do diesel e ao derrubar as tarifas
de energia por decreto, o Brasil está flertando com soluções que
poderão provocar um ajuste brutal de preços logo após as eleições
Um dos mais criativos economistas brasileiros foi Ignácio de Mourão
Rangel, que encabeça o panteão dos nossos desenvolvimentistas ao lado de
Celso Furtado. É dele um dos principais alertas de que o velho modelo
de substituição das importações estava esgotado e de que um novo ciclo
de crescimento dependeria de um robusto programa de concessões de
serviços, ou seja, de privatizações. Fez isso logo após a crise do
petróleo da década de 1970 — que pegou o então presidente Ernesto Geisel
de calças curtas e levou ao fracasso o II Plano Nacional de
Desenvolvimento (PND). Rangel concluiu, à época, que o Estado brasileiro
já não tinha condições de investir em infraestrutura para ingressar
num novo ciclo de modernização.
Polêmico e ousado, aos 76 anos,
citando Erasmo e seu “Elogio à loucura”, em 1990, Rangel resolveu fazer
um elogio à inflação, eterno objeto de seus estudos sobre economia
brasileira. Segundo ele, a partir da Revolução de 1930, a inflação em
diversos momentos impediu que a economia deslizasse para o fundo do poço
da recessão e permitiu que amadurecessem as mudanças institucionais
necessárias aos investimentos não especulativos, viabilizando a
industrialização do país. Na época, lutava-se para sair da
hiperinflação. No governo de Fernando Henrique Cardoso, o Brasil fez as
privatizações, até hoje contestadas pelo PT, mas o Plano Real optou por
combater radicalmente a inflação e estabilizar a moeda com o famoso
tripé câmbio flutuante, superávit fiscal e meta de inflação.
Está voltando
Desde
então, manter a inflação sob controle foi a regra de ouro da política
econômica. Até que a presidente Dilma Rousseff exumou as lições de
Rangel. Conforme destacou o repórter Deco Bancillon, ontem, no Correio,
desde o início de 2011, quando a presidente tomou posse, o Índice de
Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a carestia oficial no país,
avançou 22%. Ou seja, em média, a cada ano, a inflação engoliu 6% da
renda da população. A nossa carestia só não foi maior do que a da
Venezuela, Argentina e Uruguai, que combatem a inflação com
congelamentos de preços.
Ao segurar os reajustes da gasolina e
do diesel e ao derrubar as tarifas de energia por decreto, o Brasil está
flertando com soluções que poderão provocar um ajuste brutal de preços
logo após as eleições. O governo não admite esse estratagema, que seria
um estelionato eleitoral. Dilma diz que isso é terrorismo da oposição,
porém, economistas ligados ao Palácio do Planalto, como Luiz Gonzaga
Belluzzo, começam a admitir que a coisa está ficando feia. Há quatro
anos, o custo de vida sobe muito acima do centro da meta perseguida pelo
BC, de 4,5%. Em 2014, a estimativa da instituição é de que os preços
ultrapassem os 6%. Pelos cálculos do mercado, o IPCA romperá o teto da
meta, de 6,5%, entre maio e junho próximos, e encerrará o ano em 6,47% —
a maior taxa desde 2011.
Apostas eleitorais
Ao
estimular o consumo, Dilma Rousseff manteve satisfatório nível de
emprego e elevou o poder de compra da população, o que lhe rende votos.
Mas, se perder o controle sobre a inflação, corre riscos eleitorais que
já se traduzem na queda de aprovação de seu governo e do seu modo de
governar nas pesquisas. Além disso, o aumento da taxa de juros, que já
está em 11%, já diminuiu o poder de compra, mas não conseguiu segurar a
inflação de alimentos. Na verdade, a vida anda mais difícil para a nova e
a velha classes médias.
O Palácio do Planalto não tem controle
sobre variáveis externas que podem fazer a inflação disparar, por
exemplo, a evolução da taxa de juros americana e os preços das
commodities. E ainda há riscos internos, que estão no terreno das
especulações da oposição, como a ameaça de racionamento de energia e um
eventual fiasco na Copa Mundo. O maior problema, porém, talvez seja a
maldição de Ignácio Rangel, para quem a nossa inflação se exacerba, não
nos períodos de prosperidade, mas quando não há crescimento porque o
governo não fez a sua parte.
Para refletir mesmo.
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