segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Dilma entre dois mundos


Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 27/01/2014

Nossa política externa está descolada da conjuntura mundial. Perdeu o consenso interno até mesmo no Itamaraty e, também, o protagonismo político que já foi exercido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
 

 A agenda de viagem da presidente Dilma Rousseff parece ter sido montada para dar uma no cravo e outra na ferradura. Depois do encontro com a nata do business em Davos, na Suíça, onde discursou para investidores estrangeiros, fez uma escala gastronômica em Lisboa e rumou a Havana, em Cuba. Na volta ao Brasil, ainda fará outra escala política em Caracas, na Venezuela. Reflete uma certa esquizofrenia da nossa política externa, diante do novo rumo da economia mundial, no qual os Estados Unidos lideram a recuperação dos países desenvolvidos, inclusive Europa e Japão; e as economias emergentes estão em desaceleração, como a Rússia e a Índia, com a China.

Tudo isso tem a ver com o discurso de Dilma Rousseff em Davos, na reunião que havia esnobado nos anos anteriores de seu governo. Foi uma espécie de “carta aos estrangeiros” às vésperas da campanha de reeleição, num esforço para ser mais confiável aos investidores internacionais. As trapalhadas do governo na política de concessões do setor de infraestrutura, que patinou três anos; as maquiagens nas contas públicas, que perderam credibilidade; e os números da economia quanto à balança comercial, à inflação e à alta carga tributária, fatores endógenos, afugentaram os investidores estrangeiros.
 

Isso ocorre no momento em que Estados Unidos, Europa e Japão voltam a oferecer boas oportunidades de negócio. A recepção ao discurso de Dilma em Davos foi positiva, mas o que vai garantir melhor desempenho da economia brasileira não são palavras ao vento. São mais produtividade e mais investimentos, inclusive do governo, que também precisa reduzir a carga tributária, trazer a inflação de volta para a meta de 4,5% e controlar melhor os gastos públicos.


É aí que a viagem de Dilma Rousseff a Cuba e à Venezuela parece esquizofrênica. Os dois países enfrentam grandes dificuldades econômicas por conta dos respectivos modelos políticos. Cuba não consegue se livrar do envelhecido “socialismo real” adotado à imagem e semelhança dos soviéticos, com reformas econômicas que são apenas cosméticas; a Venezuela é prisioneira de um nacional-desenvolvimentismo anacrônico e plutocrático, autodenominado de socialismo bolivariano. É pouco provável que a presidente do Brasil vá aos dois países para reafirmar o que andou falando em Davos. Os encontros com Raúl Castro, quiçá seu irmão Fidel, e Nicolas Maduro terão outro significado: sinalizar à esquerda latino-americana que o rumo do Brasil na política mundial não sofrerá mudança de curso.
 

Ocorre, porém, que nossa política externa está descolada da conjuntura mundial. Perdeu o consenso interno até mesmo no Itamaraty e, também, o protagonismo político que já foi exercido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mesmo considerando-se a eleição do embaixador Roberto Azevedo para a Secretaria-Geral da Organização Mundial do Comércio, que contou com o empenho pessoal de Dilma, e a recente aprovação pela ONU de medidas para conter a espionagem eletrônica norte-americana, bem-sucedida articulação de Dilma e da chanceler alemã, Angela Merkel.
 

O Brasil rema contra a maré. É uma opção política e ideológica do Palácio do Planalto, que precisa, porém, de lastro na economia para ser sustentável. A China comunista hoje é a nossa principal parceira comercial, no lugar dos Estados Unidos, mas à custa do sacrifício do nosso parque industrial. Vale a pena? Os chineses são mais pragmáticos. O principal parceiro comercial deles continua sendo os norte-americanos.


Copa e rolezinho
 

 A manifestação de sábado na capital paulista, contra a realização da Copa do Mundo no Brasil, que reuniu cerca de mil pessoas, foi uma espécie de amostra grátis do que pode ocorrer durante o torneio da Fifa, que começa em junho. Houve muita depredação na região central de São Paulo. Após a dispersão do protesto, um pequeno grupo depredou um carro da Guarda Civil. Um fusca pegou fogo ao passar por cima de um colchão incendiado, e a família que estava dentro do veículo foi socorrida por fotógrafos. Um manifestante que resistiu à prisão foi baleado por um policial militar e 127 pessoas foram presas. 

O que isso teve a ver com os rolezinhos dos jovens da periferia? Nada, é outra coisa. O protesto foi convocado pelas redes sociais e reuniu black blocs, movimentos sociais e partidos políticos de esquerda radical. Ocorreu em São Paulo e, em menor escala, em mais 11 capitais. Nada impede que adotem o rolezinho como forma de luta e comecem uma espécie de preparação para a Copa do Mundo.

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