sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Uma crise anunciada

Quem acompanha as conversas no cafezinho da Câmara sabe que José Genoino dificilmente será cassado. É o chamado "efeito Orloff": eu sou você amanhã

Notificada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as prisões decretadas na Ação Penal 470, o julgamento do mensalão, a Mesa Diretora da Câmara tentou iniciar ontem o processo de cassação do deputado federal José Genoino (PT-SP), único parlamentar dos condenados na Ação Penal 470 cuja sentença transitou em julgado. Mas o processo não andou porque parlamentares petistas pediram vista, adiando a decisão. Genoino estava preso na Penitenciária da Papuda, em Brasília, e, ontem, ganhou o direito de cumprir pena no hospital ou em casa, provisoriamente, devido ao seu estado de saúde. De acordo com a decisão do STF, o ex-presidente do PT deve perder o mandato automaticamente por ter sido condenado, mas o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), determinou que o processo siga a mesma tramitação ocorrida no caso do deputado Natan Donadon (sem-partido-RO).

Como se sabe, após o Supremo ter condenado Donadon a 13 anos de prisão por peculato e formação de quadrilha, o plenário da Câmara, em votação secreta, absolveu o deputado no processo de cassação de mandato. Foram 233 votos favoráveis ao parlamentar, 131 votos contrários e 41 abstenções. Ele também está preso na Papuda. A decisão trouxe grande desgaste para a Câmara e seu presidente, mas era parte de uma estratégia que visava a criar um precedente em relação aos condenados da Ação Penal 470 que ainda exercem mandato: além de Genoino, os deputados Pedro Henry (PP-GO), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e João Paulo Cunha (PT-SP).

 O deputado federal Natan Donadon foi condenado em definitivo pelo STF a partir de atos ilícitos que praticara quando exercera a função de diretor financeiro da Assembleia Legislativa de Rondônia. Há meses cumpre pena privativa de liberdade no Presídio da Papuda, em Brasília, mas continua com o mandato. Transitada em julgada, sua condenação implicaria na cassação, nos termos do artigo 55º, inciso VI, da Constituição Federal, mas não perdeu o mandato porque a votação foi secreta. Houve manobra nos bastidores da sessão para criar um impasse entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal quanto à questão dos mandatos. Na verdade, a intensa mobilização para levar o caso Donadon a plenário, e não decidi-lo no âmbito da Mesa Diretora, nada teve a ver com o desejo de salvá-lo. Deputado do chamado baixo clero, Donadon nunca foi prestigiado entre os cardeais da Câmara. Tratava-se de criar o paradigma para lidar com os deputados condenados pelo Supremo no processo do mensalão.

Quem acompanha as conversas no cafezinho da Câmara sabe que José Genoino, que se licenciou do mandato para tratar da saúde e que pleiteia a aposentadoria por invalidez (um direito adquirido graças às contribuições para o instituto de previdência dos parlamentares), sabe que o petista dificilmente será cassado. Genoino é querido pelos colegas e sempre teve atuação destacada. Quando houve as cassações por falta de ética do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e do ex-presidente do PTB Roberto Jefferson, também condenados na Ação Penal 470, a situação era muito diferente. O PT e o PMDB viviam às turras, a oposição tinha mais força em plenário e o país ainda estava sob o impacto do relatório da CPI dos Correios. Além disso, os dois eram considerados arrogantes pelos colegas. Tanto era assim que o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), ex-presidente da Casa, escapou da cassação sem renunciar ao mandato. Foi salvo pelos próprios colegas. À época, Genoino estava sem mandato.

Por tudo isso, a próxima semana promete fortes emoções no Congresso. O Senado já aprovou uma lei que determina a cassação automática de mandato dos parlamentares condenados criminalmente, mas isso ainda depende do referendo da Câmara. Por sua vez, os deputados aguardam a aprovação do fim do voto secreto no Congresso pelos senadores. Esse jogo de empurra deveria ter se resolvido nesta semana, mas ficou para a próxima. Nada garante que termine. Por isso mesmo, caso se confirme a votação do pedido de cassação de Genoino, em escrutínio secreto, provavelmente o desfecho da votação será igual ao do caso Donadon. Ou seja, o petista não será cassado. Para muitos parlamentares, que respondem a processos na Justiça, o caso Genoino teria o chamado "efeito Orloff": eu sou você amanhã.

O discurso do PT e de seus aliados no mundo jurídico, no sentido de desqualificar a Ação Penal 470 como um julgamento justo, estigmatizar o presidente do STF, Joaquim Barbosa, como magistrado que atropela a boa norma jurídica e de tratar os condenados do mensalão como presos políticos — e não como políticos que foram presos por crimes comuns — faz parte de uma estratégia para preservar os mandatos de Genoino e de João Paulo e desmoralizar as decisões da Corte Suprema quanto ao mensalão. No Estado Democrático de Direito, quem faz as leis não interpreta as leis. Por isso, estamos na iminência de um impasse institucional entre o Legislativo e o Judiciário, que passarão a ser Poderes independentes e desarmônicos, com a ajuda do presidente do STF, Joaquim Barbosa, que pesou a mão ao mandar Genoino para a cadeia sem considerar a saúde frágil dele.

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