Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 21/10/2013
Nosso país tem um ranço golpista e autoritário, que não é monopólio
dos militares. Pelo contrário, está impregnado na nossa cultura
política, à direita e à esquerda
O que fazer diante do desgaste e da desmoralização, perante a opinião
pública, do Congresso, dos partidos e seus políticos, pilares do Estado
democrático de direito? Eis uma pergunta que as elites do país,
responsáveis pelo status quo, deveriam estar se fazendo. A sobrevivência
de velhas práticas, como o patrimonialismo e o fisiologismo; o
transformismo dos partidos e o cretinismo parlamentar; a desmoralização
de instituições democráticas; as demonstrações de autoritarismo e de
ostentação de autoridades eleitas ou nomeadas; tudo isso leva à
descrença e à desesperança em relação à política como meio de solução
negociada dos impasses e de superação de dificuldades e problemas
seculares da nossa sociedade.
O atual ambiente de plenas liberdades e garantias individuais é o mais
longevo da República. Nunca antes, no Brasil, o habeas corpus ficou
tanto tempo sem ser suspenso por um estado de sítio. A democracia no
Brasil não é trivial, secular. A sua consolidação é recente e depende de
um esforço permanente das forças democráticas. A Constituição
brasileira só tem 25 anos, porém, já tem 75 emendas promulgadas pelo
Congresso. Recentemente, a presidente Dilma Rousseff chegou a propor uma
plebiscito para realizar uma reforma política. Nosso país tem um ranço
golpista e autoritário que não é monopólio dos militares. Pelo
contrário, está impregnado na nossa cultura, à direita e à esquerda.
Desde as justas manifestações de descontentamento social que eclodiram a
partir de junho, velhas concepções anarquistas, de um lado, e
fascistas, de outro, ressurgem sob várias formas. Por exemplo, uns veem o
habeas corpus como obstáculo à garantia da ordem; outros o utilizam
para continuar praticando atos de violência e vandalismo, impunemente.
Quem corre risco é o cidadão que luta por seus direitos pacífica e
democraticamente. São lamentáveis os atos de violência de jovens
manifestantes mascarados, assim como as prisões arbitrárias e a
desproporcional truculência policial.
Há grande inquietação dos jovens brasileiros — já são 50 milhões — em
relação ao presente e ao futuro. Esse é o motor dos protestos. A maioria
deles não sabe o que é viver sob um regime ditatorial. Muitos acreditam
que não existe democracia no Brasil, que a violência é válida na luta
contra o que julgam estar errado, que as mudanças só ocorrerão na marra.
É um equívoco, ainda mais num país que, bem ou mal, tem eleições a cada
dois anos, livres de fraudes eleitorais, que amadurece sua experiência
democrática.
Historicamente, em regimes democráticos, essa lógica só levou os jovens à
aventura e ao desespero político. Um ambiente de revolta e frustração
dos jovens, com violência e desordem, é terreno fértil para o surgimento
de organizações extremistas. Por sua vez, a repressão política, uma vez
que se baseia na força e não na persuasão, sempre descamba para o
arbítrio policial. E faz ressurgir das cinzas velhas propostas para
restringir as liberdades, violar direitos e garantias individuais e
aumentar as punições em razão das desordens públicas. É o caldo de
cultura àqueles que pregam o retrocesso institucional para acabar com a
bagunça e restabelecer a ordem. É um erro pensar que só os governos
conservadores e de direita adotam tais práticas. Governos populistas e
de esquerda também o fazem em conjunturas conturbadas.
Não estamos diante de conflitos e problemas triviais. O mundo vive um
choque entre duas civilizações atropeladas pelas mudanças tecnológicas.
Com a globalização, a economia do carbono e o atual padrão de consumo
colocam em xeque o modo de vida atual. Cientistas e governantes buscam
respostas para esses problemas, mas não são capazes de construir
consensos mundiais.
As contradições da nossa sociedade — globalizada, dependente e desigual —
são complexas, profundas. Dependem de soluções que demandam vontade
política focada no bem comum e não apenas nos grandes negócios. Exigem
também avanços na ciência e novas alternativas econômicas. A saturação
de nossas cidades pelo atual modelo macroeconômico leva ao colapso
projetos administrativos aparentemente modernos, mas sem
sustentabilidade no cotidiano dos cidadãos. O fracasso das políticas
públicas — na saúde, na educação, na cultura, nos transportes e na
segurança pública — provoca nos jovens a sensação de que a democracia
serve apenas aos poderosos, quando é uma notável conquista popular. Esse
entendimento errôneo só será superado com políticas públicas mais
eficazes e a renovação das instituições políticas. É precioso mostrar
aos jovens que a garantia de transformações duradouras e justas é o
fortalecimento do Estado de direito democrático e não o seu desgaste.
Bons dias!
Estou de volta à Entrelinhas, com análises, comentários e informações
políticas. Nos encontraremos nesse espaço todas as segundas, quartas e
sextas-feiras.
Fonte: Correio Braziliense
Excelente artigo , Azedo.
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