Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo |
Correio Braziliense - 30/10/2013 |
O
ex-presidente aproveitou a tribuna da Câmara para fazer uma
retrospectiva do petismo. E deu a senha do que será o eixo de campanha à
reeleição da presidente Dilma Rousseff: o "mais do mesmo"
O
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva brilhou ontem no Congresso,
onde criticou a imprensa por supostamente “avacalhar” a política. Muito
assediado por políticos, funcionários e lobistas, paparicou o seu mais
fiel aliado, o ex-presidente do Senado José Sarney (PM DB-AP), que
comparou a Ulissses Guimarães; almoçou no gabinete do líder do PTB na
Casa, senador Gim Argelo (PTB-DF, em companhia do ex-governador Blairo
Maggi; e depois foi para a Câmara dos Deputados, onde foi condecorado
pelo presidente Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) com a medalha da
Suprema Distinção, com a qual só o ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso havia sido agraciado até hoje. Lá, em discurso previamente
elaborado, disse a que veio: cobrou dos aliados a realização de uma
reforma política como forma de restaurar a vitalidade do Congresso.
Financiamento público de campanhas, fortalecimento dos partidos, a fidelidade partidária, diminuição do número de legendas e meios mais simples para apresentação de projetos de iniciativa popular — essa é a receita de Lula para restabelecer a representatividade dos partidos. “Reforma política é a que mais precisamos neste momento. É tempo de conversar com a sociedade, mudar o que tem de ser mudado e fazer política de cabeça erguida (…) Isso significa requalificar os partidos, reduzir a força do poder econômico nas eleições e ampliar as formas de participação da sociedade no processo legislativo”, completou. O PT tenta emplacar essas propostas no Congresso, sem sucesso até agora. Lula aproveitou a tribuna da Câmara para fazer uma retrospectiva do petismo. E deu a senha do que será o eixo de campanha à reeleição da presidente Dilma Rousseff: o “mais do mesmo”, com geração de empregos, transferência de renda e crédito farto para a retomada do crescimento. Trocando em miúdos, o atual governo é uma continuidade de seus dois mandatos. Esse é o cacife eleitoral da petista. Lula avalia que a população quer “um pouco mais de Estado”, ou seja, mais intervenção do governo na economia. Na sua linguagem peculiar, defendeu a elevação do padrão de consumo da população mais pobre: “o povo aprendeu a comer contrafilé e não quer voltar a comer acém. Ele quer comer filé”. O petista não economizou números em defesa do seu legado: saída de 36 milhões de pessoas da extrema pobreza; a criação de 20 milhões de empregos formais e de mais de 4 milhões de novas empresas; aumento real de 74% do salário mínimo; ascensão de 40 milhões para a classe média. A educação? Vai bem, obrigado: “Este país já foi governado por muita gente letrada. Mas foi um presidente sem diploma e um vice sem diploma que vão entrar para História como a dupla que mais fez escolas neste país”. Com habilidade, porém, Lula jogou no colo dos aliados um assunto do qual manteve distância quando exercia a presidência: “A reforma política enfrenta resistências, mas não vejo outra maneira de se exercer a política de forma nobre”. Questões como a má qualidade do ensino, o excesso de regulamentação, o sucateamento dos hospitais, a elevada carga tributária e os gargalos na infraestrutura do país (aeroportos, estradas, ferrovias, portos e telecomunicações), a agenda para melhorar a produtividade, ficaram ao largo do seu discurso de Lula. Esses foram pontos fracos de seu governo, tão criticados pela oposição e pela mídia que tanto “avacalha” a política. Miscelânea Black Bloc — Finalmente caiu a ficha de que o governo federal não pode ficar de braços cruzados diante da violência de mascarados em praticamente todas as manifestações que ocorrem no país. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, se reúne hoje com os secretários de segurança do Rio de Janeiro e de São Paulo para discutir uma estratégia em relação ao grupo, que ganha adesão de adolescentes e jovens rebeldes. Mamãe Noel — A presidente Dilma Rousseff planeja aumentar de 12 milhões para 25 milhões o número de trabalhadores beneficiados pelos vales alimentação e refeição. Como? Vai incluir no programa as pequenas e médias empresas que pagam imposto de renda pelo lucro presumido, cujos funcionários não têm direito ao benefício. Espionagem — Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, o senador Ricardo Ferraço já alinhava seu relatório na CPI da Espionagem. Dentre as medidas, proporá a criação de uma Agência Civil de Defesa Cibernética. |
quarta-feira, 30 de outubro de 2013
Lula defende seu legado
segunda-feira, 28 de outubro de 2013
O ovo de Colombo
Nas entrelinhas: Luiz Carlos Azedo |
Correio Braziliense - 28/10/2013 |
O que está em jogo é o futuro de 50
milhões de jovens. Pelas próximas duas ou até três décadas, formarão o
maior contingente de mão-de-obra lançado ao mercado de trabalho da
nossa história. A "focalização" dos gastos sociais nos mais pobres é o ovo de Colombo da Era Lula. Política de origem social-liberal, foi adotada para contrabalançar o ajuste fiscal nas políticas públicas universalistas, ou seja, na educação, na saúde, nos transportes, nas moradias e na segurança pública, que estão subinvestidas desde o Plano Real. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pôs o ovo em pé no primeiro mandato, ao determinar que o Bolsa Família fosse distribuído para 13,8 milhões de lares, ou seja, mais de 50 milhões de pessoas. Com isso, o imponderável nas eleições presidenciais — o voto de milhões de excluídos, que levou o então candidato Fernando Collor de Mello ao poder em 1989 e elegeu Lula em 2002 — deixou de ser um lastro móvel no processo eleitoral. Tornou-se a base mais estável do governo, que garante o favoritismo da presidente Dilma Rousseff nas eleições de 2014 e projeta a permanência do PT no poder. A injeção de recursos do Bolsa Família no orçamento doméstico, as aposentadorias rurais e a elevação do salário mínimo reduziram as desigualdades sociais no Brasil e ampliaram o mercado interno. O esperneio de setores da oposição contra o assistencialismo é inútil. Esses programas estão hoje entre as coisas "imexíveis" do país, principalmente do ponto de vista eleitoral. Haja vista, por exemplo, a confusão criada pela Caixa Econômica quando antecipou a data de depósito dos recursos do Bolsa Família, fato que provocou uma onda de boatos de que o programa estava sendo extinto. As prioridades, porém, mudam na medida em que vão sendo atendidas. A última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada pelo IBGE, mostrou que as desigualdades no país já não estão sendo reduzidas pelos programas de transferência de renda como se pretendia. Para prosseguir no combate à pobreza e melhorar a qualidade de vida da população, as políticas universalistas de educação, saúde e transportes estão na ordem do dia. Desde junho, são objeto de protestos diários por todo o país, que sempre terminam com cenas de violência. Uma parcela significativa da população não está nada satisfeita com as atuais condições de vida, os mais revoltados perdem a cabeça. Na verdade, o que está em jogo é o futuro de 50 milhões de jovens. Pelas próximas duas ou três décadas, formarão o maior contingente de mão de obra lançado ao mercado de trabalho da nossa história. Para esses jovens, principalmente os mais pobres, o Bolsa Família já deu o que tinha que dar. Eles não querem viver como seus pais. Querem educação de qualidade e bons empregos. No Brasil, apenas 11% da população de 25 a 34 anos têm ensino superior completo, enquanto no Canadá, chegam a 56%, e nos EUA, 40%. O México tem 20%. E eles querem mais: transporte barato (ou de graça) e eficiente, assistência à saúde para suas famílias, moradias dignas. Além de segurança para sair de casa. Essa agenda precisa sair do papel, mas o cobertor é curto para atendê-la. Com a economia travada, sua execução ficará para o próximo governo. Ovo de Colombo não resolve isso. Maurício Azêdo Não sei nem o que dizer... A morte de meu tio Oscar Maurício de Lima Azêdo, presidente da ABI, deixou um vácuo de liderança política no jornalismo brasileiro. Ele foi um campeão das lutas pela liberdade de imprensa e pelo direito de expressão. Pôs a entidade acima das paixões partidárias e dos interesses corporativos. Sua trajetória profissional e política, pela qual foi muito perseguido durante o regime militar, explica o papel que exercia na entidade. |
As mosqueteiras do Planalto
Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 25/10/2013 |
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que já foi articulador político
do governo Lula, foi um dos principais artífices da aprovação do
programa Mais Médicos pelo Congresso, sancionado na terça-feira, mas
acabou desautorizado pela presidente Dilma Rousseff. Fez um acordo para a
aprovação do programa e o dispositivo acabou vetado. “A Ideli e a
Gleisi é que fecham os acordos, elas não aprovam nada sem antes
consultar diretamente a presidente Dilma Rousseff”, explica o líder do
PSD na Câmara, Eduardo Francisco Sciarra (PR), que hoje comanda uma
bancada de 42 deputados. Segundo ele, não adianta nenhum ministro forçar
a barra, “elas só batem o martelo depois de consultar a presidente da
República.”
Além de desautorizado por Dilma, Padilha apanha da oposição no Congresso. Foi para o pelourinho porque não pode sequer assumir que fez o acordo e levou um puxão de orelhas. Pelo contrário, é obrigado a tergiversar sobre o assunto. A emenda da oposição condicionava a permanência dos médicos contratados na segunda fase do Mais Médicos à criação de uma carreira específica, como reivindicam as entidades da categoria. O líder do PSDB, Carlos Sampaio (SP), apoiou a aprovação do programa por causa da emenda. Agora, acusa Padilha de romper o acordo. A situação de Padilha não é nova na Esplanada, praticamente todos o ministério já passou pela mesma situação. A ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, e a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, são tratadas pela maioria dos políticos do Congresso como duas Genis. O mínimo que dizem a respeito delas — inclusive parcela da bancada do PT — é que não têm competência para os cargos que ocupam. As duas, porém, são uma espécie de mosqueteiras da rainha, sobrevivem nos respectivos cargos desde a posse de Dilma, apesar da forte oposição instalada na própria base do governo. Quem tromba com elas acaba se dando mal, como aconteceu com o ex-líder do governo na Câmara Cândido Vaccarezza (PT-SP). Na verdade, o nome da muralha é Dilma Rousseff. Outra mosqueteira é a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, que monitora a execução do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e negocia a aprovação do Orçamento da União com o Congresso. O relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), deputado Danilo Forte (PMDB-CE), aprovou ontem seu relatório na comissão mista do Congresso, já prevendo a nova redação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Orçamento Impositivo, que torna as emendas parlamentares de execução obrigatória. Só fechou o texto depois de semanas de negociação com a ministra. Acabou limitando as emendas dos deputados e senadores a irrisórios 1,2% da receita corrente líquida (RCL) do ano prevista na proposta orçamentária, sendo que metade será destinada obrigatoriamente para “ações e serviços públicos de saúde”, conceito que abrange o Sistema Único de Saúde (SUS). Foram derrubados 1.081 destaques, sendo 82 do senador Walter Pinheiro (BA), estrela petista na Casa, que recebeu orientação da ministra para retirá-los. Para alegria dos desafetos, Gleisi e Ideli devem deixar a Esplanada para concorrer às eleições, mas ninguém se surpreendará se Miriam Belchior acabar deslocada para a Casa Civil, cujo funcionamento conhece muito bem. Miscelânea O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung (PMDB) para uma conversa em São Paulo, na semana passada, e disse-lhe que, segundo as pesquisas internas do PT, ele seria o favorito ao governo capixaba — do qual o PMDB acaba de desembarcar. A proposta de Lula é que Hartung seja candidato ao Palácio Anchieta contra o governador Renato Casagrande (PSB), abrindo a vaga do Senado para o ex-prefeito de Vitória João Coser (PT). O vice-presidente da República, Michel Temer, que tratou do assunto no seu encontro com Lula, já trabalha para remover da disputa o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES). Em tempo: o Ibope divulgado ontem foi de tirar a oposição do rumo: quem apostou no desgaste de Dilma com o leilão do poço de petróleo de Libra(pré-sal), perdeu. Resumo da ópera: Dilma tem 41%; Aécio, 14%; e Campos, 10%. Marina, no lugar de Campos, teria 21%; Dilma, 39% e Aécio, 13%. Com Serra no lugar do Aécio, Dilma teria 40%; o tucano, 18%; e Campos, 10%. Conclusão: risco de segundo turno somente com Marina Silva (21%) e José Serra (16%). O Ibope esteve uma semana na rua, em 143 cidades, até ontem. » Assino a coluna Nas Entrelinhas às segundas, às quartas e às sextas-feiras. |
quarta-feira, 23 de outubro de 2013
Dilma, o petróleo e as oposições
Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 23/10/2013
Todas as críticas foram respondidas por Dilma, em tom de campanha eleitoral. Bem feito para quem apostou no quanto pior, melhor
Verdade seja dita, a presidente Dilma Rousseff, assim como já havia capitalizado o programa Mais Médicos — oficialmente iniciado ontem —, também conseguiu faturar politicamente o leilão do Campo de Libra, que correu sério risco de virar o maior fracasso do seu programa de concessões, se não houvesse interessado pelo negócio. Foi um jogo de cartas marcadas. O consórcio formado pela Petrobras (que ficou com 40% do negócio) e sócios chineses, holandeses, franceses e ingleses, foi articulado pela empresa brasileira e, obviamente, já era de conhecimento do Palácio do Planalto. O leilão foi mantido por tropas do Exército, da Marinha e da Força Nacional, por ordem e sob comando direto de Dilma, que despachou para o local do leilão o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
A novidade mesmo na exploração de Libra é a presença dos chineses, com duas estatais, mas sem a participação majoritária que chegou a ser prevista por muitos. Mesmo assim, o leilão consolida a China como principal parceiro comercial do Brasil, uma aproximação que se intensificou durante o governo Lula. Em termos históricos, é uma aliança muito recente, basta lembrar que nossas relações diplomáticas com a China foram interrompidas após o golpe militar de 1964 e só foram restabelecidas na gestão de Ernesto Geisel.
Os demais parceiros da exploração de petróleo não são recém-chegados. Muito pelo contrário, são velhos conhecidos: os franceses já tentaram se fixar no Rio de Janeiro (1555-1567) e no Maranhão (1594-1615); os holandeses ocuparam Pernambuco (1630-1654), depois de uma frustrada invasão a Salvador (1624-1625). Já os ingleses mandaram e desmandaram durante boa parte do Império. As ex-potências colonialistas ocuparam as Guianas — os franceses estão lá até hoje, são nossos vizinhos de fronteira.
As consequências dessa parceria com a China precisam ser enfrentadas sem preconceito, como disse ontem a presidente Dilma Rousseff, mas sem ingenuidade, vale a pena acrescentar. O Brasil é uma potência emergente do Atlântico Sul, não tem acesso direto ao Pacífico. A China é uma potência continental, que disputa com os Estados Unidos a hegemonia do comércio global, cujo eixo se deslocou do Atlântico para o Pacífico. Disputa semelhante pelo controle do comércio no Atlântico, entre a Alemanha e a Inglaterra, no século passado, provocou duas guerras mundiais. Ninguém sabe como esse embate será resolvido, mas a guerra cibernética já começou.
Os Estados Unidos ficaram de fora do leilão do pré-sal. Estão de olho no gás de xisto e na abertura do mercado do Golfo do México para concorrer com a China: energia barata versus mão de obra barata. Deixaram órfãos seus aliados tradicionais no Brasil. As críticas da oposição ao leilão do pré-sal do Campo de Libra foram de três ordens: o modelo de partilha, que é leite derramado; os termos do leilão, que levaram a um concorrente apenas; e a suposta privatização do pré-sal, que surpreendeu o governo, porque partiu principalmente de sua própria base: os petroleiros ligados à CUT. Todas as críticas foram respondidas por Dilma, em tom de campanha eleitoral. Bem feito para quem apostou no quanto pior, melhor. A oposição deveria se preocupar mais com os problemas de logística para o comércio com o Pacífico e a sobrevivência da indústria brasileira de bens de consumo, que são os pontos fracos dessa parceria do Brasil com a China.
Bruzundangas
O jornalista Cid Benjamin lançou ontem, no Rio de Janeiro, o livro de memórias Gracias a la vida (Editora José Olímpio). Um dos sequestradores do ex-embaixador americano Charles Burke Elbrick, ele conta que o diplomata seria executado caso “o cativeiro fosse invadido ou nossas reivindicações não fossem atendidas”. Cid e o jornalista Franklin Martins, ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social do governo Lula, ambos do antigo MR-8, faziam um ponto na Rua Marques, em Botafogo, quando viram o diplomata passar num carro oficial sem escolta. Esse fato gerou o plano do sequestro. O jornalista também trata do caso Celso Daniel, o que vai provocar muito barulho junto aos militantes do PT, do qual foi um dos fundadores. Segundo ele, “o PT trabalhava com mafiosos, gente do esquema do roubo. O caso virou um incômodo”.
A partir desta semana, assino a coluna Nas Entrelinhas às segundas, às quartas e às sextas-feiras.
A partir desta semana, assino a coluna Nas Entrelinhas às segundas, às quartas e às sextas-feiras.
segunda-feira, 21 de outubro de 2013
O que mostrar aos jovens?
Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 21/10/2013
Nosso país tem um ranço golpista e autoritário, que não é monopólio
dos militares. Pelo contrário, está impregnado na nossa cultura
política, à direita e à esquerda
O que fazer diante do desgaste e da desmoralização, perante a opinião
pública, do Congresso, dos partidos e seus políticos, pilares do Estado
democrático de direito? Eis uma pergunta que as elites do país,
responsáveis pelo status quo, deveriam estar se fazendo. A sobrevivência
de velhas práticas, como o patrimonialismo e o fisiologismo; o
transformismo dos partidos e o cretinismo parlamentar; a desmoralização
de instituições democráticas; as demonstrações de autoritarismo e de
ostentação de autoridades eleitas ou nomeadas; tudo isso leva à
descrença e à desesperança em relação à política como meio de solução
negociada dos impasses e de superação de dificuldades e problemas
seculares da nossa sociedade.
O atual ambiente de plenas liberdades e garantias individuais é o mais
longevo da República. Nunca antes, no Brasil, o habeas corpus ficou
tanto tempo sem ser suspenso por um estado de sítio. A democracia no
Brasil não é trivial, secular. A sua consolidação é recente e depende de
um esforço permanente das forças democráticas. A Constituição
brasileira só tem 25 anos, porém, já tem 75 emendas promulgadas pelo
Congresso. Recentemente, a presidente Dilma Rousseff chegou a propor uma
plebiscito para realizar uma reforma política. Nosso país tem um ranço
golpista e autoritário que não é monopólio dos militares. Pelo
contrário, está impregnado na nossa cultura, à direita e à esquerda.
Desde as justas manifestações de descontentamento social que eclodiram a
partir de junho, velhas concepções anarquistas, de um lado, e
fascistas, de outro, ressurgem sob várias formas. Por exemplo, uns veem o
habeas corpus como obstáculo à garantia da ordem; outros o utilizam
para continuar praticando atos de violência e vandalismo, impunemente.
Quem corre risco é o cidadão que luta por seus direitos pacífica e
democraticamente. São lamentáveis os atos de violência de jovens
manifestantes mascarados, assim como as prisões arbitrárias e a
desproporcional truculência policial.
Há grande inquietação dos jovens brasileiros — já são 50 milhões — em
relação ao presente e ao futuro. Esse é o motor dos protestos. A maioria
deles não sabe o que é viver sob um regime ditatorial. Muitos acreditam
que não existe democracia no Brasil, que a violência é válida na luta
contra o que julgam estar errado, que as mudanças só ocorrerão na marra.
É um equívoco, ainda mais num país que, bem ou mal, tem eleições a cada
dois anos, livres de fraudes eleitorais, que amadurece sua experiência
democrática.
Historicamente, em regimes democráticos, essa lógica só levou os jovens à
aventura e ao desespero político. Um ambiente de revolta e frustração
dos jovens, com violência e desordem, é terreno fértil para o surgimento
de organizações extremistas. Por sua vez, a repressão política, uma vez
que se baseia na força e não na persuasão, sempre descamba para o
arbítrio policial. E faz ressurgir das cinzas velhas propostas para
restringir as liberdades, violar direitos e garantias individuais e
aumentar as punições em razão das desordens públicas. É o caldo de
cultura àqueles que pregam o retrocesso institucional para acabar com a
bagunça e restabelecer a ordem. É um erro pensar que só os governos
conservadores e de direita adotam tais práticas. Governos populistas e
de esquerda também o fazem em conjunturas conturbadas.
Não estamos diante de conflitos e problemas triviais. O mundo vive um
choque entre duas civilizações atropeladas pelas mudanças tecnológicas.
Com a globalização, a economia do carbono e o atual padrão de consumo
colocam em xeque o modo de vida atual. Cientistas e governantes buscam
respostas para esses problemas, mas não são capazes de construir
consensos mundiais.
As contradições da nossa sociedade — globalizada, dependente e desigual —
são complexas, profundas. Dependem de soluções que demandam vontade
política focada no bem comum e não apenas nos grandes negócios. Exigem
também avanços na ciência e novas alternativas econômicas. A saturação
de nossas cidades pelo atual modelo macroeconômico leva ao colapso
projetos administrativos aparentemente modernos, mas sem
sustentabilidade no cotidiano dos cidadãos. O fracasso das políticas
públicas — na saúde, na educação, na cultura, nos transportes e na
segurança pública — provoca nos jovens a sensação de que a democracia
serve apenas aos poderosos, quando é uma notável conquista popular. Esse
entendimento errôneo só será superado com políticas públicas mais
eficazes e a renovação das instituições políticas. É precioso mostrar
aos jovens que a garantia de transformações duradouras e justas é o
fortalecimento do Estado de direito democrático e não o seu desgaste.
Bons dias!
Estou de volta à Entrelinhas, com análises, comentários e informações
políticas. Nos encontraremos nesse espaço todas as segundas, quartas e
sextas-feiras.
Fonte: Correio Braziliense