quinta-feira, 26 de março de 2009

O mundo se move

Lula é um bom parceiro para Obama em articulações delicadas, junto a países que veem os Estados Unidos como inimigo, mas têm excelentes relações com o Brasil

Por Luiz Carlos Azedo

O Itamaraty tem bons motivos para comemorar o encontro do presidente Luiz Inácio lula da Silva com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Foi como se a nossa política externa, finalmente, encontrasse um porto seguro depois de navegar tortuosamente por mundo afora. Havia muita afinidade pessoal entre George Bush e o presidente Lula, essa é a verdade, mas os interesses americanos e os nossos estavam balizados por políticas antagônicas. As afinidades pessoais entre Lula e Obama nem de longe se parecem; em contrapartida, a nova política externa dos EUA abre mais espaço ao protagonismo que o Itamaraty buscou conquistar para o Brasil.

Grande irmão
Quando Juscelino Kubitschek assumiu a Presidência da República, o senador Ernani do Amaral Peixoto, grande raposa política, foi escalado para ser o embaixador brasileiro nos Estados Unidos. Artífice da aliança entre pessedistas, trabalhistas e comunistas que levou o fundador de Brasília ao poder, Amaral era um aliado incondicional dos Estados Unidos, pois foi o principal articulador, no Estado Novo, da campanha para o Brasil entrar na guerra contra o Eixo. Gois Monteiro, homem de confiança de Getúlio Vargas no Exército, era simpático à Alemanha. A presença de Amaral em Washington foi uma garantia de que os norte-americanos não apoiariam conspirações golpistas contra JK, apesar da aliança com os comunistas em plena guerra fria. No governo Jango, quando Amaral lançou a candidatura de JK à sucessão de Jango, prevista para 1966, trabalhistas e comunistas torceram o nariz e decidiram apoiar Leonel Brizola, pois julgavam um retrocesso a volta de Juscelino ao poder. Com isso, a conspiração de civis e militares golpistas contra Jango ganhou força, com apoio dos Estados Unidos. Seu desfecho foi o golpe de 1964, ao qual Amaral Peixoto se opôs, há 45 anos.
Desde então, não houve presidente da República no Brasil que não levasse em conta a mão peluda dos Estados Unidos . O único a desafiá-la foi o presidente Ernesto Geisel, no regime militar, ao fazer o acordo nuclear com a Alemanha. O troco veio com sinal trocado, no governo Jimmy Carter, com sua política de direitos humanos, que enfunou as velas da resistência democrática no Brasil. No governo de Fernando Henrique Cardoso, as relações políticas viveram glamourosos momentos, graças à amizade com o presidente Bill Clinton. Quando Lula foi eleito em 2002, a trombada com Bush parecia inevitável, mas os dois se entenderam muito bem, para surpresa geral. Pode-se dizer, em parte graças a isso, que existem duas esquerdas na América Latina; uma radical e antiamericana, representada por Hugo Chávez; outra, moderada, que não vê os Estados Unidos como inimigo, representada por Lula.

Protagonismo
“Obama parece com a gente”, avaliou Lula, exultante, depois de ser o primeiro chefe de estado latino-americano e o terceiro do mundo com o novo presidente dos Estados Unidos. Quem quiser que se iluda, a reunião não foi só importante apenas pelo simbolismo. Não se pode ignorar as contradições entre o Brasil e os EUA, não houve mudança de interesses comerciais. Mas, na política, houve e muita. No plano internacional, com a facilidade de locomoção e a mídia globalizada, a diplomacia presidencial ganha cada vez mais relevância. O encontro fortaleceu o protagonismo do Brasil, dos nossos interesses globais e diferenciados em relação ao restante do continente. A projeção externa do Brasil ganhou muito com convergência “ideológica” entre Lula e Obama, pois a eleição do primeiro presidente negro dos EUA representou uma guinada democrática da maior potência do planeta.
Comércio, energia, meio ambiente , a agenda global não mudou com a crise, mas ganhou dramaticidade. A estabilidade da economia brasileira e o peso regional do Brasil reforçam nosso papel na discussão desses e outros temas. Alguns preocupam os Estados Unidos no nosso continente, como o tráfico de drogas e a estabilidade democrática. A agenda vai das restrições ao etanol brasileiro ao Haiti, da Venezuela à Cuba.
A prioridade de Obama, porém, é outra: tirar seu país do buraco. Por isso, Lula é um bom parceiro em articulações delicadas junto a países que veem os Estados Unidos como inimigo, mas têm excelentes relações com o Brasil. Amanhã, por exemplo, o ministro dos Negócios Estrangeiros do Irã, Manouchehr Mottaki, estará com Lula. Eis uma oportunidade para exercer o novo protagonismo em linha de passe com Obama. O Irã é um grande pepino dos EUA na política internacional. -
Publicado em 25 de março na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense

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