Em todo o mundo, estados edificados em bases étnicas e religiosas são um retrocesso civilizatório
Por Luiz Carlos Azedo
Não acredito que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha cometido uma simples gafe ao responsabilizar os “brancos de olhos azuis” pela crise mundial, deixando perplexos o primeiro-ministro britânico Gordon Brown e todos os diplomatas presentes. A frase correu o mundo e teve diferentes interpretações. Uma delas de que seria mais uma tirada de Lula para o seu público interno, ou seja, para agradar à maioria dos brasileiros, miscigenada, formada por negros, mulatos e pardos que começa a sentir os efeitos da crise.
Prefiro imaginar que ele quis mandar um recado para os líderes do G-20, os países mais industrializados do mundo, de que vai bater duro no mundo financeiro e pedir uma reforma nos organismos econômicos mundiais, para enquadrar o grupo reduzido de magnatas gananciosos cuja irresponsabilidade provocou a atual crise financeira mundial. Embora não seja integrado apenas por gente de olhos azuis, por causa da tirada de Lula, a cara da banca internacional no nosso imaginário popular agora é essa.
Preconceitos
Lula me remeteu à “cruel” pedadoga do polêmico documentário De olhos azuis (Blue Eyes), a norte-americana Jane Elliot. Exibido pela GNT e premiado com o Emmy, o vídeo está no YouTube. Desde 1968, a educadora realiza o workshop intitulado The Eye of the Storm, no qual os participantes são submetidos aos preconceitos que sofrem negros, homossexuais, deficientes físicos, idosos e miseráveis. Blue Eyes relata um desses workshops, um exercício baseado na cor dos olhos. Os participantes de olhos azuis são marcados com um colar. Todos os estereótipos negativos que geralmente são aplicados às pessoas discriminadas são lançados a eles. Os que não possuem olhos azuis são designados como superiores e incentivados a discriminar fortemente os “olhinhos azuis”. Severamente criticados, xingados e tratados como inferiores, tudo o que há de ruim é atribuído somente à cor dos seus olhos: “Isso só podia vir de um olho azul mesmo”. O efeito corrosivo da discriminação sobre o humor, autoestima, autoconfiança e astral dos participantes é impressionante. Muitos choram. Pedem que Jane pare de tratá-los daquela maneira. Essas “vítimas” são pessoas que fazem parte do grupo dominante na vida real, acostumados a discriminar e nunca a serem discriminadas. A professora realiza o mesmo exercício na escola em que leciona. Muito criticada, responde com as seguintes interrogações: se um dia de discriminação causa tamanho efeito em uma pessoa, o que dizer de uma vida inteira cercada pelo preconceito? Como uma criança que é discriminada desde o momento do seu nascimento pode competir em igualdade com outra que é estimulada, amada e incentivada? Isso não é cruel? Não é totalmente desumano?
Racismo
Qualquer que seja a intenção de Lula, porém, sua frase foi infeliz. Trafega na fronteira do racismo, apesar do sinal trocado, porque tangencia o antissemitismo. É muito perigoso utilizar esse tipo de estereótipo racial —“gente branca de olhos azuis” — para “demonizar” os responsáveis pela crise econômica. Crises são ambientes que disseminam desesperanças, frustrações e ódios. Por exemplo, muitos judeus asquenazi da Europa Central e Oriental, vítimas de constantes pogroms, tinham olhos azuis como os de Hitler. Como se sabe, 6,1 milhões de judeus (homens e mulheres, velhos e crianças) foram vítimas do Holocausto, depois de responsabilizados pela crise de 1929.
Os Estados Unidos viraram uma página da História com a eleição do presidente Barack Obama, mas a Europa vive dramaticamente a emergência de conflitos étnicos que haviam sido congelados na Conferência de Yalta e explodiram depois da débâcle da Cortina de Ferro. Índia e Paquistão estão permanentemente à beira da guerra nuclear, xiitas e sunitas se matam no Iraque, sangrentos conflitos tribais inviabilizam algumas nações africanas. Em todo o mundo, Estados edificados em bases étnicas e religiosas são um retrocesso civilizatório.
O maniqueísmo racista não se sustenta perante a História. A elite branca, monarquista e escravocrata liderada por Pedro II, um Habsburgo de olhos azuis que nos governou por meio século, manteve a integridade territorial do Brasil. Sem isso, não seríamos o país mais miscigenado e etnicamente “traduzido” do mundo, no qual “oriundi”, “japinhas” e “brimos” se sentem plenamente brasileiros. Nas serras e vales do Espírito Santo e de Santa Catarina, o menino descendente de emigrantes da Pomerânia (uma nação extinta), preserva uma língua quase morta, sua secular agricultura orgânica e acaricia o solo que mais ama. Com olhos azuis de sonho, ele também constrói o novo mundo.
Publicado hoje na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense
domingo, 29 de março de 2009
quinta-feira, 26 de março de 2009
O mundo se move
Lula é um bom parceiro para Obama em articulações delicadas, junto a países que veem os Estados Unidos como inimigo, mas têm excelentes relações com o Brasil
Por Luiz Carlos Azedo
O Itamaraty tem bons motivos para comemorar o encontro do presidente Luiz Inácio lula da Silva com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Foi como se a nossa política externa, finalmente, encontrasse um porto seguro depois de navegar tortuosamente por mundo afora. Havia muita afinidade pessoal entre George Bush e o presidente Lula, essa é a verdade, mas os interesses americanos e os nossos estavam balizados por políticas antagônicas. As afinidades pessoais entre Lula e Obama nem de longe se parecem; em contrapartida, a nova política externa dos EUA abre mais espaço ao protagonismo que o Itamaraty buscou conquistar para o Brasil.
Grande irmão
Quando Juscelino Kubitschek assumiu a Presidência da República, o senador Ernani do Amaral Peixoto, grande raposa política, foi escalado para ser o embaixador brasileiro nos Estados Unidos. Artífice da aliança entre pessedistas, trabalhistas e comunistas que levou o fundador de Brasília ao poder, Amaral era um aliado incondicional dos Estados Unidos, pois foi o principal articulador, no Estado Novo, da campanha para o Brasil entrar na guerra contra o Eixo. Gois Monteiro, homem de confiança de Getúlio Vargas no Exército, era simpático à Alemanha. A presença de Amaral em Washington foi uma garantia de que os norte-americanos não apoiariam conspirações golpistas contra JK, apesar da aliança com os comunistas em plena guerra fria. No governo Jango, quando Amaral lançou a candidatura de JK à sucessão de Jango, prevista para 1966, trabalhistas e comunistas torceram o nariz e decidiram apoiar Leonel Brizola, pois julgavam um retrocesso a volta de Juscelino ao poder. Com isso, a conspiração de civis e militares golpistas contra Jango ganhou força, com apoio dos Estados Unidos. Seu desfecho foi o golpe de 1964, ao qual Amaral Peixoto se opôs, há 45 anos.
Desde então, não houve presidente da República no Brasil que não levasse em conta a mão peluda dos Estados Unidos . O único a desafiá-la foi o presidente Ernesto Geisel, no regime militar, ao fazer o acordo nuclear com a Alemanha. O troco veio com sinal trocado, no governo Jimmy Carter, com sua política de direitos humanos, que enfunou as velas da resistência democrática no Brasil. No governo de Fernando Henrique Cardoso, as relações políticas viveram glamourosos momentos, graças à amizade com o presidente Bill Clinton. Quando Lula foi eleito em 2002, a trombada com Bush parecia inevitável, mas os dois se entenderam muito bem, para surpresa geral. Pode-se dizer, em parte graças a isso, que existem duas esquerdas na América Latina; uma radical e antiamericana, representada por Hugo Chávez; outra, moderada, que não vê os Estados Unidos como inimigo, representada por Lula.
Protagonismo
“Obama parece com a gente”, avaliou Lula, exultante, depois de ser o primeiro chefe de estado latino-americano e o terceiro do mundo com o novo presidente dos Estados Unidos. Quem quiser que se iluda, a reunião não foi só importante apenas pelo simbolismo. Não se pode ignorar as contradições entre o Brasil e os EUA, não houve mudança de interesses comerciais. Mas, na política, houve e muita. No plano internacional, com a facilidade de locomoção e a mídia globalizada, a diplomacia presidencial ganha cada vez mais relevância. O encontro fortaleceu o protagonismo do Brasil, dos nossos interesses globais e diferenciados em relação ao restante do continente. A projeção externa do Brasil ganhou muito com convergência “ideológica” entre Lula e Obama, pois a eleição do primeiro presidente negro dos EUA representou uma guinada democrática da maior potência do planeta.
Comércio, energia, meio ambiente , a agenda global não mudou com a crise, mas ganhou dramaticidade. A estabilidade da economia brasileira e o peso regional do Brasil reforçam nosso papel na discussão desses e outros temas. Alguns preocupam os Estados Unidos no nosso continente, como o tráfico de drogas e a estabilidade democrática. A agenda vai das restrições ao etanol brasileiro ao Haiti, da Venezuela à Cuba.
A prioridade de Obama, porém, é outra: tirar seu país do buraco. Por isso, Lula é um bom parceiro em articulações delicadas junto a países que veem os Estados Unidos como inimigo, mas têm excelentes relações com o Brasil. Amanhã, por exemplo, o ministro dos Negócios Estrangeiros do Irã, Manouchehr Mottaki, estará com Lula. Eis uma oportunidade para exercer o novo protagonismo em linha de passe com Obama. O Irã é um grande pepino dos EUA na política internacional. -
Publicado em 25 de março na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense
Por Luiz Carlos Azedo
O Itamaraty tem bons motivos para comemorar o encontro do presidente Luiz Inácio lula da Silva com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Foi como se a nossa política externa, finalmente, encontrasse um porto seguro depois de navegar tortuosamente por mundo afora. Havia muita afinidade pessoal entre George Bush e o presidente Lula, essa é a verdade, mas os interesses americanos e os nossos estavam balizados por políticas antagônicas. As afinidades pessoais entre Lula e Obama nem de longe se parecem; em contrapartida, a nova política externa dos EUA abre mais espaço ao protagonismo que o Itamaraty buscou conquistar para o Brasil.
Grande irmão
Quando Juscelino Kubitschek assumiu a Presidência da República, o senador Ernani do Amaral Peixoto, grande raposa política, foi escalado para ser o embaixador brasileiro nos Estados Unidos. Artífice da aliança entre pessedistas, trabalhistas e comunistas que levou o fundador de Brasília ao poder, Amaral era um aliado incondicional dos Estados Unidos, pois foi o principal articulador, no Estado Novo, da campanha para o Brasil entrar na guerra contra o Eixo. Gois Monteiro, homem de confiança de Getúlio Vargas no Exército, era simpático à Alemanha. A presença de Amaral em Washington foi uma garantia de que os norte-americanos não apoiariam conspirações golpistas contra JK, apesar da aliança com os comunistas em plena guerra fria. No governo Jango, quando Amaral lançou a candidatura de JK à sucessão de Jango, prevista para 1966, trabalhistas e comunistas torceram o nariz e decidiram apoiar Leonel Brizola, pois julgavam um retrocesso a volta de Juscelino ao poder. Com isso, a conspiração de civis e militares golpistas contra Jango ganhou força, com apoio dos Estados Unidos. Seu desfecho foi o golpe de 1964, ao qual Amaral Peixoto se opôs, há 45 anos.
Desde então, não houve presidente da República no Brasil que não levasse em conta a mão peluda dos Estados Unidos . O único a desafiá-la foi o presidente Ernesto Geisel, no regime militar, ao fazer o acordo nuclear com a Alemanha. O troco veio com sinal trocado, no governo Jimmy Carter, com sua política de direitos humanos, que enfunou as velas da resistência democrática no Brasil. No governo de Fernando Henrique Cardoso, as relações políticas viveram glamourosos momentos, graças à amizade com o presidente Bill Clinton. Quando Lula foi eleito em 2002, a trombada com Bush parecia inevitável, mas os dois se entenderam muito bem, para surpresa geral. Pode-se dizer, em parte graças a isso, que existem duas esquerdas na América Latina; uma radical e antiamericana, representada por Hugo Chávez; outra, moderada, que não vê os Estados Unidos como inimigo, representada por Lula.
Protagonismo
“Obama parece com a gente”, avaliou Lula, exultante, depois de ser o primeiro chefe de estado latino-americano e o terceiro do mundo com o novo presidente dos Estados Unidos. Quem quiser que se iluda, a reunião não foi só importante apenas pelo simbolismo. Não se pode ignorar as contradições entre o Brasil e os EUA, não houve mudança de interesses comerciais. Mas, na política, houve e muita. No plano internacional, com a facilidade de locomoção e a mídia globalizada, a diplomacia presidencial ganha cada vez mais relevância. O encontro fortaleceu o protagonismo do Brasil, dos nossos interesses globais e diferenciados em relação ao restante do continente. A projeção externa do Brasil ganhou muito com convergência “ideológica” entre Lula e Obama, pois a eleição do primeiro presidente negro dos EUA representou uma guinada democrática da maior potência do planeta.
Comércio, energia, meio ambiente , a agenda global não mudou com a crise, mas ganhou dramaticidade. A estabilidade da economia brasileira e o peso regional do Brasil reforçam nosso papel na discussão desses e outros temas. Alguns preocupam os Estados Unidos no nosso continente, como o tráfico de drogas e a estabilidade democrática. A agenda vai das restrições ao etanol brasileiro ao Haiti, da Venezuela à Cuba.
A prioridade de Obama, porém, é outra: tirar seu país do buraco. Por isso, Lula é um bom parceiro em articulações delicadas junto a países que veem os Estados Unidos como inimigo, mas têm excelentes relações com o Brasil. Amanhã, por exemplo, o ministro dos Negócios Estrangeiros do Irã, Manouchehr Mottaki, estará com Lula. Eis uma oportunidade para exercer o novo protagonismo em linha de passe com Obama. O Irã é um grande pepino dos EUA na política internacional. -
Publicado em 25 de março na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense
domingo, 22 de março de 2009
Quanto pior, melhor
Vamos supor que a crise chegue pra valer, atropelando o governo. Não há garantia de que Serra e Aécio serão os mais beneficiados
Por Luiz Carlos Azedo
Durante todo o seu período de bonança, a economia brasileira (centrada no controle da inflação, no superávit fiscal e no câmbio flutuante) parecia blindada em relação à política, apesar das duras críticas de setores empresariais, da oposição e até no interior do governo às altas taxas de juros. Porém, o mundo desabou e a política propriamente dita recuperou sua centralidade. No Brasil, tudo parecia de cabeça para baixo, com a política nacional blindada em relação à crise econômica. Até que as pesquisas de opinião divulgadas no final da semana se encarregaram de desnudar a mudança de humor na sociedade. No Ibope, a avaliação positiva do governo caiu 13 pontos. No Datafolha, caiu cinco pontos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo assim, mantém grande popularidade. Mas colocou as barbas de molho. Sabe que não está surfando uma marolinha, conduz a nau governista num mar proceloso e desconhecido.
Humores
O governo finalmente percebeu que o Brasil não está à margem da crise ou atingido brandamente por ela. A crise chegou, é mais profunda do que se imaginava e atinge em cheio o setor exportador, do agronegócio às empresas de alta tecnologia. O lado mais globalizado da nossa economia foi abalado de duas maneiras: primeiro, pela retração do mercado mundial; segundo, pela desvalorização cambial. Não se conhece toda a extensão dos prejuízos das grandes empresas do setor com a especulação financeira, mas toda hora surge uma novidade. É o que está por trás de boa parte das dificuldades de gigantes do setor, como a Embraer e a Sadia, só para citar dois exemplos robustos. O humor da sociedade mudou por causa da onda de desemprego no país.
O principal sintoma é a desconfiança de investidores, produtores e consumidores em relação ao futuro imediato. O impacto da retração econômica na arrecadação federal já obrigou o governo a cair na real e rever o orçamento da União. Isso funciona como uma bola de neve, pois as receitas estaduais e municipais também estão desabando. Em pequenos municípios, prefeituras estão fechando as portas. Aqui no Distrito Federal, que parecia à margem da crise, os repasses federais para o GDF foram reduzidos, provocando cortes de investimentos, suspensão de concursos e de aumentos salariais. Inevitavelmente, haverá impacto na atividade econômica. Em estados como São Paulo e Minas, com mais dinamismo econômico, o problema do desemprego tende a retrair ainda o mercado, reduzir a arrecadação, elevar de índices de criminalidade e insatisfação social.
Desgastes
O sinal mais importante da pesquisa de opinião em relação ao prestígio do governo Lula é a queda de popularidade junto à população de mais baixa renda, aquela que foi até hoje o foco principal das políticas sociais do governo, com projetos como Bolsa Família e Luz para Todos. Teoricamente, esses setores deveriam ser preservados do desgaste provocado pela crise, seja pela empatia que têm com o presidente Lula, seja pelo fato de que não houve mudança na política de transferência de renda do governo federal. A única explicação para essa mudança é a retração generalizada da atividade econômica. É ilusão avaliar que o desgaste atingirá apenas o governo Lula. Governadores e prefeitos também vão pagar o preço da crise, em maior ou menor escala. Tudo vai depender das atitudes de cada um.
É por essa razão que tenho minhas dúvidas quanto aos benefícios que a oposição poderia colher com o agravamento da crise econômica. O “quanto pior, melhor” pode ser uma grande roubada para quem divide responsabilidade de governo, como acontece com os governadores de São Paulo, José Serra, e de Minas, Aécio Neves, ambos do PSDB, que postulam a posição de candidato da oposição. A crise mudou os planos do governo federal, que trabalhava com um cenário róseo para a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, mas agora já sabe que precisa ter foco na crise, para a casa não cair. Mas a situação não se alterou a ponto de inviabilizar o projeto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de eleger seu sucessor. Tudo vai depender da evolução da crise e da competência do governo na condução da economia. Mas vamos supor que a crise chegue pra valer, com a recessão atropelando o governo. Não há garantia de que Serra e Aécio serão os mais beneficiados. Dependendo da situação social em seus estados, podem ser levados de roldão junto com Dilma. Um cenário de desastre, teoricamente, pode favorecer quem está fora dessa polarização, como o deputado Ciro Gomes (PSDB) ou Heloisa Helena (PSol), que se mantêm teimosamente em boa posição nas pesquisas. Mas o “salvacionismo” mesmo não seria a eleição de nenhum dos dois, seria um terceiro mandato para o presidente Lula, que continuaria sendo o político de maior prestígio no país. É o risco do “quanto pior, melhor”.
Publicado hoje na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense.
Por Luiz Carlos Azedo
Durante todo o seu período de bonança, a economia brasileira (centrada no controle da inflação, no superávit fiscal e no câmbio flutuante) parecia blindada em relação à política, apesar das duras críticas de setores empresariais, da oposição e até no interior do governo às altas taxas de juros. Porém, o mundo desabou e a política propriamente dita recuperou sua centralidade. No Brasil, tudo parecia de cabeça para baixo, com a política nacional blindada em relação à crise econômica. Até que as pesquisas de opinião divulgadas no final da semana se encarregaram de desnudar a mudança de humor na sociedade. No Ibope, a avaliação positiva do governo caiu 13 pontos. No Datafolha, caiu cinco pontos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo assim, mantém grande popularidade. Mas colocou as barbas de molho. Sabe que não está surfando uma marolinha, conduz a nau governista num mar proceloso e desconhecido.
Humores
O governo finalmente percebeu que o Brasil não está à margem da crise ou atingido brandamente por ela. A crise chegou, é mais profunda do que se imaginava e atinge em cheio o setor exportador, do agronegócio às empresas de alta tecnologia. O lado mais globalizado da nossa economia foi abalado de duas maneiras: primeiro, pela retração do mercado mundial; segundo, pela desvalorização cambial. Não se conhece toda a extensão dos prejuízos das grandes empresas do setor com a especulação financeira, mas toda hora surge uma novidade. É o que está por trás de boa parte das dificuldades de gigantes do setor, como a Embraer e a Sadia, só para citar dois exemplos robustos. O humor da sociedade mudou por causa da onda de desemprego no país.
O principal sintoma é a desconfiança de investidores, produtores e consumidores em relação ao futuro imediato. O impacto da retração econômica na arrecadação federal já obrigou o governo a cair na real e rever o orçamento da União. Isso funciona como uma bola de neve, pois as receitas estaduais e municipais também estão desabando. Em pequenos municípios, prefeituras estão fechando as portas. Aqui no Distrito Federal, que parecia à margem da crise, os repasses federais para o GDF foram reduzidos, provocando cortes de investimentos, suspensão de concursos e de aumentos salariais. Inevitavelmente, haverá impacto na atividade econômica. Em estados como São Paulo e Minas, com mais dinamismo econômico, o problema do desemprego tende a retrair ainda o mercado, reduzir a arrecadação, elevar de índices de criminalidade e insatisfação social.
Desgastes
O sinal mais importante da pesquisa de opinião em relação ao prestígio do governo Lula é a queda de popularidade junto à população de mais baixa renda, aquela que foi até hoje o foco principal das políticas sociais do governo, com projetos como Bolsa Família e Luz para Todos. Teoricamente, esses setores deveriam ser preservados do desgaste provocado pela crise, seja pela empatia que têm com o presidente Lula, seja pelo fato de que não houve mudança na política de transferência de renda do governo federal. A única explicação para essa mudança é a retração generalizada da atividade econômica. É ilusão avaliar que o desgaste atingirá apenas o governo Lula. Governadores e prefeitos também vão pagar o preço da crise, em maior ou menor escala. Tudo vai depender das atitudes de cada um.
É por essa razão que tenho minhas dúvidas quanto aos benefícios que a oposição poderia colher com o agravamento da crise econômica. O “quanto pior, melhor” pode ser uma grande roubada para quem divide responsabilidade de governo, como acontece com os governadores de São Paulo, José Serra, e de Minas, Aécio Neves, ambos do PSDB, que postulam a posição de candidato da oposição. A crise mudou os planos do governo federal, que trabalhava com um cenário róseo para a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, mas agora já sabe que precisa ter foco na crise, para a casa não cair. Mas a situação não se alterou a ponto de inviabilizar o projeto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de eleger seu sucessor. Tudo vai depender da evolução da crise e da competência do governo na condução da economia. Mas vamos supor que a crise chegue pra valer, com a recessão atropelando o governo. Não há garantia de que Serra e Aécio serão os mais beneficiados. Dependendo da situação social em seus estados, podem ser levados de roldão junto com Dilma. Um cenário de desastre, teoricamente, pode favorecer quem está fora dessa polarização, como o deputado Ciro Gomes (PSDB) ou Heloisa Helena (PSol), que se mantêm teimosamente em boa posição nas pesquisas. Mas o “salvacionismo” mesmo não seria a eleição de nenhum dos dois, seria um terceiro mandato para o presidente Lula, que continuaria sendo o político de maior prestígio no país. É o risco do “quanto pior, melhor”.
Publicado hoje na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense.
quarta-feira, 18 de março de 2009
Escolhas difíceis
Na verdade, a crise funciona como uma força centrífuga, que ameaça descolar alguns segmentos do governo quando seus próprios interesses estão em risco
Por Luiz Carlos Azedo
Com a chegada da crise ao Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está sendo obrigado a tomar decisões cada vez mais difíceis. É complicado agradar a todos os setores da sociedade cujo apoio atraiu com seu “governo de compromisso”.
Até recentemente, o governo conseguia representar os interesses políticos, econômicos e sociais aparentemente antagônicos. O prestígio do presidente e suas ações administrativas amorteciam os conflitos, por exemplo, entre sindicatos de trabalhadores e federações patronais, ou entre partidos fisiológicos da base e os setores mais ideológicos e programáticos do governo de coalizão. O crescimento econômico gerava trabalho e renda suficientes para que a sociedade suportasse a grande carga tributária. Os diversos atores envolvidos obtinham razoável nível de satisfação com a partilha dos recursos arrecadados pelo governo, o que influi o funcionalismo público e os milhões de beneficiados pelo Bolsa Família. Agora, a situação começa a se modificar.
Poupança
Talvez a mais emblemática decisão a ser tomada, neste momento que emerge com a crise, seja em relação à poupança, o mais popular investimento existente no mercado financeiro, cujos recursos são destinados ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e à política habitacional. Num gesto surpreendente, que a só a confiança gerada pelos altos índices de popularidade pode explicar, o presidente Lula anunciou nos Estados Unidos que vai mudar o índice de remuneração da caderneta de poupança porque seus aplicadores começam a ganhar demais. Para evitar uma fuga dos grandes investidores dos fundos de investimentos para a poupança, o governo quer reduzir a rentabilidade do único investimento onde o povo que gasta menos do que ganha pode fazer o seu pé de meia.
A queda da taxa básica de juros (Selic) beneficiará a poupança em detrimento de outras aplicações, porque tem rendimento de 6% ao ano mais a variação da TR garantido por lei. O governo quer rever a rentabilidade da poupança a pretexto de reduzir a taxa Selic. Eis uma escolha que demonstra a dificuldade para manter um “governo de compromisso” quando interesses opostos em seu interior falam mais alto. O governo mexeu na poupança há dois anos para afastar grandes investidores desse tipo de aplicação. Agora, quer mexer de novo, mas faz isso porque precisa rolar a dívida interna e não para beneficiar o pequeno investidor. Quer vincular a poupança à Selic. Ou seja, quanto menor a taxa de juros, menor será o rendimento da poupança.
Centrífugas
Na verdade, a crise funciona como uma força centrífuga, que ameaça descolar do governo alguns segmentos com interesses em risco. Imagine uma máquina de lavar roupa na hora da secagem.
O movimento rotatório de seu tambor expele a água em excesso das roupas. É mais ou menos assim que funciona. Primeiro exemplo, o reajuste do funcionalismo: o governo prometeu, mas não tem como cumprir os acordos e pagar os aumentos.
Vejamos o segundo, as medidas provisórias editadas pelo governo para combater a crise econômica. Sob pressão dos lobbies empresariais, estão sofrendo modificações que favorecerão os interesses privados, em detrimento das políticas públicas. O governo resolveu fazer um Refis para pequenos devedores (até R$ 10 mil), está sendo obrigado a aceitar um Super-Refis que rolará as dívidas de todas as empresas que devem ao fisco, a perder de vista. O terceiro: o novo programa habitacional do Ministério das Cidades. O governo federal não se entende com os estados porque priorizou os municípios. É obrigado a escolher entre financiar a casa própria para a classe média, que tem dinheiro para pagar os empréstimos, ou para a população de baixa renda, que só pode fazer pagamentos simbólicos.
Mais um exemplo: a Embraer, que demitiu quatro mil funcionários depois de receber um grande financiamento do governo. A empresa sofre com a retração do mercado mundial, precisa reduzir a produção. Era demitir ou se endividar. O governo e a Justiça trabalhista pressionam a empresa para que readmita os empregados. A empresa só terá condições de fazer isso se o governo agir para que a produção seja absorvida pelo mercado interno. Entretanto, as empresas aéreas também sofrem com a crise e o próprio governo não tem caixa para comprar mais aviões da Embraer. A maior ameaça, porém, é a queda da arrecadação do governo, numa hora em que o gasto público é necessário para manter a economia aquecida. Mas que tipo de gasto?
Publicado hoje na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense
Por Luiz Carlos Azedo
Com a chegada da crise ao Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está sendo obrigado a tomar decisões cada vez mais difíceis. É complicado agradar a todos os setores da sociedade cujo apoio atraiu com seu “governo de compromisso”.
Até recentemente, o governo conseguia representar os interesses políticos, econômicos e sociais aparentemente antagônicos. O prestígio do presidente e suas ações administrativas amorteciam os conflitos, por exemplo, entre sindicatos de trabalhadores e federações patronais, ou entre partidos fisiológicos da base e os setores mais ideológicos e programáticos do governo de coalizão. O crescimento econômico gerava trabalho e renda suficientes para que a sociedade suportasse a grande carga tributária. Os diversos atores envolvidos obtinham razoável nível de satisfação com a partilha dos recursos arrecadados pelo governo, o que influi o funcionalismo público e os milhões de beneficiados pelo Bolsa Família. Agora, a situação começa a se modificar.
Poupança
Talvez a mais emblemática decisão a ser tomada, neste momento que emerge com a crise, seja em relação à poupança, o mais popular investimento existente no mercado financeiro, cujos recursos são destinados ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e à política habitacional. Num gesto surpreendente, que a só a confiança gerada pelos altos índices de popularidade pode explicar, o presidente Lula anunciou nos Estados Unidos que vai mudar o índice de remuneração da caderneta de poupança porque seus aplicadores começam a ganhar demais. Para evitar uma fuga dos grandes investidores dos fundos de investimentos para a poupança, o governo quer reduzir a rentabilidade do único investimento onde o povo que gasta menos do que ganha pode fazer o seu pé de meia.
A queda da taxa básica de juros (Selic) beneficiará a poupança em detrimento de outras aplicações, porque tem rendimento de 6% ao ano mais a variação da TR garantido por lei. O governo quer rever a rentabilidade da poupança a pretexto de reduzir a taxa Selic. Eis uma escolha que demonstra a dificuldade para manter um “governo de compromisso” quando interesses opostos em seu interior falam mais alto. O governo mexeu na poupança há dois anos para afastar grandes investidores desse tipo de aplicação. Agora, quer mexer de novo, mas faz isso porque precisa rolar a dívida interna e não para beneficiar o pequeno investidor. Quer vincular a poupança à Selic. Ou seja, quanto menor a taxa de juros, menor será o rendimento da poupança.
Centrífugas
Na verdade, a crise funciona como uma força centrífuga, que ameaça descolar do governo alguns segmentos com interesses em risco. Imagine uma máquina de lavar roupa na hora da secagem.
O movimento rotatório de seu tambor expele a água em excesso das roupas. É mais ou menos assim que funciona. Primeiro exemplo, o reajuste do funcionalismo: o governo prometeu, mas não tem como cumprir os acordos e pagar os aumentos.
Vejamos o segundo, as medidas provisórias editadas pelo governo para combater a crise econômica. Sob pressão dos lobbies empresariais, estão sofrendo modificações que favorecerão os interesses privados, em detrimento das políticas públicas. O governo resolveu fazer um Refis para pequenos devedores (até R$ 10 mil), está sendo obrigado a aceitar um Super-Refis que rolará as dívidas de todas as empresas que devem ao fisco, a perder de vista. O terceiro: o novo programa habitacional do Ministério das Cidades. O governo federal não se entende com os estados porque priorizou os municípios. É obrigado a escolher entre financiar a casa própria para a classe média, que tem dinheiro para pagar os empréstimos, ou para a população de baixa renda, que só pode fazer pagamentos simbólicos.
Mais um exemplo: a Embraer, que demitiu quatro mil funcionários depois de receber um grande financiamento do governo. A empresa sofre com a retração do mercado mundial, precisa reduzir a produção. Era demitir ou se endividar. O governo e a Justiça trabalhista pressionam a empresa para que readmita os empregados. A empresa só terá condições de fazer isso se o governo agir para que a produção seja absorvida pelo mercado interno. Entretanto, as empresas aéreas também sofrem com a crise e o próprio governo não tem caixa para comprar mais aviões da Embraer. A maior ameaça, porém, é a queda da arrecadação do governo, numa hora em que o gasto público é necessário para manter a economia aquecida. Mas que tipo de gasto?
Publicado hoje na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense
domingo, 15 de março de 2009
Me engana que eu gosto
Num regime democrático, todo ato administrativo tem repercussão eleitoral. Isso só não ocorre na ditadura, porque não há eleições livres
Por Luiz Carlos Azedo
Para o vice-procurador eleitoral Francisco Xavier, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, não fizeram campanha eleitoral durante o Encontro Nacional de Novos Prefeitos e Prefeitas realizado em Brasília, em 10 e 11 de fevereiro. Segundo ele, o encontro foi suprapartidário e não caracterizou compra de voto por parte dos petistas, como alegou a oposição ao representar no Tribunal Superior Eleitoral. Agora, o ministro Arnaldo Versiani, relator do caso, fará sua interpretação sobre o caso e o levará ao plenário do TSE.
Até os mármores do Palácio do Planalto sabem que Dilma é candidata à sucessão de Lula em 2010. Alavanca sua candidatura por meio de eventos e solenidades oficiais, mas Xavier atribui o fato à imprensa, que trata a ministra como futura candidata, como acontece aqui nesta coluna, embora Dilma nunca tenha se apresentado formalmente como candidata. Os elogios de Lula à sua pessoa não configurariam propaganda irregular, argumenta. O caso será apreciado pelo TSE num momento em que a Justiça acaba de cassar dois governadores, o da Paraíba e do Maranhão, por uso irregular da máquina pública durante a campanha. O primeiro caso já transitou em julgado, o segundo ainda aguarda julgamento de recurso. E ainda há mais seis governadores na berlinda pelo mesmo motivo.
Nova jurisprudência está sendo construída nesse jogo de esconde-esconde da candidatura de Dilma e na apreciação dos casos dos governadores acusados de usar a máquina pública em proveito eleitoral. Será uma forma de aperfeiçoamento do nosso sistema democrático. Como tenho destacado aqui, o Brasil tem a maior democracia de massas do mundo, com voto direto, secreto e universal, eleições limpas e apuração quase instantânea. É um exemplo nesse aspecto. Mas, em contrapartida, enfrenta uma crise de representação política e degenerescência partidária que tem várias causas.
Uma delas, com toda certeza, é o uso generalizado da máquina pública nas eleições, impondo à sociedade um perfil de político “fazedor de obras” e “prestador de serviços”. Esses é que cada vez mais se elegem, em detrimento daqueles que conquistam o mandato graças ao “voto de opinião”, por suas ideias políticas, valores morais e comportamento ético. O político comprometido com o bem-comum, sem uma base eleitoral fisiológica, é uma espécie em extinção nas eleições proporcionais. O que emerge é o candidato com “estrutura”, que cada vez mais vê a política como “negócio”. O que fazer diante disso? Talvez a única reforma eficaz seja a adoção do voto distrital puro ou misto, mas não existe massa crítica no Congresso para isso.
O poder
O presidente Lula chegou ao poder sem ter feito uma carreira no Executivo, nem sequer no parlamento. Apostou seu futuro político no movimento sindical, na construção de um partido de base operária e na disputa de sucessivas eleições presidenciais. Deu certo. Contraditoriamente, no “governo de compromisso” que construiu, operou a cooptação política da maioria das lideranças sociais e empresariais e utilizou com maestria a máquina pública para se reeleger. Agora, com experiência adquirida, impõe de cima para baixo a candidatura da ministra Dilma, gerente do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e mandachuva na Esplanada dos Ministérios.
Não faz nada muito diferente do que acontece nos governos estaduais e prefeituras do país, com maior ou menor cara de pau, numa franja da legislação eleitoral que não existe por acaso. Tanto o patrimonialismo, como o populismo, são práticas associadas ao Estado. O primeiro para privilégios das elites; o segundo, para cooptação da grande massa de eleitores. Qualquer governo, seja ele bom ou mau, se impõe à sociedade porque é a forma mais concentrada de poder. Enfeixa as atribuições essenciais do Estado: o poder “jurisdicional” de aplicar a lei; de impor tributos e arrecadar; e de usar a força para coagir. Numa eleição, é sempre uma força decisiva. Se for bom governo, será imbatível; se for um mau governo, aí então, pode ser derrotado. Isso virou quase uma regra com a reeleição.
Garantir a paridade de meios numa disputa eleitoral, portanto, não é nada fácil. Mas é para isso que existe a Justiça Eleitoral.No regime democrático, todo ato administrativo tem repercussão eleitoral. Isso só não ocorre na ditadura, porque não há eleições livres. De igual maneira, na democracia, existe imprensa livre para denunciar, dentre outras irregularidades, o uso indevido da máquina pública com fins eleitorais.
Publicado hoje na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense
Por Luiz Carlos Azedo
Para o vice-procurador eleitoral Francisco Xavier, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, não fizeram campanha eleitoral durante o Encontro Nacional de Novos Prefeitos e Prefeitas realizado em Brasília, em 10 e 11 de fevereiro. Segundo ele, o encontro foi suprapartidário e não caracterizou compra de voto por parte dos petistas, como alegou a oposição ao representar no Tribunal Superior Eleitoral. Agora, o ministro Arnaldo Versiani, relator do caso, fará sua interpretação sobre o caso e o levará ao plenário do TSE.
Até os mármores do Palácio do Planalto sabem que Dilma é candidata à sucessão de Lula em 2010. Alavanca sua candidatura por meio de eventos e solenidades oficiais, mas Xavier atribui o fato à imprensa, que trata a ministra como futura candidata, como acontece aqui nesta coluna, embora Dilma nunca tenha se apresentado formalmente como candidata. Os elogios de Lula à sua pessoa não configurariam propaganda irregular, argumenta. O caso será apreciado pelo TSE num momento em que a Justiça acaba de cassar dois governadores, o da Paraíba e do Maranhão, por uso irregular da máquina pública durante a campanha. O primeiro caso já transitou em julgado, o segundo ainda aguarda julgamento de recurso. E ainda há mais seis governadores na berlinda pelo mesmo motivo.
Nova jurisprudência está sendo construída nesse jogo de esconde-esconde da candidatura de Dilma e na apreciação dos casos dos governadores acusados de usar a máquina pública em proveito eleitoral. Será uma forma de aperfeiçoamento do nosso sistema democrático. Como tenho destacado aqui, o Brasil tem a maior democracia de massas do mundo, com voto direto, secreto e universal, eleições limpas e apuração quase instantânea. É um exemplo nesse aspecto. Mas, em contrapartida, enfrenta uma crise de representação política e degenerescência partidária que tem várias causas.
Uma delas, com toda certeza, é o uso generalizado da máquina pública nas eleições, impondo à sociedade um perfil de político “fazedor de obras” e “prestador de serviços”. Esses é que cada vez mais se elegem, em detrimento daqueles que conquistam o mandato graças ao “voto de opinião”, por suas ideias políticas, valores morais e comportamento ético. O político comprometido com o bem-comum, sem uma base eleitoral fisiológica, é uma espécie em extinção nas eleições proporcionais. O que emerge é o candidato com “estrutura”, que cada vez mais vê a política como “negócio”. O que fazer diante disso? Talvez a única reforma eficaz seja a adoção do voto distrital puro ou misto, mas não existe massa crítica no Congresso para isso.
O poder
O presidente Lula chegou ao poder sem ter feito uma carreira no Executivo, nem sequer no parlamento. Apostou seu futuro político no movimento sindical, na construção de um partido de base operária e na disputa de sucessivas eleições presidenciais. Deu certo. Contraditoriamente, no “governo de compromisso” que construiu, operou a cooptação política da maioria das lideranças sociais e empresariais e utilizou com maestria a máquina pública para se reeleger. Agora, com experiência adquirida, impõe de cima para baixo a candidatura da ministra Dilma, gerente do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e mandachuva na Esplanada dos Ministérios.
Não faz nada muito diferente do que acontece nos governos estaduais e prefeituras do país, com maior ou menor cara de pau, numa franja da legislação eleitoral que não existe por acaso. Tanto o patrimonialismo, como o populismo, são práticas associadas ao Estado. O primeiro para privilégios das elites; o segundo, para cooptação da grande massa de eleitores. Qualquer governo, seja ele bom ou mau, se impõe à sociedade porque é a forma mais concentrada de poder. Enfeixa as atribuições essenciais do Estado: o poder “jurisdicional” de aplicar a lei; de impor tributos e arrecadar; e de usar a força para coagir. Numa eleição, é sempre uma força decisiva. Se for bom governo, será imbatível; se for um mau governo, aí então, pode ser derrotado. Isso virou quase uma regra com a reeleição.
Garantir a paridade de meios numa disputa eleitoral, portanto, não é nada fácil. Mas é para isso que existe a Justiça Eleitoral.No regime democrático, todo ato administrativo tem repercussão eleitoral. Isso só não ocorre na ditadura, porque não há eleições livres. De igual maneira, na democracia, existe imprensa livre para denunciar, dentre outras irregularidades, o uso indevido da máquina pública com fins eleitorais.
Publicado hoje na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense
quinta-feira, 12 de março de 2009
As casas do PAC
Desperdiça-se a oportunidade de promover uma grande reforma urbana, o que exigiria maciços investimentos em transportes de messa na reurbanização das áreas ocupadas irregularmente
Por Luiz Carlos Azedo
O mais ambicioso projeto de alavancagem da candidatura
da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma
Rousseff, à Presidência da República é a distribuição
de um milhão de casas populares, por meio de
um novo programa habitacional que promete colocar no
chinelo o velho programa de construção de grandes conjuntos
habitacionais do Banco Nacional da Habitação do
governo do general Emílio Médice, nos idos da década de
1970. É que seu impacto eleitoral pode ser muito maior do
que as obras de infraestrutura do Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC), pois cria uma marca urbana para a
ministra, já que o Bolsa Família é a cara do presidente Luiz
Inácio lula da Silva e ninguém tasca.
Experiências
Lembro-me muito bem, por exemplo, da construção do
grande conjunto da Rua Dona Romana, no Engenho Novo,
no Rio, que mudou a demografia do bairro e, diga-se de passagem,
era uma opção de moradia só acessível aos assalariados
com carteira assinada, muito distante das possibilidades
dos moradores dos morros do São João e Barro Vermelho,
quase vizinhos. Era um programa habitacional voltado principalmente
para a baixa classe média, que acabou sufocada
pela inflação, a correção monetária e a alta dos juros. Por causa
da alta taxa de inadimplência, gerou uma dívida que hoje
chega a R$ 80 bilhões, como destacou, ontem, o nosso colega
Antônio Machado, na coluna Brasil S/A,aqui no Correio.
O governador Mário Covas, em São Paulo, graças a uma
lei que destinava 1% do ICMS à companhia estadual de habitação,
também realizou um grande programa de construção
de moradias no interior paulista, que eram sorteadas em
eventos muito concorridos. Mas nada disso teve tanto efeito
eleitoral como Projeto Cingapura, de Paulo Maluf, na Prefeitura
de São Paulo. Jogada de marketing de Duda Mendonça,
me recordo da impressão que causou o primeiro deles, numa
favela às margens do Rio Pinheiros, com o seu colorido
berrante, uma espécie de show room para a campanha vitoriosa
de Celso Pitta à sucessão do polêmico prefeito paulistano.
Apesar de condenado por arquitetos e urbanistas, o
projeto arquitetônico caiu no gosto dos moradores da periferia
porque representava um padrão de moradia muito superior aos barracos
ao seu redor. Funcionou perfeitamente na campanha eleitoral, mas
depois Pitta foi aquele desastre que se viu na prefeitura paulistana.
Polêmica
O PAC da Habitação, como está sendo chamado o programa habitacional
desta reta final do governo Lula, nasce polêmico por outros motivos.
O debate sobre sua concepção urbanista até agora não houve. A queda
de braço ocorre nos bastidores da relação do governo Lula com
a maioria dos governadores. Dilma passou por cima dos governos
estaduais e suas companhias habitacionais, negocia diretamente
com as prefeituras e impõe a elas uma espécie de renúncia fiscal
que, supostamente, contraria os limites constitucionais de redução
do ISS. Além disso, a intenção do governo é mobilizar as
grandes empreiteiras para construir e entregar as casas
antes das eleições de 2010.
É um programa voltado principalmente para os morros e
periferias das grandes cidades, onde o impacto do programa
Bolsa Família na qualidade de vida da população é amortecido
pelas péssimas condições de moradia e os custos elevados
da vida urbana caótica. Desde o Plano Real, no governo
Fernando Henrique Cardoso, com o barateamento do material
de construção, a ocupação irregular do solo sofreu grande
expansão. A autoconstrução consolidou favelas, loteamentos
e condomínios irregulares. Melhorou o padrão das
moradias, mas ao preço de um padrão urbano muitíssimo
abaixo daquele que caracterizou a formação dos bairros e
subúrbios das principais cidades do país.
O Ministério das Cidades recebeu mais R$ 20 bilhões para o
Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social para a oferta
a preço de custo ou gratuita de casas aos mais necessitados,
como já anunciou a ministra Dilma. A romaria dos prefeitos
em busca desses recursos já começou, mas até agora não se viu
nada de realmente ambicioso e reformador para nossas cidades.
Desperdiça-se a oportunidade de promover uma grande
reforma urbana, o que exigiria maciços investimentos em
transportes de massa e na reurbanização das áreas ocupadas
irregularmente, com alargamento de ruas, construção de avenidas,
verticalização das moradias e remoção de moradores
em áreas de risco e de proteção ambiental. O reaproveitamento
das áreas degradadas dos grandes centros, que já dispõem
de boa infraestrutura urbana, também merece investimentos
maciços em projetos revolucionários, como fizeram cidades
como Nova York, Barcelona e Buenos Aires.
Publicado quarta-feira, 11 de março, na Coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense
Por Luiz Carlos Azedo
O mais ambicioso projeto de alavancagem da candidatura
da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma
Rousseff, à Presidência da República é a distribuição
de um milhão de casas populares, por meio de
um novo programa habitacional que promete colocar no
chinelo o velho programa de construção de grandes conjuntos
habitacionais do Banco Nacional da Habitação do
governo do general Emílio Médice, nos idos da década de
1970. É que seu impacto eleitoral pode ser muito maior do
que as obras de infraestrutura do Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC), pois cria uma marca urbana para a
ministra, já que o Bolsa Família é a cara do presidente Luiz
Inácio lula da Silva e ninguém tasca.
Experiências
Lembro-me muito bem, por exemplo, da construção do
grande conjunto da Rua Dona Romana, no Engenho Novo,
no Rio, que mudou a demografia do bairro e, diga-se de passagem,
era uma opção de moradia só acessível aos assalariados
com carteira assinada, muito distante das possibilidades
dos moradores dos morros do São João e Barro Vermelho,
quase vizinhos. Era um programa habitacional voltado principalmente
para a baixa classe média, que acabou sufocada
pela inflação, a correção monetária e a alta dos juros. Por causa
da alta taxa de inadimplência, gerou uma dívida que hoje
chega a R$ 80 bilhões, como destacou, ontem, o nosso colega
Antônio Machado, na coluna Brasil S/A,aqui no Correio.
O governador Mário Covas, em São Paulo, graças a uma
lei que destinava 1% do ICMS à companhia estadual de habitação,
também realizou um grande programa de construção
de moradias no interior paulista, que eram sorteadas em
eventos muito concorridos. Mas nada disso teve tanto efeito
eleitoral como Projeto Cingapura, de Paulo Maluf, na Prefeitura
de São Paulo. Jogada de marketing de Duda Mendonça,
me recordo da impressão que causou o primeiro deles, numa
favela às margens do Rio Pinheiros, com o seu colorido
berrante, uma espécie de show room para a campanha vitoriosa
de Celso Pitta à sucessão do polêmico prefeito paulistano.
Apesar de condenado por arquitetos e urbanistas, o
projeto arquitetônico caiu no gosto dos moradores da periferia
porque representava um padrão de moradia muito superior aos barracos
ao seu redor. Funcionou perfeitamente na campanha eleitoral, mas
depois Pitta foi aquele desastre que se viu na prefeitura paulistana.
Polêmica
O PAC da Habitação, como está sendo chamado o programa habitacional
desta reta final do governo Lula, nasce polêmico por outros motivos.
O debate sobre sua concepção urbanista até agora não houve. A queda
de braço ocorre nos bastidores da relação do governo Lula com
a maioria dos governadores. Dilma passou por cima dos governos
estaduais e suas companhias habitacionais, negocia diretamente
com as prefeituras e impõe a elas uma espécie de renúncia fiscal
que, supostamente, contraria os limites constitucionais de redução
do ISS. Além disso, a intenção do governo é mobilizar as
grandes empreiteiras para construir e entregar as casas
antes das eleições de 2010.
É um programa voltado principalmente para os morros e
periferias das grandes cidades, onde o impacto do programa
Bolsa Família na qualidade de vida da população é amortecido
pelas péssimas condições de moradia e os custos elevados
da vida urbana caótica. Desde o Plano Real, no governo
Fernando Henrique Cardoso, com o barateamento do material
de construção, a ocupação irregular do solo sofreu grande
expansão. A autoconstrução consolidou favelas, loteamentos
e condomínios irregulares. Melhorou o padrão das
moradias, mas ao preço de um padrão urbano muitíssimo
abaixo daquele que caracterizou a formação dos bairros e
subúrbios das principais cidades do país.
O Ministério das Cidades recebeu mais R$ 20 bilhões para o
Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social para a oferta
a preço de custo ou gratuita de casas aos mais necessitados,
como já anunciou a ministra Dilma. A romaria dos prefeitos
em busca desses recursos já começou, mas até agora não se viu
nada de realmente ambicioso e reformador para nossas cidades.
Desperdiça-se a oportunidade de promover uma grande
reforma urbana, o que exigiria maciços investimentos em
transportes de massa e na reurbanização das áreas ocupadas
irregularmente, com alargamento de ruas, construção de avenidas,
verticalização das moradias e remoção de moradores
em áreas de risco e de proteção ambiental. O reaproveitamento
das áreas degradadas dos grandes centros, que já dispõem
de boa infraestrutura urbana, também merece investimentos
maciços em projetos revolucionários, como fizeram cidades
como Nova York, Barcelona e Buenos Aires.
Publicado quarta-feira, 11 de março, na Coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense
Jobim e os búfalos
Os Estados Unidos eram o potencial
"inimigo principal". A eleição de Barack Obama,
porém, transforma essa preocupação numa espécie de delírio.
Por Luiz Carlos Azedo
No começo da semana passada, vestido para a guerra,
o ministro da Defesa, Nelson Jobim, depois de voar
duas horas em aviões da FAB, visitou o Pelotão de
Fronteira de Ipiranga, na divisa com a Colômbia,
acompanhado do chefe do Estado-Maior Conjunto das
Forças Armadas dos Estados Unidos, almirante Mike
Mullen, e sua comitiva. A visita teve por objetivo dar aos
militares ianques uma visão geral da estrutura
de Defesa brasileira na Amazônia. Mullen é o segundo
homem na hierarquia militar dos Estados Unidos.
Amazônia
Ciceroneados pelo comandante militar da Amazônia,
generalAugusto Heleno Ribeiro, os militares
americanos conheceram os problemas de logística
e as principais armas brasileiras para o combate
nas selvas e nas fronteiras: soldados de origem
indígena e búfalos. Sim, búfalos, perfeitamente
adaptados ao terreno, depois de pesquisas com
outros animais de cargas, como cavalos, jegues e mulas.
Eles conseguem transportar o equivalente ao seu peso,
e podem tracionar o dobro. Um búfalo adulto se
alimenta da própria selva e carrega a comida
consumida por 10 combatentes durante uma semana.
Isso significa autonomia operacional para uma patrulha
oupequeno grupo de artilharia por igual período.
Participaram da comitiva o embaixador dos Estados Unidos
no Brasil, Clifford Sobel, os comandantes da Marinha,
almirante-de-Esquadra Júlio Soares de Moura Neto; do
Exército, general-de-exército Enzo Martins Peri; e
da Aeronáutica,tenente-brigadeiro-do-ar Juniti Saito.
Em sua palestra,o general Heleno destacou que
a região não é para o mais forte, “é do mais sóbrio e
inteligente, que pode durar mais na
ação”. Detalhe: os búfalos foram usados pelos
vietcongs naGuerra do Vietnã.
Heleno, aquele general que protestou por causa
da demarcação em terras contínuas da reserva
indígena Raposa-Serrra do Sol, é considerado
oficial brilhante e exerce liderança na tropa.
Defende o deslocamento dos principais
efetivos das Forças para a Amazônia e também
pensa que o Brasil não deve subestimar os
históricos interesses “anglo-saxões” na região.
Talvez por isso, a fronteira escolhida para a
visita tenha sido a daColômbia, cuja aliança
militar com os Estados Unidos é estratégica,
por causa das FARC e do narcotráfico, e não
a da Venezuela,do nosso histriônico vizinho
Hugo Chávez. Por trás do eufemismo de
que o “inimigo pode ser qualquer um” do Plano
de Defesa Nacional do governo Lula, está a
ideia de que os Estados Unidos têm
olho grande na Amazônia. O Exército treina
soldados-índios e cria búfalos porque sabe
que nem a Marinha nem a Aeronáutica teriam
condições de enfrentar uma improvável
agressão norte-americana. Sem poder de
dissuasão, a única alternativa militar
seria a guerra de guerrilhas contra
uma eventual força de ocupação, principalmente
na Amazônia.Parece ideia de jerico, mas os
militares acham que tudo pode acontecer
daqui a 50 anos, com o esgotamentode
reservas de petróleo, manganês, urânio, nióbio e outros
minerais estratégicos cobiçados pelos Estados Unidos.
O Rubicão
O ministro Jobim é considerado o primeiro ministro da Defesa
de fato pela linha-dura do Exército. Homem de Estado,
foi o subrelator da atual Constituição brasileira e presidente
do Supremo Tribunal Federal. Se voltar para a advocacia
amanhã, terá o crédito de deixar como legado, juntamente
com o ministro Mangabeira Unger, um Plano de Defesa digno
desse nome, visando fortalecer a indústria bélica nacional
e construir um relativo “poder de dissuasão”. Nos bastidores,
Jobim compartilha as mesmas preocupações nacionalistas
de nossos militares. Mas o Plano foi elaborado num
cenário de deriva à esquerda da América Sul, em confronto
com a belicosa política externa do ex-presidente Bush. Os
Estados Unidos eram o potencial “inimigo principal”. A eleição
de Barack Obama, porém, transforma essa preocupação
numa espécie de delírio ultranacionalista.
É aí que surgem novas divergências em relação ao Plano
de Defesa, principalmente por causa da crise econômica,
envolvendo a autonomia dos comandos e as prioridades para
o reaparelhamento das Forças Armadas. Jobim resolveu
afirmar o Poder Civil e subordinar o Exército, a Aeronáutica e
a Marinha ao Estado-Maior Conjunto da Defesa, a quem caberia
elaborar o orçamento, estabelecer as prioridades para
o reaparelhamento militar e liberar recursos para os projetos
e licitações aprovados. O Alto Comando do Exército não
aceita a mudança, quer manter o orçamento próprio. Quem
lidera a "rebelião" é o comandante Militar do Leste, generalde-
exército Luiz Cesário da Silveira Filho, um remanescente
da antiga linha-dura do regime militar.
Publicado dia 8 de março na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense
"inimigo principal". A eleição de Barack Obama,
porém, transforma essa preocupação numa espécie de delírio.
Por Luiz Carlos Azedo
No começo da semana passada, vestido para a guerra,
o ministro da Defesa, Nelson Jobim, depois de voar
duas horas em aviões da FAB, visitou o Pelotão de
Fronteira de Ipiranga, na divisa com a Colômbia,
acompanhado do chefe do Estado-Maior Conjunto das
Forças Armadas dos Estados Unidos, almirante Mike
Mullen, e sua comitiva. A visita teve por objetivo dar aos
militares ianques uma visão geral da estrutura
de Defesa brasileira na Amazônia. Mullen é o segundo
homem na hierarquia militar dos Estados Unidos.
Amazônia
Ciceroneados pelo comandante militar da Amazônia,
generalAugusto Heleno Ribeiro, os militares
americanos conheceram os problemas de logística
e as principais armas brasileiras para o combate
nas selvas e nas fronteiras: soldados de origem
indígena e búfalos. Sim, búfalos, perfeitamente
adaptados ao terreno, depois de pesquisas com
outros animais de cargas, como cavalos, jegues e mulas.
Eles conseguem transportar o equivalente ao seu peso,
e podem tracionar o dobro. Um búfalo adulto se
alimenta da própria selva e carrega a comida
consumida por 10 combatentes durante uma semana.
Isso significa autonomia operacional para uma patrulha
oupequeno grupo de artilharia por igual período.
Participaram da comitiva o embaixador dos Estados Unidos
no Brasil, Clifford Sobel, os comandantes da Marinha,
almirante-de-Esquadra Júlio Soares de Moura Neto; do
Exército, general-de-exército Enzo Martins Peri; e
da Aeronáutica,tenente-brigadeiro-do-ar Juniti Saito.
Em sua palestra,o general Heleno destacou que
a região não é para o mais forte, “é do mais sóbrio e
inteligente, que pode durar mais na
ação”. Detalhe: os búfalos foram usados pelos
vietcongs naGuerra do Vietnã.
Heleno, aquele general que protestou por causa
da demarcação em terras contínuas da reserva
indígena Raposa-Serrra do Sol, é considerado
oficial brilhante e exerce liderança na tropa.
Defende o deslocamento dos principais
efetivos das Forças para a Amazônia e também
pensa que o Brasil não deve subestimar os
históricos interesses “anglo-saxões” na região.
Talvez por isso, a fronteira escolhida para a
visita tenha sido a daColômbia, cuja aliança
militar com os Estados Unidos é estratégica,
por causa das FARC e do narcotráfico, e não
a da Venezuela,do nosso histriônico vizinho
Hugo Chávez. Por trás do eufemismo de
que o “inimigo pode ser qualquer um” do Plano
de Defesa Nacional do governo Lula, está a
ideia de que os Estados Unidos têm
olho grande na Amazônia. O Exército treina
soldados-índios e cria búfalos porque sabe
que nem a Marinha nem a Aeronáutica teriam
condições de enfrentar uma improvável
agressão norte-americana. Sem poder de
dissuasão, a única alternativa militar
seria a guerra de guerrilhas contra
uma eventual força de ocupação, principalmente
na Amazônia.Parece ideia de jerico, mas os
militares acham que tudo pode acontecer
daqui a 50 anos, com o esgotamentode
reservas de petróleo, manganês, urânio, nióbio e outros
minerais estratégicos cobiçados pelos Estados Unidos.
O Rubicão
O ministro Jobim é considerado o primeiro ministro da Defesa
de fato pela linha-dura do Exército. Homem de Estado,
foi o subrelator da atual Constituição brasileira e presidente
do Supremo Tribunal Federal. Se voltar para a advocacia
amanhã, terá o crédito de deixar como legado, juntamente
com o ministro Mangabeira Unger, um Plano de Defesa digno
desse nome, visando fortalecer a indústria bélica nacional
e construir um relativo “poder de dissuasão”. Nos bastidores,
Jobim compartilha as mesmas preocupações nacionalistas
de nossos militares. Mas o Plano foi elaborado num
cenário de deriva à esquerda da América Sul, em confronto
com a belicosa política externa do ex-presidente Bush. Os
Estados Unidos eram o potencial “inimigo principal”. A eleição
de Barack Obama, porém, transforma essa preocupação
numa espécie de delírio ultranacionalista.
É aí que surgem novas divergências em relação ao Plano
de Defesa, principalmente por causa da crise econômica,
envolvendo a autonomia dos comandos e as prioridades para
o reaparelhamento das Forças Armadas. Jobim resolveu
afirmar o Poder Civil e subordinar o Exército, a Aeronáutica e
a Marinha ao Estado-Maior Conjunto da Defesa, a quem caberia
elaborar o orçamento, estabelecer as prioridades para
o reaparelhamento militar e liberar recursos para os projetos
e licitações aprovados. O Alto Comando do Exército não
aceita a mudança, quer manter o orçamento próprio. Quem
lidera a "rebelião" é o comandante Militar do Leste, generalde-
exército Luiz Cesário da Silveira Filho, um remanescente
da antiga linha-dura do regime militar.
Publicado dia 8 de março na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense
quarta-feira, 4 de março de 2009
Guerra de posições
Lula não poderia esperar junho do próximo ano para ungir uma candidatura de sua coalizão sem perder o controle da própria sucessão
Por Luiz Carlos Azedo
A legislação vigente restringe as campanhas eleitorais ao curto período de três meses que antecedem a eleição, mas até o vereador do mais remoto município brasileiro sabe que a sucessão de 2010 já começou. É muito simples: a não ser que fosse candidato ao terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não poderia ficar de braços cruzados para assistir ao favoritismo do governador de São Paulo, José Serra (PSDB), que se finge de morto, se materializar numa candidatura imbatível. O mesmo ocorre com o governador de Minas, Aécio Neves, que pleiteia a vaga de candidato tucano, e com o ex-ministro do Interior Ciro Gomes (PSB-CE), que já sobe o tom dos ataques à aliança PT-PMDB.
Candidatura única
Apesar de declarações em contrário, Lula de fato deu a largada para sua própria sucessão para consolidar a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, ungida como herdeira de seu projeto de poder pela firmeza na condução dos negócios de governo. Digo isso de forma conceitual, porque se a prioridade fossem as políticas públicas para as camadas de baixa renda, o candidato oficial seria o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, o grande gestor do programa Bolsa Família, que tanto prestígio deu ao governo. Dilma se destacou na Esplanada dos Ministérios à frente do Ministério de Minas e Energia, polo estratégico das relações do governo com o setor produtivo e as grandes empresas privadas do país. E, ao substituir o ex-deputado José Dirceu no cargo que hoje ocupa, ampliou sua influência para todos os demais setores do governo, além de centralizar os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que substituiu o fracassado programa de parcerias público-privadas do primeiro mandato.
No primeiro momento, o objetivo do presidente Lula foi inibir outras possíveis candidaturas petistas — como as do ministro da Justiça, Tarso Genro, e do governador da Bahia, Jaques Wagner — e consolidar o nome de Dilma como candidata do PT o quanto antes, sem contestação. A tarefa foi facilitada por resultados eleitorais que afastaram da disputa nomes como o do senador Aloizio Mercadante (PT-SP) e da ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy, sem falar no escândalo que derrubou e carbonizou o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci. Agora, no segundo momento, Lula força a barra para impor o nome de Dilma como candidata única da ampla coalizão de governo. Cotovela o bloquinho PSB-PCdoB aglutinado em torno da candidatura de Ciro Gomes, de um lado, e tenta seduzir a cúpula do PMDB, de outro, para evitar que a legenda derive em direção ao governador Aécio Neves.
Duas táticas
Lula compreendeu que a sucessão em 2010 não tem as características de uma “guerra de movimento”, como ocorreu da eleição de Fernando Color de Mello, em 1989, até sua chegada ao poder, em 2002. A grande massa de eleitores só entrava na disputa eleitoral na reta final do pleito e seu deslocamento decidia a eleição, muitas vezes sob influência da classe média mais politizada. Desde 2006, porém, as camadas mais pobres se posicionam eleitoralmente antes mesmo do que as parcelas supostamente mais esclarecidas da sociedade. Essa mudança de comportamento fará da disputa de 2010 uma espécie de “guerra de posições”, como aconteceu na reeleição de Lula, em 2006. O mapa geopolítico do país, redesenhado pelas eleições municipais passadas, já aponta nessa direção.
O fato é que esse eleitorado de pobres e excluídos tende a votar no projeto de continuidade do governo Lula, a não ser que a crise o atinja a ponto de neutralizar os benefícios do aumento real do salário mínimo, das aposentadorias rurais e dos programas sociais como Bolsa Família e o ProUni. É por isso que Serra se finge de morto, Ciro engole os sapos e Aécio fala em pós-Lula. Nesse cenário de “guerra de posições”, Lula não poderia esperar junho do próximo ano para ungir uma candidatura de sua coalizão de governo sem perder o controle da própria sucessão. Nem teria tempo suficiente para viabilizar uma candidatura da “máquina” como a de Dilma, que seria desidratada pelas forças centrífugas do processo eleitoral. Não criaria em torno dela a expectativa de poder capaz de evitar a debandada dos aliados em direção aos candidatos mais fortes. Seu eleitorado, sem tempo para construir uma identidade com Dilma, ficaria orfão na eleição e novamente se comportaria como biruta de aeroporto. Lula só poderia esperar junho de 2010 se fosse ele próprio o candidato, razão pela qual essa hipótese, teoricamente, ainda não pode ser inteiramente descartada. Mas fica cada vez mais remota na medida em que Dilma se viabiliza como candidata.
Publicado hoje na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense
Por Luiz Carlos Azedo
A legislação vigente restringe as campanhas eleitorais ao curto período de três meses que antecedem a eleição, mas até o vereador do mais remoto município brasileiro sabe que a sucessão de 2010 já começou. É muito simples: a não ser que fosse candidato ao terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não poderia ficar de braços cruzados para assistir ao favoritismo do governador de São Paulo, José Serra (PSDB), que se finge de morto, se materializar numa candidatura imbatível. O mesmo ocorre com o governador de Minas, Aécio Neves, que pleiteia a vaga de candidato tucano, e com o ex-ministro do Interior Ciro Gomes (PSB-CE), que já sobe o tom dos ataques à aliança PT-PMDB.
Candidatura única
Apesar de declarações em contrário, Lula de fato deu a largada para sua própria sucessão para consolidar a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, ungida como herdeira de seu projeto de poder pela firmeza na condução dos negócios de governo. Digo isso de forma conceitual, porque se a prioridade fossem as políticas públicas para as camadas de baixa renda, o candidato oficial seria o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, o grande gestor do programa Bolsa Família, que tanto prestígio deu ao governo. Dilma se destacou na Esplanada dos Ministérios à frente do Ministério de Minas e Energia, polo estratégico das relações do governo com o setor produtivo e as grandes empresas privadas do país. E, ao substituir o ex-deputado José Dirceu no cargo que hoje ocupa, ampliou sua influência para todos os demais setores do governo, além de centralizar os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que substituiu o fracassado programa de parcerias público-privadas do primeiro mandato.
No primeiro momento, o objetivo do presidente Lula foi inibir outras possíveis candidaturas petistas — como as do ministro da Justiça, Tarso Genro, e do governador da Bahia, Jaques Wagner — e consolidar o nome de Dilma como candidata do PT o quanto antes, sem contestação. A tarefa foi facilitada por resultados eleitorais que afastaram da disputa nomes como o do senador Aloizio Mercadante (PT-SP) e da ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy, sem falar no escândalo que derrubou e carbonizou o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci. Agora, no segundo momento, Lula força a barra para impor o nome de Dilma como candidata única da ampla coalizão de governo. Cotovela o bloquinho PSB-PCdoB aglutinado em torno da candidatura de Ciro Gomes, de um lado, e tenta seduzir a cúpula do PMDB, de outro, para evitar que a legenda derive em direção ao governador Aécio Neves.
Duas táticas
Lula compreendeu que a sucessão em 2010 não tem as características de uma “guerra de movimento”, como ocorreu da eleição de Fernando Color de Mello, em 1989, até sua chegada ao poder, em 2002. A grande massa de eleitores só entrava na disputa eleitoral na reta final do pleito e seu deslocamento decidia a eleição, muitas vezes sob influência da classe média mais politizada. Desde 2006, porém, as camadas mais pobres se posicionam eleitoralmente antes mesmo do que as parcelas supostamente mais esclarecidas da sociedade. Essa mudança de comportamento fará da disputa de 2010 uma espécie de “guerra de posições”, como aconteceu na reeleição de Lula, em 2006. O mapa geopolítico do país, redesenhado pelas eleições municipais passadas, já aponta nessa direção.
O fato é que esse eleitorado de pobres e excluídos tende a votar no projeto de continuidade do governo Lula, a não ser que a crise o atinja a ponto de neutralizar os benefícios do aumento real do salário mínimo, das aposentadorias rurais e dos programas sociais como Bolsa Família e o ProUni. É por isso que Serra se finge de morto, Ciro engole os sapos e Aécio fala em pós-Lula. Nesse cenário de “guerra de posições”, Lula não poderia esperar junho do próximo ano para ungir uma candidatura de sua coalizão de governo sem perder o controle da própria sucessão. Nem teria tempo suficiente para viabilizar uma candidatura da “máquina” como a de Dilma, que seria desidratada pelas forças centrífugas do processo eleitoral. Não criaria em torno dela a expectativa de poder capaz de evitar a debandada dos aliados em direção aos candidatos mais fortes. Seu eleitorado, sem tempo para construir uma identidade com Dilma, ficaria orfão na eleição e novamente se comportaria como biruta de aeroporto. Lula só poderia esperar junho de 2010 se fosse ele próprio o candidato, razão pela qual essa hipótese, teoricamente, ainda não pode ser inteiramente descartada. Mas fica cada vez mais remota na medida em que Dilma se viabiliza como candidata.
Publicado hoje na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense