segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Esperando por Obama

A antecipação de medidas anticíclicas em todo mundo será capaz de evitar a depressão mundial? A resposta dependerá da eficácia das decisões do novo presidente dos EUA

Por Luiz Carlos Azedo


O mundo espera a posse do novo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, no próximo dia 20, para fazer alguma previsão sobre o que acontecerá em 2009. É como se o novo ano demorasse mais um pouco para começar, embora aqui no Brasil, tradicionalmente, todos puxem o freio de mão até o carnaval.

A guinada

Os mais otimistas apostam numa mudança política nos EUA, com muitas repercussões no mundo. A primeira seria na política internacional propriamente dita, na qual a diplomacia viria à frente do belicismo, para reverter uma concepção militarista que marcou o governo Bush e que ainda ruge na Faixa de Gaza. A segunda, em grande medida, ocorreria em relação à política de petróleo, com o gigante do Norte em busca de um novo padrão energético, menos dependente do carbono, o que seria muito bom para o planeta achar o rumo do desenvolvimento sustentável. Os pessimistas acham graça dessa expectativa, avaliam que os norte-americanos são predadores por natureza e não perderão a oportunidade de aproveitar o petróleo mais barato para reativar seu velho complexo militar-industrial e voltar a ser o que sempre foram: imperialistas. Prefiro começar 2009 com a esperança das utopias.

A propósito, li uma entrevista muito interessante do jornalista francês Marc Saint-Upéry, reproduzida no blog do meu amigo Gilvan Cavalcanti de Melo (gilvanmelo.blogspot.com), na qual ele trata da crise mundial e da esquerda socialista. Cita Ralph Nader, aquele candidato alternativo a presidente dos Estados Unidos que nunca foi levado muito a sério. Segundo Nader, quando era criança, seu pai fazia a seguinte pergunta: “Por que o capitalismo sempre sobreviverá?” E ele próprio respondia: “Porque sempre se usará o socialismo para salvá-lo”.

É mais ou menos essa lógica que me leva a acreditar que Obama adotará medidas reformadoras. Ele precisa delas para enfrentar a crise econômica. Sua política é uma mescla de trabalhismo, intervencionismo e preocupações verdes: mais sinergia entre público e privado, grandes programas estatais e ações de governo para estimular a economia e acelerar a transição a um modelo energético sustentável. Não é pouco para os EUA. Alguns podem ponderar que sua equipe é pluralista demais, tem muitos conservadores. Não importa. Como Saint-Upéry lembra em sua entrevista, o mundo já virou o disco. Segundo ele, quando o capitalismo enlouquece e desaba o mito do mercado autorregulado, se redescobre o receituário intervencionista e se escutam discursos anticapitalistas de parte de políticos conservadores. É o caso do presidente francês Nicolas Sarkozy. Por igual razão, artigos sobre o pensamento econômico de Marx, com sua “lei da tendência decrescente da taxa de lucro”, começam surgir em tradicionais revistas de economia ou são citados por figuras como o megaespeculador George Soros. É que o fetiche da mercadoria virou a “reificação” do mercado.

O tranco
A crise chegou ao Brasil, com menos intensidade do que a turma do “quanto pior, melhor” previa, mas já atrapalha a vida do governo, das empresas e dos cidadãos. Num primeiro momento, ela foi vista com jubilo pela esquerda, pois representou o colapso do neoliberalismo. Mas agora se verifica que é algo mais grave e sobra pra todo mundo: uma crise capitalista semelhante à de 1929. Porém, o peso do Estado na economia é muito maior, sobretudo na Europa e na Ásia, mesmo com a onda de privatizações e regulamentações que ocorreu na década de 1980. Essa força serviria de alavanca para governos de todos os matizes — conservadores, trabalhistas, social-democratas, populistas — reagirem à crise mundial. O governo Lula não é exceção.

Faz-se o que Lord Keynes preconizou como saída da crise em 1929, em maior ou menor grau. Sua velha teoria sobre as bolhas especulativas foi confirmada nessa crise. Mas há uma grande interrogação: a antecipação de medidas anticíclicas em todo mundo será capaz de evitar outra grande depressão? A resposta dependerá da eficácia das decisões do novo presidente dos EUA. Há uma contradição entre a superprodução mundial e a capacidade real de consumo dos países, inclusive a China, porque a renda real (principalmente a massa salarial) não acompanhou essa expansão. O déficit em conta corrente dos EUA, durante 30 anos, de certa forma alavancou a bolha do crédito e o consumismo. Gerou uma assimetria perversa do sistema financeiro, que bancou o consumo norte-americano 7% acima do que seria possível. Agora, o mundo está pagando a conta, porque tirou muito proveito disso. Nos anos 1990, a Ásia, o Brasil e a Rússia atraíram grandes fluxos de capitais e créditos; com a crise, o crédito sumiu e os investidores estão voltando aos títulos norte-americanos. Esse é o tranco.

Publicada em 4 de janeiro de 2009 na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense

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