domingo, 21 de dezembro de 2008

Do céu, só cai chuva

Toda vez que ocorre uma tragédia, a desculpa é a mesma: nunca choveu tanto no local. Na verdade, o país não tem um eficiente sistema de defesa civil

Por Luiz Carlos Azedo


Uma das vantagens estratégicas do Brasil são as condições climáticas. Mesmo onde a natureza é menos favorável, como o sertão nordestino, é possível desenvolver atividades produtivas, com até duas colheitas por ano, principalmente na fruticultura. Nós não temos tragédias naturais, como terremotos, tsunamis, vulcões e nevascas. Desse ponto de vista, o Brasil é um país abençoado. Mas as chuvas por aqui começam a causar grandes tragédias humanas, por causa das mudanças climáticas e do descaso de autoridades.

Clima
As projeções de mudanças climáticas no Brasil levam em consideração dois fatores: a temperatura e as chuvas. Na Amazônia, Nordeste e Sul do Brasil, os modelos prevêem um aumento sistemático dos extremos da temperatura do ar, embora essa também seja uma tendência para o restante do país. Em relação às chuvas, a previsão é dramática: choverá menos na Amazônia e no Nordeste; nas demais regiões, as chuvas intensas serão mais freqüentes.

O El Niño, que resulta do aquecimento das águas do Oceano Pacífico na altura da costa do Peru, sempre foi apontado como o culpado por esses fenômenos severos. Por exemplo, a grande estiagem provocada pelo El Niño de 1998 reduziu consideravelmente as chuvas na Amazônia e tornou as florestas inflamáveis. Naquele ano, 1,3 milhão de hectares de floresta em pé queimaram no estado de Roraima. Outros 4 milhões foram atingidos pelo fogo no sul do estado do Pará e norte do Mato Grosso. Agora, contudo, o culpado pode ser outro: o aquecimento do Oceano Atlântico. Estudos sugerem que a seca nessa parte da Amazônia é resultado do aquecimento na Costa da África e, provavelmente, no Golfo do México.

Previsões
Inundações estão previstas para os vales dos rios e a Ilha de Marajó, na foz do Rio Amazonas. No Pantanal, os modelos apontam para um aquecimento que tende a se intensificar até 2080, mas não se sabe se haverá mais chuvas ou estiagem. No Nordeste, manguezais serão afetados pelas cheias. Problemas mais sérios aparecerão em cidades costeiras, como Recife, Aracaju e Maceió, onde a urbanização se expandiu para áreas baixas. O clima mais quente e seco poderá castigar ainda mais a população do sertão. Estão surgindo os “refugiados ambientais”, para aumentar os problemas sociais já existentes nos grandes centros urbanos. Essas mudanças climáticas não têm causas apenas naturais, mas também “antropogênicas”, aquelas atribuídas pelos cientistas à atividade humana, como a emissão de gás carbônico e o desmatamento. No Brasil, segundo os relatórios do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), com os desmatamentos e queimadas, predominam as causas “antropogênicas”.

Esse não é um problema apenas do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. É um novo e grave problema nacional, que envolve prefeitos, governadores e quase todo o governo federal. Não podemos encarar o que aconteceu em Santa Catarina, Vila Velha (ES) e Campos (RJ), e agora em regiões de Minas e Rio de Janeiro, como simples fatalidades. A discussão sobre as mudanças climáticas não é nova, nosso sistema de monitoramento do clima é bastante satisfatório. Não faltam estudos e projetos para evitar que as chuvas se transformem em tragédias. Mas, apesar disso, elas acontecem.

Mobilização

Toda vez que ocorre uma tragédia, a desculpa é a mesma: nunca choveu tanto no local. Na verdade, o país não tem um eficiente sistema de defesa civil, que articule a sociedade e os poderes públicos para monitorar as áreas de risco, rapidamente socorrer as vítimas de inundações e minimizar os prejuízos materiais. Não há planos de contingência para mobilizar as Forças Armadas e os órgãos ligados à Defesa Civil com a escala e a eficiência que a nova situação exige. Ninguém sabe onde a tragédia ocorrerá, mas as áreas de risco são conhecidas. O fato é que as chuvas vão aumentar e o os governos precisam se preparar melhor para isso.

Publicado hoje na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense

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