sábado, 31 de outubro de 2015

Por quem os sinos dobram?

“Nunca se vence uma guerra lutando sozinho

Cê sabe que a gente precisa entrar em contato”, 

Raul Seixas

                               ( http://letras.mus.br/raul-seixas/70211/  )

A referência ao título do romance de Ernest Hemingway, que retrata a Guerra Civil Espanhola, tem muito a ver, mas a inspiração veio mesmo é da música de Raul Seixas. Este texto é uma homenagem aos que foram sequestrados, presos, torturados e mortos porque lutavam pela liberdade e pela democracia no Brasil durante o regime militar. Especialmente àqueles militantes e dirigentes do PCB que o fizeram pacificamente, apenas defendendo com coragem, dedicação e sacrifício pessoal os seus ideais, seja no trabalho clandestino, seja nas suas atividades legais.
É um resumo objetivo, com base em levantamento feito pelo falecido dirigente comunista Hércules Corrêa, sem considerações sobre as causas das “quedas” e o comportamento das pessoas citadas, que foram barbaramente torturadas e, em alguns casos, mortas. Trata detalhadamente do desmantelamento da direção do PCB no interior do país, em meio às prisões de centenas de militantes em diversos estados, principalmente São Paulo. 
Ao contrário do que acontecera até então, as prisões de 1975 foram feitas de cima para baixo, numa operação de “cerco e aniquilamento” que foi denunciada pela Voz Operária de março de 1975, a última editada no país, num editorial intitulado “Viver e Lutar”. Seu autor, o jornalista e membro do Comi Central do PCB Orlando Bonfim Junior, é um dos dirigentes sequestrados e assassinados.
A direção do PCB, porém, foi reorganizada em janeiro de 1976, em Moscou, em reunião da qual participaram Luís Carlos Prestes, Luiz Tenório de Lima, Severino Teodoro de Melo, Zuleika D’Alambert, Agliberto Vieira de Azevedo, Hercules Corrêa dos Reis, Salomão Malina, Orestes Timbaúba e Dinarco Reis, membros efetivos do C.C; foram efetivados no Comitê Central os suplentes Armênio Guedes, José Albuquerque Salles, Lindolfo Silva e Roberto Morena. Na reunião foram promovidos a membros do C.C: Gregório Bezerra, Anita Leocádia Prestes, Marly A G Vianna. A reunião elegeu nova Comissão Executiva, composta por Luís Carlos Prestes, Giocondo Dias (ainda no país), Salomão Malina, Armênio Guedes e José Albuquerque Salles.

A queda das gráficas
No dia 6 de janeiro de 1975, o gráfico Raimundo Alves de Souza, procura um advogado para dizer que estava sendo seguido. Raimundo era o responsável pelas gráficas clandestinas do Rio e São Paulo. A direção foi informada. Raimundo, porém,acabou preso.
No dia 17 de janeiro de 1975, Marco Antônio Tavares Coelho foi preso no Leblon, no Rio de Janeiro, por volta das 20h. Pretendia se encontrar com a esposa e o filho, que fazia aniversário; graças a isso, sua prisão foi imediatamente comunicada aos advogados pelos familiares, o que salvou sua vida.
No dia 23, através de uma entrevista do senador Marcos Freire, a prisão foi denunciada. No dia 30, o ministro da Justiça, Armando Falcão, fez um pronunciamento na rede nacional de televisão, acusando o PCB de infringir as leis de imprensa, orgânica dos partidos políticos (participação nas eleições), de segurança nacional, e, a própria Constituição.
Foi o colapso do trabalho do Comitê Central do PCB. Entre novembro de 1974 e junho de 1976, houve muitas prisões nos estados: São Paulo, 316; Rio de Janeiro, 125; Paraná, 66; Santa Catarina,42; Bahia,30; Goiás,24; Sergipe, 21; Rio Grande do Sul, 18; Minas Gerais, 12; Brasília, 11; Pernambuco, 9.
 Nesse processo, que se estendeu até metade de 1976, todos os comitês estaduais e municipais das capitais dos estados mencionados, bem como a maioria dos órgãos intermediários mais importantes do Comitê Central, foram liquidados.
No DOI-CODI de São Paulo, de novembro de 1974 a junho de 1976, foram assassinadas as seguintes pessoas: Wladimir Herzog (jornalista), José Manoel Filho (metalúrgico), Jean Leszek Dulemba (professor universitário) e José de Almeida (Tenente da Policia Militar de São Paulo). No Ceará, nesse mesmo período, assassinaram Pedro Jerônimo da Silva.


O Comitê Central
A composição do Comitê Central eleito no VI Congresso, realizado em dezembro de 1967, era a seguinte: Efetivos: Luís Carlos Prestes (Antônio), Luiz Maranhão Filho (Aldo), Walter Ribeiro (Beto), Ramiro Luchesi (Bento), Orestes Timbaúba (Caio), Sebastião Vitorino da Silva (Castro), Aristeu Nogueira Campos (Caetano), David Capistrano (Enéas), Élson Costa (Eli), Dinarco Reis (Dante), Renato Oliveira Mota (Gonzaga), Antônio Ribeiro Granja (Heitor), Armando Ziller (Ivo), Ivan Ribeiro (Ivan), Orlando Bonfim Júnior (Jorge), Marco Antônio Tavares Coelho (Jaques), Salomão Malina (Joaquim), João Massena Mello (Jacinto), Jaime Miranda de Amorim (João), Luiz Tenório de Lima (Justino), Hercules Corrêa dos Reis (Macedo), Geraldo Rodrigues dos Santos (Marcelo), Francisco Gomes Filho (Magno), Moisés Vinhas (Meireles), Zuleika D’Alambert (Marta), Giocondo Dias (Neves), Osvaldo Pacheco da Silva (Patrício), Agliberto Vieira de Azevedo (Sá), Fernando Pereira Cristino (Tales), Severino Teodoro de Melo (Vinícius) e Antônio Chamorro (Xá).
Foram eleitos suplentes: Paulino Vieira (André), Hiram Pereira Lima (Arthur), Paulo de Santana Machado (Bahia), Renato Cupertino Guimarães (Bonjardim), Dimas Perrim (Diogo), Amaro Valentim do Nascimento (Edson), Fragmon Carlos Borges (Fraga), Armênio Guedes (Genaro), Venceslau de Oliveira Moraes (Heitor), Fued Saad (Hélio), Isnar Teixeira (Isnar), Júlio Teixeira (Júlio), Jarbas de Holanda Cavalcante (Jarbas), Adalberto Timóteo da Silva (Joel), Almir Neves (Lourenço), Humberto Lucena Lopes (Lúcio), Roberto Morena (Murilo) Artur Mendes (Mendes), Mário Schenberg (Mário), Moacir Longo (Neto), Sérgio Holmos, Octacílio Gomes, Itaí José Veloso (Pedro), José Albuquerque Salles (Marcos), Givaldo Pereira de Siqueira (Rocha), Teodoro Chercov (Rildo), Carlos Avelino, Oto Santos, Rui Barata, Vulpiano Cavalcanti, Nestor Veras (Wilson) e José Leite Filho (Zé Costa).

Dos membros efetivos do C.C, foram presos entre março de 1974 e junho de 1976: Enéas, Aldo, Beto, Jacinto, Jaques, João, Patrício, Caetano, Tales, Eli, Jorge, Gonzaga, Magno e Castro. Total: 14.
Faleceram, Bento e Ivan. Renunciou, Xá. Restaram para o funcionamento da direção, 14. No exterior: Antônio, Neves, Joaquim, Macedo, Caio, Marta, Sá, Ivo, Justino, Dante e Vinícius. No interior: Marcelo, Meireles e Heitor.
Dos membros suplentes, foram presos após o VI Congresso: Mendes, Pedro, Rildo, Isnar, André, Arthur, Júlio, Heitor, Diogo, Hélio, Bonjardim, Neto, Jarbas, Zé Costa, Otacílio e Vieira. Total: 16.
Faleceu, Fraga. Restaram, para o funcionamento da Direção, 14. No exterior: Murilo, Rocha, Marcus, Genaro, Lourenço e Edgar. No interior: Joel, Edson, Mário, Baia, Rafael, Rui, Lúcio e Wilson.
          A Comissão Executiva do C.C, que funcionou entre fevereiro de 1971 e dezembro de 1975, teve duas composições: De fevereiro de 1971 a novembro de 1973: Antônio, Neves, João, Dante, Jorge, Jaques e Patrício. Os suplentes, pela ordem, foram: Macedo, Beto e Caetano. De novembro de 1973 a dezembro de 1975: Antônio, Neves, Jorge, Jaques, Macedo, Joaquim e Patrício. Os suplentes, pela ordem, foram: Caetano, Beto e Caio.
          Como Prestes estava no exterior, por decisão do C.C, a secretaria política dentro do país era exercida por Neves. A secretaria de organização foi exercida por João e Joaquim. A Seção de Organização foi de responsabilidade de Caetano. No Secretariado do C.C, nesse período, funcionaram: Neves, João, Tales. Pedro e Rocha.
Foram presos: Jaques, Patrício, Caetano e Tales. Foram sequestrados e assassinados: Jorge, João, Beto e Pedro.
Trabalho de Organização
          Na Seção de Organização - Jaime Miranda de Amorim (sequestrado e assassinado), Aristeu Nogueira Campos (preso), Francisco Gomes Filho (preso) e Moisés Vinhas.
          Na condição de quadros auxiliares da S.O - Isaías Trajano da Silva (preso), Nilton Cândido (preso), Severino Teodoro de Melo.
         Na montagem e guarda de “aparelhos”, para reuniões do C.C, da C.Ex. e do Secretariado - Dinarco Reis, Jaime Miranda de Amorim (sequestrado e assassinado), Ramiro Luchesi (faleceu), José Albuquerque Salles, Walter Ribeiro (sequestrado e assassinado), Fernando Pereira Cristino (preso), Givaldo Pereira de Siqueira, Aristeu Nogueira Campos (preso).
         Na condição de quadros auxiliares, mantendo e guardando “aparelhos” - Arlindo Ferreira Guimarães, Miguel Batista (preso), Paulo Melo Bastos (preso), Jarbas Rocha dos Santos (preso), Conceição Aparecida Abranches dos Santos (presa), Anísio Bertuci (preso), Isaura Pires Bertuci (presa), Hélio Isidoro Ventura (preso), Heitor Machado Vasconcelos (preso), Laurentina Batista (presa), Milton Barbosa dos Santos (preso), José Pereira de Souza (preso), Nelson Nahum (preso) e José Roman (sequestrado e assassinado).

Trabalho de Fronteira

Após o VI Congresso do PCB, realizaram, mais diretamente, o trabalho de fronteira os seguintes quadros:
Na qualidade de responsável diante do C.C - Dinarco Reis, Salomão Malina, Severino Teodoro de Melo, José Albuquerque Salles, Marco Antônio Tavares Coelho (preso) e Givaldo Pereira de Siqueira.
Na condição de quadros auxiliares: Kalil Dib, Maria Salas, Hélio Hilário da Silva (preso), Heziel Salas Navarro (preso), Douglas Kohn (preso), Genes Salas Navarro (preso), Amaro Marques de Carvalho (preso) e Edino Borgaren Corrêa (preso).
Trabalho de Finanças
Após o VI Congresso do PCB, realizaram o trabalho de finanças do C.C os seguintes quadros:
Na condição de responsável diante do C.C - Ramiro Luchesi (faleceu), Fernando Pereira Cristino (preso) e Marco Antônio Tavares Coelho (preso).
Na condição de quadro auxiliares - Ruth Simis (presa), Alacyr Pelegrino (preso), Ali Aldersi Saab (preso), José Gay Cunha (preso), Rodolfo Guilherme Piano (preso) e Dante Ancona Lopes (preso).
Trabalho de Empreendimentos
Realizaram esse trabalho, após o VI Congresso do PCB, os seguintes quadros:
Na condição de responsável diante do C.C - Ramiro Luchesi (faleceu) e Marco Antônio Tavares Coelho (preso).
Na condição de quadros auxiliares - Humberto Lucena Lopes, Marcos Jaimovitch, Neuza Campos (presa), Milton Bellantani (preso), José Arimathéia Coradilho (preso), Carlos Alberto Correia Lima (preso), Alberto Castiel (preso), José Fernandes da Silva Neto (preso), Abelardo Andrade Caminha Barros (preso), Adjalma Marques Guimarães (preso) e José Serber (preso).
Trabalho Juvenil
Realizaram esse trabalho, após o VI Congresso do PCB, os seguintes quadros:
Na condição de responsável diante do C.C - Zuleika D’Alambert e Hercules Corrêa dos Reis.
Na condição de quadros auxiliares - Anivaldo Miranda, José Montenegro de Lima (sequestrado e assassinado), Jorge Santana Machado, Regis Fratti e Jaime Rodrigues Estrela Júnior (preso).
Trabalho Sindical
Realizaram esse trabalho, após o VI Congresso do PCB, os seguintes quadros:
Na condição de responsável diante do C.C - Geraldo Rodrigues dos Santos, Itaí José Veloso (sequestrado e assassinado) e Osvaldo Pacheco da Silva (preso).
 Na condição de quadros auxiliares - Luiz Tenório de Lima (preso), Antônio Chamorro, Antônio Pereira Filho (preso), Rafael Jardim, Paulo Cshe (preso), Nestor Veras (sequestrado e assassinado) e Roberto Martins da Silva (preso).
         O responsável pelo Trabalho de Educação foi Renato Cupertino Guimarães (preso) e o responsável pelo Trabalho de Assessoria foi José Albuquerque Salles.
Agitação e Propaganda
Realizaram esse trabalho, após o VI Congresso do PCB, os seguintes quadros:
Na condição de responsável diante do C.C - Orlando Bonfim Júnior (sequestrado e assassinado), Fragmon Carlos Borges (faleceu) e Elson Costa (sequestrado e assassinado).
Na condição de quadro auxiliares - Raimundo Alves de Souza, responsável pela impressão das publicações (preso); Hiram Pereira de Lima, responsável pela distribuição das publicações (sequestrado e assassinado); Gutemberg Cavalcanti, responsável da gráfica clandestina do Estado da Guanabara, situada num sitio no bairro Campo Grande (preso); Elias Moura Borges, responsável pela gráfica clandestina de São Paulo, situada à Rua Gonçalves Figueira, 80, no bairro Casa Verde Alta (preso); José Leite Filho, responsável pela gráfica clandestina do Nordeste, situada em Fortaleza, Ceará (preso); José David Dib, Diretor da Gráfica ISBRA, legal, situada á Rua Santa Rita, no bairro do Braz (preso); Derveil Antônio Benedetti, responsável pela Gráfica, legal, Potiguara, situada á Rua Prates da Fonseca, 217, no bairro Moinho Velho, Ipiranga, São Paulo, Capital (preso); Aníbal Benedetti, responsável pela Gráfica, legal, Milha de Porto Alegre, Rio Grande do Sul (preso); Darcy Aquino Ribeiro, proprietário da Gráfica Gueth, de Brasília (preso); Geraldo Campos, responsável pela gráfica clandestina de Formoso, em Goiás (preso); Yoshio Ide, linotipista que assegurava esse trabalho nas gráficas do Estado da Guanabara, de Brasília e Formoso (preso); Wilson Ribeiro dos Santos, gráfico (preso); Laudo Leite Braga, gráfico (preso); Moacir Ramos da Silva, membro da SAP, dirigia a gráfica clandestina de Fortaleza, Ceará (preso); Evaldo Lopes Gonçalves da Silva Campos, membro da SAP (preso); e José Benedito dos Santos, caseiro e gráfico da gráfica clandestina do Estado da Guanabara (preso).
Trabalho Militar
Realizaram esse trabalho, após o VI Congresso do PCB, os seguintes quadros:
Na condição de responsável diante do C.C - Dinarco Reis e Giocondo Dias.
Na condição de quadros auxiliares - Renato Oliveira Mota (preso) e Almir Neves.
Foram presos 76 militantes ligados à Polícia Militar de São Paulo, sendo 63 militares e 13 civis. Entre os militares estavam: 1 Coronel, 1 Tenente Coronel, 1 Major, 2 Capitães, 7 Primeiros Tenentes, 8 Segundos Tenentes, 3 Subtenentes, 11 Primeiros Sargentos, 9 Segundos Sargentos, 5 Terceiros Sargentos, 7 Cabos e 8 Soldados. Dos 76 militantes, 48 foram processados e desses, foram condenados os seguintes: Renato Oliveira Mota (3 anos e 6 meses), Carlos Machado (Coronel, 1 ano), Vicente Silvestre (Tenente Coronel, 1 ano) e Zacarias Alfredo Freire (6 meses).
Entendimentos Políticos
Realizaram esse trabalho, a partir de 1973, os seguintes companheiros: Giocondo Dias, Luiz Maranhão Filho (sequestrado e assassinado) e Marco Antônio Tavares Coelho (preso).
Relações Exteriores
Realizaram esse trabalho, após o VI Congresso, os seguintes quadros:
 Na condição de responsável diante do C.C - Luís Carlos Prestes (no interior e no exterior) e Giocondo Dias (desde 1973, no interior).
Na condição de quadro auxiliares - Fued Saad (preso), Aluísio Santos Filho (preso), Maria Laura dos Santos (presa) e Adauto Freire (o “Agente Carlos”), que está vivo e mora em Brasília.
A propósito, na comemoração dos 70 anos da Revolução Russa, em novembro 1987, o então secretário-geral do PCB, Salomão Malina, retirou-se em protesto de uma recepção da embaixada soviética em Brasília. Um dos convidados era o Agente Carlos.

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Uma ponte para o PMDB

Por Luiz Carlos Azedo e Júlia Chaib
Correio Braziliense - 30/10/2015


“Essas são as nossas propostas para o país fazer o ajuste fiscal e voltar a crescer.  Não estamos olhando para o passado, mas para o futuro” (Michel Temer, vice-presidente)

Pisando em ovos para não agravar suas tensas relações com a presidente Dilma Rousseff, o vice-presidente Michel Temer (PMDB) divulgou ontem o documento “Uma ponte para o futuro”, elaborado pela Fundação Ulysses Guimarães, sob a coordenação do ex-ministro Moreira Franco. O documento faz uma análise da situação do país e apresenta propostas de saída para a crise que são, ao mesmo tempo, a negação do projeto de Dilma e do PT e uma clara tentativa de posicionar o PMDB como alternativa de poder.

“Essas são as nossas propostas para o país fazer o ajuste fiscal e voltar a crescer. É o início de um grande debate no partido. Vamos distribuí-los para os militantes e discuti-lo até 17 de dezembro. O que o PMDB quer é ter um projeto para o Brasil. Não estamos olhando o passado, estamos olhando para o futuro”, justifica Temer. O vice-presidente garante que o partido terá candidato a presidente em 2018. O documento também servirá para posicionar o partido em relação às propostas enviadas pelo governo ao Congresso.

Como tudo que envolve o vice-presidente da República, a divulgação do texto num almoço com jornalistas no Palácio do Jaburu foi motivo de fricção com o Palácio do Planalto. Temer chegou a ligar para o ministro de Comunicação Social, Edinho Silva, e para o presidente do PT, Rui Falcão, para desmentir trechos atribuídos ao documento com duras críticas ao governo e ao PT que foram divulgados pela Folha de S. Paulo. “Esse texto não passou pela minha mesa, é apócrifo”, disse o ex-ministro Moreira Franco. No fim da tarde, Temer encaminhou o documento oficial à presidente Dilma Rousseff.

O PMDB faz um contraponto às propostas do PT e uma crítica aberta às concepções econômicas de Dilma. “A presente crise fiscal e, principalmente, econômica, com retração do PIB, alta inflação, juros muito elevados, desemprego crescente, paralisação dos investimentos produtivos e a completa ausência de horizontes estão obrigando a sociedade a encarar o seu destino”, afirma. E conclui: “Não temos outro caminho a não ser procurar o entendimento e a cooperação.”

Redigido após consultas a economistas, cujos nomes não foram divulgados, o texto é um programa de governo para enfrentar a crise na eventualidade do impeachment da presidente Dilma, muito mais do que uma plataforma eleitoral para 2018. Com isso, Temer reposiciona o PMDB programaticamente em relação aos agentes econômicos e se coloca como alternativa de poder, mesmo que não assuma publicamente essa posição. Também sinaliza a necessidade de um governo de união nacional. Diz que o país “clama por pacificação” porque a disseminação “do ódio e dos ressentimentos” inviabiliza consensos políticos, “sem os quais nossas crises se tornarão cada vez maiores”. Diz que o Brasil está em “grave risco”, “profunda recessão” e “tudo parece se encaminhar para um longo período de estagnação”.

“Sem um ajuste de caráter permanente, que sinalize um equilíbrio duradouro nas contas públicas, a economia não vai retomar seu crescimento, e a crise deve se agravar ainda mais. Nosso desajuste fiscal chegou a um ponto crítico e sua solução será muito dura para o conjunto da população”, acrescenta o PMDB. Algumas propostas confrontam toda a estratégia do PT desde a eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2002. Por exemplo, o partido quer desindexar a economia do índice da inflação, inclusive o salário mínimo e as aposentadorias. Quer também promover uma reforma trabalhista, atribuindo aos contratos coletivos a regulação das relações entre trabalho e capital, exceto quanto aos direitos básicos. Para reduzir o deficit na Previdência Social, o PMDB sugere impor uma idade mínima para a aposentadoria de 60 anos para mulheres e 65 para homens. “Isso já está na Constituição”, garante Temer.

"Bandido é vossa excelência

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

A lavanderia oficial

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 29/10/2015 

  A Câmara está prestes a aprovar o esdrúxulo projeto de lei de repatriação de ativos enviados para fora do país sem aviso à Receita Federal. O projeto é polêmico desde a origem, mas foi encampado pelo governo

 Um dos temas mais polêmicos do julgamento dos réus da Operação Lava-Jato, quando o escândalo chegar ao plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), será a acusação de que as doações eleitorais feitas ao PT e seus aliados do PMDB e do PP foi lavagem de dinheiro desviado da Petrobras e outras estatais.

Os advogados não aceitam essa acusação, como é o caso da defesa do ex-tesoureiro petista João Vaccari Neto, muito menos a cúpula do PT. E o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ironiza a situação, ao questionar a razão de o dinheiro das empreiteiras que foi destinado aos petistas ser considerado propina, enquanto o dinheiro que foi para a oposição é doação.

Milhões de dólares foram desviados da Petrobras pelo cartel de empreiteiras, cujos principais executivos estão presos, com Vaccari e os diretores da Petrobras Renato Duque, Nestor Cerveró e Jorge Zelada. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), está no pelourinho do Conselho de Ética da Casa porque supostamente recebeu doações milionárias do esquema em contas na Suíça.

É nesse contexto que a Câmara está prestes a aprovar o esdrúxulo projeto de lei de repatriação de ativos enviados para fora do país sem aviso à Receita Federal. O projeto é polêmico desde a origem, mesmo depois de ser encampado pelo governo, que vê na aprovação da lei um meio de reduzir o deficit fiscal.

A proposta é legalizar o dinheiro remetido para o exterior decorrente de sonegação fiscal, evasão de divisas ou lavagem de dinheiro relacionado ao envio desses valores. O objetivo seria arrecadar cerca de R$ 11 bilhões com o pagamento de Imposto de Renda e multas por quem obteve o dinheiro legalmente no Brasil, mas tentou escondê-lo da Receita no exterior.

É uma velha proposta que circulava no Senado, tendo como principal patrono o líder do governo, senador Delcídio Amaral (PT-MS). O ex-presidente da Câmara Arlindo Chinaglia (PT-SP), ao contrário, detonou todas as tentativas de apresentação desse projeto quando a Casa estava sob seu comando. Agora, o relator do projeto, deputado Manoel Júnior (PMDB-PB), apresentou alterações à proposta original que abrem as portas para a legalização de dinheiro decorrente de práticas criminosas, inclusive as reveladas pela Operação Lava-Jato.

Boiada

Seu substitutivo ampliou prazos de adesão, reduziu o Imposto de Renda (IR) e as multas que serão cobradas. Manoel Júnior também incluiu na proposta recursos decorrentes de qualquer lavagem de dinheiro, caixa dois, descaminho, falsidade ideológica e até formação de quadrilha relacionada diretamente a esses crimes. Para coroar seu projeto, propõe uma anistia aos envolvidos, desde que não tenham uma condenação transitada em julgado, ou seja, sem a possibilidade de recursos.

A proposta do Executivo fixava o valor do Imposto de Renda a ser pago pelos recursos repatriados em 17,5%, mais 17,5% de multa, num total de 35%. Uma parte da arrecadação obtida com esse pagamento seria destinada à criação de um fundo de compensação para os estados pela reforma do ICMS. Manoel Júnior acabou com essa vinculação e ainda reduziu os percentuais para 15% de Imposto de Renda e 15% de multa, chegando a um total de 30%. Para fazer uma comparação, todo assalariado que recebe mais de R$ 4.664,68 recolhe 27,5% do salário de imposto na fonte.

Para os deputados e senadores enrolados com contas no exterior, o projeto pode ser a salvação da lavoura, anulando qualquer processo contra eles em razão da existência dessas recursos. Mas, como são uma minoria no Congresso, Manoel Júnior criou um dispositivo de partilha dos recursos arrecadados com estados e municípios, na esperança de que a pressão de prefeitos e governadores, que estão na pindaíba, forme uma ampla maioria na Casa.

 A aprovação das maracutaia será péssimo para a imagem do Brasil no exterior. Os Estados Unidos e a União Europeia realizam grandes esforços para controlar esses recursos, a ponto de a Suíça deixar de ser um refúgio inexpugnável para o dinheiro sujo, como estamos constatando com a Operação Lava-Jato. A nova lei poderá até provocar retaliações dos países empenhados no combate ao tráfico de drogas e ao terrorismo, pois onde passa o boi passa a boiada.

Ontem, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, tentou colocar o projeto em votação, mas ele foi retirado de pauta por decisão do plenário, que aprovou requerimento da oposição por 193 votos a favor, 175 contra e uma abstenção. Votaram a favor PSDB, PSB, DEM, Solidariedade, PPS, PCdoB, Rede, PV e PSOL. Cunha convocará nova sessão para reincluí-lo na pauta.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

A crise de governabilidade

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 28/10/2015

A ideia de que o Leviatã estatal, cujo custo aumenta acima da geração de riqueza pelo país, deve tutelar a sociedade está na raiz do fracasso político e econômico do governo Dilma

 As crises fiscal e política caminham de mãos dadas, cada vez fica mais difícil estabelecer o peso de uma ou de outra no impasse que atravessa o país. Elas se retroalimentam, com o agravante de que a crise ética destrói a credibilidade dos políticos. Tanto a presidente Dilma Rousseff quanto o Congresso têm sido incapazes de enfrentar a situação, o que é muito grave. Cada dia que passa o país perde condições de governabilidade.

Pode-se avaliar a crise por diversos ângulos, mas três deles fazem a diferença: o primeiro é a desagregação da base do governo no Congresso, que não se resolveu com a reforma ministerial. O “novo governo” Dilma foi montado para barrar a possibilidade de impeachment da presidente da República e não para enfrentar os problemas do país. O resultado é que a agenda do ajuste fiscal foi canibalizada pelo toma lá dá cá das negociações com os partidos da base. E o governo não consegue aprovar no parlamento as medidas que propôs para combater o deficit fiscal.

O segundo aspecto é a falta de blindagem da política econômica. Em todas as crises políticas que ocorreram no país após o governo Itamar Franco, seja no governo Fernando Henrique Cardoso, seja no governo Lula, a política econômica esteve acima do bem e do mal. Desta vez, o próprio governo se encarregou de desmantelar a blindagem. O Banco Central desistiu de lutar para trazer a inflação ao centro da meta de 4,5% e se vê obrigado a intervir no câmbio quase diariamente para conter a alta do dólar. O superavit fiscal virou “superdeficit” fiscal.

O terceiro aspecto é a escala do escândalo de corrupção na Petrobras e em outras estatais, que está sendo desnudada pela Operação Lava-Jato, que impacta não só a vida política, como a economia. Ontem, o diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), André Calixtre, responsabilizou a operação pelo desemprego no país. “Não podemos ignorar o fato de as empresas investigadas não poderem mais operar negócios, terem acesso ao crédito e às licitações. A verdade é que a cadeia de petróleo e gás sofreu um imenso impacto.” Ele não soube, porém, precisar o impacto da Operação Lava-Jato no desemprego no país.

A taxa de desemprego cresceu de 7% no primeiro semestre do ano passado para 8,1% no mesmo período deste ano, segundo dados da Pnad Contínua, do IBGE. A construção civil teve uma das maiores quedas, de 6,7%, em relação ao primeiro semestre de 2014, atrás apenas da administração pública, que teve retração de 10,3% no nível de ocupação. A redução do nível de ocupação no país, segundo o Ipea, está mais relacionada à queda no número de novas admissões e não a um aumento nas demissões.

Leviatã
 
Recentemente, a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda divulgou um estudo mostrando que a redução dos investimentos da Petrobras seria responsável por 2 pontos percentuais da queda do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano. Oficialmente, a Secretaria de Política Econômica prevê uma queda de 2,44% do PIB neste ano, mas economistas do mercado trabalham com retração superior a 3%.

O discurso de que a Lava-Jato quebrou a economia é música aos ouvidos das grandes empresas e políticos envolvidos, mas é uma falsa narrativa. O que quebrou o país foram não só a incompetência e a desonestidade na gestão da Petrobras e outras empresas e órgãos estatais, como corrobora agora a Operação Zelotes, que investiga fraudes fiscais e venda de medidas provisórias, mas também desastradas decisões da presidente Dilma Rousseff, que desorganizaram as atividades produtivas, da redução a fórceps da taxa de juros à redução demagógica das tarifas de energia, do congelamento do preço de gasolina à tentativa de arbitragem das taxas de lucro. A maioria delas mirava a reeleição.

A ideia de que o Leviatã estatal, cujo custo aumenta acima da geração de riqueza pelo país, deve tutelar a sociedade está na raiz do fracasso político e econômico do governo Dilma. Com essa concepção, não há a menor chance de acertar o rumo e fazer o que precisa ser feito, ou seja, uma reforma do Estado que o subordine aos interesses da maioria da sociedade e o liberte das corporações, das oligarquias e da nova plutocracia que se alimentam dos recursos públicos.

Ontem, o Ministério do Planejamento comunicou ao Congresso que a meta de deficit primário será alterada para R$ 51,8 bilhões — o maior rombo fiscal da história — para as contas do governo. A meta considera receitas de R$ 11,05 bilhões para o leilão de hidrelétricas. Caso sejam incluídos os R$ 40 bilhões das pedaladas fiscais, o rombo chegará próximo dos R$ 100 bilhões. Ou seja, é uma situação insustentável, que corrói a credibilidade do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e prenuncia novos impasses. O fracasso do ajuste é a porta de saída do ministro e o abre-alas de um novo surto populista para salvar o PT do desastre eleitoral.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Negócios de família

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 27/10/2015

Lula tem se queixado da Lava-Jato, mas a Operação Zelotes chegou muito mais próximo do ex-presidente, porque envolveu diretamente seu filho, sua nora e o ex-ministro Gilberto Carvalho

 A operação de busca e apreensão da Polícia Federal na LFT Marketing Esportivo e na Touchdown Promoção de Eventos Esportivos, de Luiz Cláudio Lula da Silva, e na seguradora Silva Cassaro Corretora de Seguros, empresa de Fátima Cassaro, mulher de Lulinha, tirou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva do sério. Foi a gota d’água em relação o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em quem nunca confiou, e criou novo contencioso com a presidente Dilma Rousseff, que banca a permanência do ministro.

Lula e a cúpula do PT nunca foram favoráveis à presença de Cardozo na pasta. Por causa da Operação Lava-Jato, avaliam que ele perdeu o controle da Polícia Federal. Na reformas ministeriais, queriam que o ministro fosse substituído pelo ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Nélson Jobim. Na última semana, intensificaram o lobby em favor de sua substituição pelo deputado Wadih Damous (PT-RJ), ex-presidente da seção fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil.

Suplente, Damous assumiu o cargo e virou estrela da bancada petista na CPI da Petrobras graças a articulações políticas de Lula. Ele é um dos autores dos mandados de segurança que sustaram o rito de votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff, que havia sido estabelecido pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), atendendo consulta feita pela oposição. Na quinta-feira, na reunião do diretório nacional, à qual Lula estará presente, a saída de Cardozo do Ministério da Justiça voltará à ordem do dia.

O ministro já não faz questão de permanecer no cargo, cumpre a missão a pedido de Dilma. Só não é mais indesejado pela cúpula petista do que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Cardozo, porém, não tem muito o que fazer; interferir nas investigações seria prevaricar, no mínimo. A Polícia Federal tem autonomia e as operações obedeceram decisões judiciais. A violação do sigilo dessas ações é crime para autoridades e funcionários públicos. A Operação Zelotes da Polícia Federal investiga fraudes em julgamentos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), ligado ao Ministério da Fazenda.

Segundo a PF, esta nova etapa da operação investiga um consórcio de empresas que, além de manipular julgamentos dentro do Carf, negociava incentivos fiscais a favor de empresas do setor de automóveis. A investigação apontou “íntima relação entre as três empresas”, que “representam uma unidade empresarial tanto física quanto societária nucleada em Luís Cláudio Lula da Silva”, segundo a juíza Célia Regina Orly Bernardes, da 10ª Vara Federal de Brasília, especializada em crimes financeiros e lavagem de dinheiro, que autorizou as buscas.

Luís Cláudio recebeu pagamentos do escritório Marcondes e Mautoni, que teria atuado de forma supostamente ilegal pela aprovação da MP 471, que beneficiou o setor automotivo. Nesta etapa da Zelotes, também foram presos o lobista Alexandre Paes dos Santos, em cuja casa foi encontrado um relatório da diretoria de inteligência da Polícia Federal; o ex-conselheiro do Carf José Ricardo da Silva, e o sócio dele, Eduardo Valadão; e dois sócios de escritórios suspeitos de captar clientes para o esquema, Cristina Mautoni e Mauro Marcondes, vice-presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos (Anfavea).

Pilatos

Lula tem se queixado sistematicamente da Operação Lava-Jato, mas a Operação Zelotes chegou muito mais próximo do ex-presidente, porque envolveu diretamente seu filho, sua nora e o seu mais próximo colaborador no governo, o ex-ministro Gilberto Carvalho. Petistas defendem a tese de que Cardozo lava as mãos em relação à atuação da Polícia Federal seguindo orientação de Dilma Rousseff.

Nos bastidores do PT, exuma-se o caso da ex-chefe do escritório da Presidência da República em São Paulo, Rosemary Noronha, ex-auxiliar de Lula, que fazia lobby junto à Presidência, conforme e-mails interceptados pela operação Porto Seguro. E também a carta da presidente Dilma Rousseff se eximindo de qualquer responsabilidade em relação à compra da refinaria de Pasadena, no Texas (EUA), pela Petrobras, à época em que presidia o Conselho de Administração da estatal.

À época, os dois escândalos serviram para jogar água fria na campanha do “Volta, Lula!” A mesma linha foi adotada em relação à Operação Lava-Jato, cujos fatos a atual presidente da República atribui ao governo anterior. Recentemente, Lula queixou-se da declaração de Dilma, em entrevista no exterior, de que no governo dela não havia corrupção. Ou seja, insinuou que herdou a Lava-Jato de Lula.

domingo, 25 de outubro de 2015

A batalha de Borodino

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 25/10/2015

Ao se aliar a Cunha, a oposição perde o discurso ético e a sintonia com a opinião pública. É tudo o que o Planalto precisa para barrar o impeachment

Na madrugada do dia 24 de junho de 1812, o exército de Napoleão atravessou o rio Nemen e invadiu a Rússia. Eram 678 mil combatentes, levando 1.420 canhões. Havia soldados da Prússia, Áustria, Bavária, Saxônia, Itália, Polônia, Espanha, Croácia e até de Portugal, em 10 corpos de exército, quatro tropas de cavalaria, mais a força de elite da Guarda Imperial, comandado pelo próprio Napoleão, com 250 mil homens, a maioria franceses, e 527 canhões.

O Exército de 900 mil homens da Rússia estava disperso na Moldávia, na Crimeia, no Cáucaso, na Finlândia e em regiões do interior, longe da fronteira ocidental, onde havia apenas 280 mil homens e 934 canhões. A única tentativa de reação russa foi frustrada pelo marechal francês Davout, que bloqueou a passagem do general Pyotr Bagration, que se deslocava com 62 mil homens pela Bielorrússia para se juntar aos 160 mil do general e ministro da guerra, Mikhail Bogdanovich Barclay de Tolly, perto de São Petersburgo. Sem condições de contra-atacar, os russos começaram a se retirar em direção a Moscou.

Na medida em que avançava, porém, a Grande Armée sofria os males da campanha: a fadiga, a fome, a deserção e a morte. No lado oposto, Barclay foi destituído do comando pelo czar Alexandre I e substituído pelo velho general Mikhail Illarionovich Kutuzov, que manteve a estratégia de seu antecessor. Napoleão, então, rumou direto para Moscou. Trágico engano.

Kutuzov decidiu lutar. Estacionou 155 mil homens e 640 canhões na aldeia de Borodino, a menos de 150km de Moscou. No dia 7 de setembro, às 6 horas da manhã, Napoleão deu início ao ataque com apenas 135 mil homens e 587 canhões da sua guarda. O sangue jorrou até depois do pôr-do-sol. Apesar de vitorioso, amargou 58 mil mortos, incluindo 48 marechais. Os russos perderam 66 mil homens, entre eles o general Bagration. A falta de reforço e o massacre fizeram Kutuzov se retirar, mas em ordem.

Do alto das colinas da aldeia de Borodino, a 124km de Moscou, enfraquecido, Napoleão Bonaparte hesitou atacar o que restara das tropas de Kutuzov. Pretendia se apossar da cidade, cujas cúpulas douradas já podiam ser avistadas no horizonte, sem luta. Aguardava a rendição oficial e um tratado de paz assinado pelo czar Alexandre I, mas nada aconteceu. No dia 14 de setembro, Napoleão se cansou e iniciou a invasão final. Esperava o mais dramático combate, mas não houve a batalha.

Moscou, com 250 mil habitantes à época, fora evacuada. Estava reduzida a 25 mil pobres e miseráveis, sem ter o que comer. O fogo tomou conta da cidade, cujas casas eram de madeira. Após cinco semanas acampando sobre as cinzas da cidade, Napoleão decidiu dar meia volta e iniciar o retorno à França, numa dramática retirada em pleno inverno, fustigado pelo exército e pelos guerrilheiros russos. O resto da história todos sabem: os soldados russos marcharam até Paris.

O pântano

A campanha do impeachment da presidente Dilma Rousseff corre sério risco de virar uma espécie da Batalha de Borodino. Os partidos de oposição começam a sangrar por causa do impasse em torno da aceitação ou não do pedido pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Reapresentado pelo ex-deputado Hélio Bicudo, um dos fundadores do PT, e pelo jurista Miguel Reale Júnior, com apoio dos partidos de oposição, PSDB, DEM, Solidariedade e PPS, o novo pedido incorpora as “pedaladas fiscais” de 2016, que o governo nega existirem.

A decisão de abrir o processo de impeachment cabe ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que manobra para ganhar tempo e evitar a própria cassação, por quebra de decoro parlamentar, em razão de mentir quanto à existência de suas contas na Suíça. As provas reveladas pelo Ministério Público Federal, entretanto, são contundentes. Na quinta-feira, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki determinou o sequestro de R$ 9,6 milhões que o parlamentar possuía na Suíça. A Operação Lava-Jato investiga o recebimento de R$ 5 milhões de propina da Petrobras, que teriam abastecido essas contas.

O pedido de cassação de mandato impetrado pela Rede e pelo PSol, com apoio de 52 parlamentares, porém, coloca em xeque os líderes da oposição que relutam em subscrevê-lo, na esperança de que Cunha despache a favor da abertura do processo de impeachment. O governo também aposta num acordo com Cunha, pelo qual seu mandato seria preservado em troca da rejeição do pedido de impeachment. O tempo, porém, corre a favor da presidente Dilma e contra a oposição.

Ao se aliar a Cunha, a oposição perde o discurso ético e a sintonia com a opinião pública. É tudo o que o Planalto precisa para barrar o impeachment, pois é bem provável que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, peça o afastamento de Cunha da presidência da Câmara. Diante dos fatos, não será surpresa se o mesmo for aceito pelo Supremo Tribunal Federal (STF), enquanto o impeachment se atola no terreno pantanoso do baixo clero da Câmara, apesar do amplo apoio nas ruas.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

O crime quase perfeito

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense : 22/10/2015

A discussão sobre a legalidade das “doações eleitorais” fará parte do grand finale dessa história policial nos tribunais. Não haveria “petrolão”, porém, se não houvesse um “centro único”  

 Para os escritores de romances policiais noir não existe crime perfeito. Todos deixam um rastro e têm uma motivação. É aí que o detetive durão entra em cena. Com seus problemas e defeitos, ele consegue chegar lá. Primeiro, segue os rastros deixados pelos bandidos; e começa a desvendar o crime quando descobre a sua motivação. Ao mesmo tempo, enfrenta desafetos e administra seu drama pessoal. Segue as pistas às vezes por puro instinto. Assim se constrói a trama da boa estória policial.

A Operação Lava-Jato é uma grande história policial, que deixa no chinelo muitos romances noir de sucesso, porque é uma trama que envolve doleiros, lobistas, executivos de uma grande petroleira estatal, os donos das maiores empreiteiras do país e políticos, muitos políticos – num país latino-americano que faz parte do rol das potências emergentes. Nada disso, porém, é ficção. Seus principais protagonistas já estão em cana, mas falta achar o chefão.

Não existe um detetive cana-dura, mas uma equipe de delegados, agentes e peritos da Polícia Federal, reconhecidamente eficiente, e um grupo de procuradores abnegados, que seguem o dinheiro saqueado da Petrobras por um esquema de “acumulação primitiva” de grandes empresas de engenharia, que atuavam como se ainda estivéssemos no tempo das companhias das Índias. O nosso herói noir é o juiz Sérgio Moro, titular da Vara Federal de Curitiba.

Como nos folhetins dos tabloides policiais norte-americanos da década de 1950, desde o ano passado a Operação Lava Jato é o assunto mais quente dos telejornais. Cada dia que passa, a história revela detalhes da atuação de seus protagonistas, mas nunca se chega ao poderoso chefão. Ele permanece oculto, atua nas sombras para embaralhar o processo, obstruir as investigações, proteger aqueles que podem revelar sua verdadeira participação na trama.

O escândalo da Petrobras era um crime quase perfeito, não fossem o rastro e a motivação. O rastro é o dinheiro, cujo percurso está sendo monitorado pelos órgãos de controle do sistema financeiro. Foi graças à movimentação do dinheiro que o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque foi preso. Ele tentou transferir o dinheiro para Mônaco e foi pego. Também foi por causa da movimentação do dinheiro que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), caiu em desgraça. Negou a existência de contas na Suíça e elas apareceram.

Contas na Suíça eram o refúgio mais seguro para o dinheiro sujo. Não são mais faz tempo. Para quem não se recorda, o escândalo do propinoduto no Rio de Janeiro, durante o governo Anthony Garotinho, eclodiu porque as autoridades daquele país informaram ao Ministério Público brasileiro a existência de contas suspeitas de fiscais da Receita fluminense. Um banco havia comprado o outro e, na auditoria, separou o dinheiro podre, que foi abatido dos ativos. O fato foi informado ao Ministério Público da Suíça.

A lavagem de dinheiro
Podemos tecer considerações sobre o cluster formado em torno da Petrobras para desviar dinheiro da empresa, cujo caso mais espantoso, sem dúvida, é a criação da Sete Brasil, a empresa contratada para fornecer as sondas do pré-sal. Também podemos teorizar sobre o modelo da “nova matriz econômica”, no qual houve uma fusão de interesses entre velhas oligarquias e a nova plutocracia brasileira para saquear o nosso “capitalismo de Estado”, que entrou em colapso.

Mas o que nos interessa aqui é o caso policial. Os atores da trama que estão presos foram flagrados porque obtiveram algum proveito pessoal nas transações. Esse é o rastro. Mas a grande motivação para a montagem do esquema foi política: a perpetuação no poder do núcleo hegemônico do sistema de alianças que comanda o país.

Com base na experiência do “mensalão”, o dinheiro desviado da Petrobras e de outras empresas e órgãos do governo para o chamado “núcleo político” da “organização criminosa”, para usar a nomenclatura do Ministério Público, foi “esquentado” por meio de doações eleitorais. O que pôs tudo a perder foram os pedágios pagos pelo caminho aos seus operadores (voltamos ao rastro) e os “pixulecos” em benefício dos agentes politicos, o que acabou por “deslegitimar” sua motivação principal: o financiamento de campanha eleitoral.

A discussão sobre a legalidade das “doações eleitorais” fará parte do grand finale dessa história policial nos tribunais. Não haveria “petrolão”, porém, se não houvesse um “centro único” no comando de suas operações, que passava pelos governos Lula e Dilma. Do ponto de vista institucional, a identificação desse centro e o seu desmantelamento é que dirá se a Operação Lava Jato foi bem-sucedida na sua plenitude ou não.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Caiu a ficha

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 21/10/2015

A possibilidade de responderem ao processo em liberdade, mesmo com as medidas cautelares, poria fim à proliferação de “delações premiadas” entre os réus considerados “homens-bomba”

 Um dos executivos presos na Operação Lava-Jato costuma dizer aos colegas que a ficha demora a cair quando se entra em cana: “A gente só aceita a dura realidade quando a alma entra na cela”. Ele faz parte de uma elite de diretores de empreiteiras que não aceitou fazer delação premiada, porque teve garantia de seus acionistas majoritários de que teria bons advogados, a família protegida e a participação garantida no que restar do patrimônio das empresas.

Esse também é o pacto feito pelo empresário Marcelo Odebrecht e os executivos de sua empresa que continuam presos. Segundo o Ministério Público Federal, Rogério Araújo, era representante da Odebrecht nos contatos com a Petrobras e o responsável direto pelo pagamento das propinas; e Márcio Faria da Silva, no cartel das empreiteiras e envolvido diretamente na negociação e pagamento das propinas.

Mas parece que a alma do executivo finalmente entrou na cela. É dramático o pedido de habeas corpus apresentado ontem pela sua defesa: “O requerente pede socorro! A higidez do sistema pede socorro! O Estado Democrático de Direito pede socorro! Os direitos humanos pedem socorro! E do Supremo Tribunal Federal espera-se a concessão de habeas corpus de ofício, no ponto, para cassar-se o terceiro teratológico decreto de prisão preventiva”.

Marcelo Bahia Odebrecht e seus executivos tiveram na segunda-feira um novo e terceiro decreto de prisão preventiva, expedido na última pelo juiz Sérgio Moro, que conduz os processos do caso na primeira instância da Justiça Federal. Por considerar risco à ordem pública e à aplicação da lei penal, também foi decretada nova prisão preventiva contra Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobras.

Na avaliação da defesa, “houve extrema violência e com completa falta de isenção ao impor nova prisão preventiva ao requerente” pelos mesmos fatos do primeiro decreto de prisão. O quadro é verdadeiramente grave e assustador. “A prosperar medidas dessa natureza no contexto da denominada Operação Lava Jato ter-se-á permitido a instauração entre nós de um verdadeiro sistema de supressão episódica de direitos e garantias constitucionais.”

O Ministério Público acusa o grupo de pagar propina de R$ 137 milhões, entre 2006 e 2014, em contratos de terraplenagem em diversas obras da Petrobras. Em nota, a Odebrecht disse que “chama atenção” o fato de a nova denúncia ter sido aceita pela Justiça “horas após o Supremo Tribunal Federal conceder habeas corpus a um dos ex-executivos da empresa — e sem que tenham sido apresentados fatos novos em relação à denúncia anterior.”

Batalha jurídica 
 
A nova prisão preventiva veio num momento em que os meios jurídicos apostavam em mais uma invertida do ministro Teori Zavascki do Supremo Tribunal Federal (STF) no juiz federal Sérgio Moro, depois do fatiamento da Operação Lava-Jato, que tirou da jurisdição de Curitiba as investigações não diretamente relacionadas aos contratos da Petrobras, como o caso da Eletronuclear.

A expectativa foi criada pelo habeas corpus concedido por Teori ao ex-executivo da Odebrecht Alexandrino Alencar, na sexta-feira passada, sob o fundamento de que, assim como outros executivos de empreiteiras que saíram da cadeia, a prisão preventiva pode ser substituída por medidas cautelares, como o comparecimento mensal em juízo, vedação de manter contato com outros investigados e proibição de deixar o país. Alexandrino também precisou entregar o passaporte em até 48 horas.

Em razão dessa decisão, Moro tomou a iniciativa de revogar a prisão preventiva de César Rocha, outro executivo ligado à Odebrecht, que estaria envolvido diretamente na forma de repasse dos valores utilizados para pagamento das propinas, segundo a denúncia contra ele. No despacho, Moro diz que a decisão é uma extensão do benefício concedido a Alexandrino na liminar de Teori.

O pedido de habeas corpus de Marcelo Odebrecht tem o mesmo fundamento do impetrado por Alexandrino, assim como os anteriormente também apresentados por Rogério Araújo e Márcio Faria. Para os advogados dos réus, a revogação da prisão preventiva de Marcelo e dos dois executivos pelo STF será uma mudança de rota na Operação Lava-Jato.

A possibilidade desses réus de responderem ao processo em liberdade, mesmo com as medidas cautelares, poria fim à proliferação de “delações premiadas” entre os acusados considerados “homens-bomba”, como o ex-diretor da Petrobras Renato Duque e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto. Seria também uma espécie de alto lá na atuação do juiz Sérgio Moro, que é acusado de parcialidade pelos advogados dos réus, embora a maioria dos recursos impetrados contra suas decisões, até agora, tenham sido rejeitados em segunda e terceira instâncias.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

O foco da Lava-Jato

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 20/10/2015

Graças às delações premiadas, o número de políticos envolvidos no escândalo da Petrobras chega a 62 parlamentares, ex-parlamentares, dirigentes de partido, ministros e governadores

A CPI da Petrobras encerra os trabalhos de forma melancólica no decorrer desta semana. Proposta pela oposição, foi instalada graças ao apoio do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que via na comissão uma maneira de pressionar o governo, isolar o PT e manipular a oposição. Como já aconteceu outras vezes, como no caso da famosa CPI do Judiciário do Senado, a crise que a CPI gerou na Câmara tornou-se incontrolável, ainda que sua atuação, especificamente, tenha sido pífia. Seu resultado pode ser a cassação de Cunha. No outro caso citado, a crise resultou na renúncia de três poderosos senadores, Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), Jader Barbalho (PMDB-PA) e José Roberto Arruda (PSDB), e na cassação de um deles, Luiz Esteves (PFL-DF).

O petista Luiz Sérgio (RJ), relator da CPI, não vai indiciar nenhum político. Criada para investigar o PT e o governo Dilma, porém, a comissão acabou servindo de armadilha para o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de quem o presidente da comissão, deputado Hugo Mota (PMDB-PB), é aliado incondicional. Por ironia, o depoimento de Cunha na comissão, de espontânea vontade, serviu de base para o pedido de sua cassação apresentado ao Conselho de Ética da Câmara pelo PSol e a Rede, com o apoio de 52 deputados de diversos partidos, sendo a maioria do PT. Na CPI, Cunha negou a existência de suas contas bancárias na Suíça, mas elas foram comprovadas pelo Ministério Público Federal com farta documentação. Mentir da tribuna no Congresso costuma ser mortal, pois esse tipo de quebra de decoro pode ser punido com cassação de mandato, num rito sumário de 90 dias.

Em quase oito meses de atuação, após duas prorrogações, a CPI preparou uma grande pizza napolitana. A vida continua, porém. Graças às delações premiadas, o número de políticos envolvidos no escândalo da Petrobras chega a 62 parlamentares, ex-parlamentares, dirigentes de partido, ministros e governadores. Parlamentares com mandato respondem a inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF); os governadores, no Superior Tribunal de Justiça (STJ); e os demais, sem mandato, na primeira instância. São 31 políticos do PP; 12 do PT e do PMDB, cada; 2 do PSB; um do PSDB, do PTB e do Solidariedade, cada; e dois sem partido.

Efeito Orloff
O foco do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em relação aos políticos, está fechado no presidente da Câmara, que esperneia por causa disso. Outros quatro denunciados por Janot, como o senador Fernando Collor (PTB-AL), estão em segundo plano, no aguardo do “devido processo legal”. Entretanto, todos vivem a expectativa do que pode vazar contra eles. A PF tem solicitado mais prazos, quebras de sigilos bancário, fiscal e telefônico e tomado depoimentos de muitos deles. As investigações continuam. É uma espera angustiante.

Teme-se uma espécie de efeito Orloff, aquele “eu sou você amanhã” da famosa propaganda de vodca. Dois políticos sem mandato já foram condenados e estão presos: o ex- deputado petista André Vargas e o ex- tesoureiro do partido, João Vaccari. O ex- ministro da Casa Civil José Dirceu, que voltou à cadeia, e o ex- deputado Luiz Argôlo, que era filiado ao Solidariedade, aguardam julgamento. Cada vez que surge uma nova delação premiada, a chapa esquenta para alguns deles. A de Fernando Soares, o Fernando Baiano, ameaça carbonizar o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB- AL); o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT- MS); e senador Jader Barbalho (PMDB- PA), todos no aguardo da denúncia de Janot.

O juiz Sérgio Moro, da Vara Federal de Curitiba, costuma andar mais rápido do que o STF. Por essa razão, citado por Baiano e sem mandato, está no sal o ex- ministro de Minas e Energia Silas Rondeau, que ocupou o cargo no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. A propósito, ontem o Ministério Público Federal apresentou uma nova denúncia contra o presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e dois executivos da maior empreiteira do país, que continuam presos.

Os contratos que são alvo da ação estão relacionados aos projetos de terraplenagem no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e na Refinaria Abreu de Lima (RNEST); à Unidade de Processamento de Condensado de Gás Natural (UPCGN II e III) do Terminal de Cabiúnas (Tecab); à Tocha e Gasoduto de Cabiúnas; e às plataformas P-59; P-60, na Bahia. Os pagamentos das propinas ocorreram entre dezembro de 2006 a junho de 2014, principalmente, em espécie e depósitos no exterior. Moro menciona a possibilidade de haver pagamento de propina a pessoas com foro privilegiado, que não foram inseridas na denúncia. Mas estão entre 62 políticos investigados.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

A cabeça de Levy

 Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Coprreio Braziliense - 18/10;2015

 O ministro da Fazenda foi obrigado a liberar mais de R$ 2 bilhões em emendas parlamentares e a adiar o corte de 3 mil cargos comissionados


Das duas, uma: ou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está em completa dissonância com a presidente Dilma Rousseff em relação ao ajuste fiscal, ou ambos estão fazendo um jogo combinado. O primeiro faz o discurso que as bases eleitorais petistas gostam de ouvir, com críticas reiteradas ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy; a segunda tenta dizer ao mercado que o governo fará o dever de casa para sair da crise, sob a batuta do atual ministro da Fazenda.

Na quinta-feira, o ex-presidente se reuniu com a bancada do PT para discutir o alinhamento dos deputados com o Palácio do Planalto, principalmente em relação à blindagem do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), no Conselho de Ética da Casa. Na mesma reunião, porém, Lula liberou a bancada para criticar a política de ajuste fiscal de Levy, na mesma linha do que já vem sendo feito pelo presidente do PT, Rui Falcão, e outros caciques da legenda.

Lula pretende convencer a presidente Dilma a reorientar a política econômica. Para ele, é preciso parar de falar em ajuste e apresentar uma agenda de crescimento, “vender esperança” ao povo brasileiro. O ex-presidente conseguiu tudo o que queria na reforma ministerial, menos remover Levy do Ministério da Fazenda.
 
O candidato do ex-presidente da República para o cargo é o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles. Não é um nome que empolgue o PT, muito menos a presidente Dilma Rousseff, que o teve como desafeto no governo Lula, mas certamente seria bem-vindo pelo mercado financeiro, de cujo meio faz parte. Na cozinha do Palácio, porém, Nelson Barbosa é o mais cotado para o lugar, embora tenha sido o autor da patacoada da apresentação ao Congresso de um Orçamento com déficit.

Levy corre risco de ser expelido do governo como bagaço de laranja, exaurido pelas dificuldades políticas que enfrentou para fazer o ajuste. Sofre permanente sabotagem dos petistas na Esplanada. Sem falar nos ataques sistemáticos da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Seu maior, problema, porém, é o fracasso do ajuste fiscal. O déficit fiscal deste ano já está na casa dos R$ 20 bilhões. Sem a aprovação da nova CPMF, que não encontra apoio no Congresso, a conta deve subir para R$ 60 bilhões no próximo ano.

A presença de Levy na Fazenda era vista pelos investidores externos como uma garantia de que o governo Dilma havia tomado juízo em relação às contas públicas. Não é mais, principalmente depois do rebaixamento do Brasil pelas agências de risco. Na última reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI), Levy chegou a passar por situações constrangedoras, diante da desmoralização crescente do governo brasileiro no mercado financeiro internacional.
 
Falta apoio na base


Ocorre que as perspectivas para o próximo ano também não são animadoras para Levy. O relator do Orçamento da União de 2016, deputado Ricardo Barros (PP-PR), não considera mais a CPMF fundamental para o esforço fiscal. “O imposto não será mais considerado no Orçamento do ano que vem”, anunciou. De nada adiantaram as declarações de Levy, durante audiência na Câmara, de que a CPMF era imprescindível para fechar as contas do governo.

Ninguém está levando o ajuste a sério na base do governo, tanto que no final de semana passada, na batalha para barrar o impeachment da presidente Dilma, o ministro da Fazenda foi obrigado a liberar mais de R$ 2 bilhões em emendas parlamentares e adiar o corte de 3 mil cargos comissionados. Não é à toa que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), chutou para novembro a votação dos vetos de Dilma ao reajuste dos aposentados, ao aumento do Judiciário e outras matérias da chamada “pauta-bomba”.

O que ainda mantém Levy no cargo talvez sejam as “pedaladas fiscais” de 2015, que constituem um fato grave no exercício do atual mandato, que pode resultar no enquadramento da presidente da República no crime de responsabilidade. O governo precisa resolver o problema junto ao Tribunal de Contas da União, isto é, o rombo de R$ 40 bilhões de gastos oficiais sem a devida cobertura do Tesouro. Para isso, é preciso usar as mãos de tesoura de Levy e cortar despesas.

Se fracassar na tarefa, Levy estará com os dias contados. Corre o risco de ser demitido como incompetente. Se for bem-sucedido, porém, nada garante que permaneça na equipe. Lula quer uma cara nova na Fazenda, com uma agenda desenvolvimentista. Dilma entregará a cabeça de Levy numa bandeja para o PT, docemente constrangida, dando por encerrado o período de ajuste fiscal. É apenas uma questão de tempo.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

À sombra do impeachment

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 15/10/2015 

 Com o poder de decidir sobre a abertura do impeachment, Cunha pode se imolar tocando fogo no circo. Por isso, o governo prefere salvá-lo no Conselho de Ética e recuperar a governabilidade na Câmara

 O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), deve recorrer até amanhã ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra as liminares dos ministros Teori Zavascki e Rosa Weber que alteraram o rito de apreciação dos pedidos de impeachment. Como se sabe, os dois ministros cassaram o direito de a oposição recorrer ao plenário caso sejam indeferidos por Cunha, a quem atribuíram o poder monocrático de dar início ou arquivar qualquer pedido dessa natureza.

A decisão foi comemorada pelo Palácio do Planalto e pelos governistas. Dilma aproveitou o momento e partiu para a ofensiva contra oposição, durante Congresso da CUT, na noite de terça-feira, no qual disse que as articulações políticas para realizar o impeachment são um “golpismo escancarado” e que crise política do Brasil se expressa na tentativa da oposição de fazer o “terceiro turno”.

“Querem criar uma onda que leve de qualquer jeito ao encurtamento do meu mandato, sem fato jurídico. E isso tem nome”, disse a presidente. A plateia respondeu em coro: “golpe!” Dilma chamou os oposicionistas de “moralistas sem moral” e indagou: “quem tem moral suficiente, reputação ilibada e biografia limpa para atacar a minha honra?”.

Foi um discurso para sindicalistas do PT, em completa dissonância com o apelo ao diálogo e à negociação feito poucas horas antes por seu ministro da Comunicação Social, Edinho Silva. Mais ainda quando se sabe que o novo ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, negocia diretamente com Cunha um acordão para livrá-lo de cassação pelo Conselho de Ética da Câmara, por falta de decoro parlamentar.

Nos bastidores do Palácio do Planalto, comenta-se que o impeachment seria um assunto liquidado no Supremo Tribunal Federal (STF). Pelas contas dos estrategistas do governo, Dilma teria o apoio dos ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Edson Fachin, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber e Teori Zavascki. Cármen Lúcia, Celso de Mello e Luiz Fux são considerados inescrutáveis. Dias Toffoli e Gilmar Mendes são tratados como desafetos de Dilma.

Ocorre, porém, que o impeachment é uma prerrogativa exclusiva do Congresso, não é uma decisão que caiba ao Supremo Tribunal Federal (STF), que exorbitaria caso decidisse julgar o mérito da questão, a não ser que haja flagrante violação da Constituição. A franja da ambiguidade em relação ao tema está no rito adotado por Cunha para o impeachment. Foi aí que os ministros Teori e Rosa se estribaram para interferir no processo na terça-feira passada.

Barganha
A mesma Lei nº 1079, de 1950, que serviu de base para as liminares dos dois ministros atribuindo poder monocrático a Cunha para iniciar ou arquivar o processo de impeachment, como já fez com 15 deles, estabelece um amplo espectro de possibilidades para enquadramento do presidente da República no crime de responsabilidade, motivo para afastamento do cargo. Uma delas é a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos, como ordenar despesas não autorizada por lei.

Até agora, o presidente da Câmara tem indeferido os pedidos de impeachment com base no parágrafo 4º do artigo 86 da Constituição, que diz: “O presidente da República, no exercício de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos a suas funções”. Mas acontece que as “pedaladas fiscais” e a realização de despesas não autorizadas pelo Congresso, que levaram à rejeição das contas de 2014 pelo Tribunal de Contas da União, continuaram sendo praticadas em 2015, conforme parecer do Ministério Público da União.

É esse parecer que a oposição incorporou ao novo pedido de impeachment que pretende apresentar, para evitar que uma decisão favorável ao impeachment venha a ser contestada com êxito no Supremo Tribunal Federal, com o argumento de os fatos tratados referem-se ao primeiro mandato. Cunha tem afirmado que fará uma apreciação técnica e não um julgamento político do pedido, para decidir se infere ou não.

É aí que o poder de barganha de Cunha junto ao governo e à oposição cresce institucionalmente. Mesmo que esteja ferido de morte, o presidente da Câmara não morreu de véspera. Seus adversários no Congresso dizem que ele sobreviverá apenas 90 dias, porque o rito de cassação por quebra de decoro no Conselho de Ética é sumário e tem um calendário implacável. Numa crise como a que o país atravessa, é muito tempo.

Com voto aberto em plenário, o destino de Cunha seria igual ao do ex-vice-presidente da Câmara André Vargas, que foi cassado e hoje está preso, por muito menos do que os delitos que estão sendo atribuídos pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao atual presidente da Câmara. Mas “outros poderes se alevantam”, como diria um velho sindicalista. Com o poder de decidir sobre a abertura do impeachment, Cunha pode se imolar tocando fogo no circo. Por isso, o governo prefere salvá-lo no Conselho de Ética e recuperar a governabilidade na Câmara.