domingo, 30 de agosto de 2015

O recado de Cícero

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 30/08/2015

O Palácio do Planalto dá sinais de que ensaia uma espécie de tango argentino, ou seja, uma guinada populista para atender às reivindicações dos movimentos sociais comandados pelos petistas


Marco Túlio Cícero (106 a.C.- 43 a.C.) foi um notável estadista, filósofo e administrador romano, que estudou na Grécia, onde esteve exilado. Apesar de ter sido eleito consul em 63 a.C., não foi um político pragmático. No auge de seu prestígio, trombou com Pompeu, Júlio César e Crasso e teve que se exilar novamente.

Com a morte de Cesar, denunciou as pretensões ditatoriais de Marco Antônio. E apoiou Otávio, filho de Cesar, na guerra entre ambos. Os dois, porém, se uniram contra ele, e Cícero acabou condenado à morte. A cabeça e as mãos decepadas do filósofo foram expostas no Fórum romano, cujas ruínas podem ser vistas até hoje na cidade de Roma.

Cícero era indeciso, vaidoso, subestimou seus oponentes e exagerou as virtudes dos amigos. Não compreendeu a ausência de mecanismos asseguradores da lei e da ordem e o controle dos exércitos no Império Romano. Sua honestidade, patriotismo e capacidade intelectual, porém, reservaram-lhe um lugar no altar da história, quando nada por debelar a conspiração de Catilina para assumir o poder e opor-se a Marco Antônio, no fim da vida, em defesa da República.

Legou ao Ocidente conceitos como “qualidade”, “individual”, “indução”, “elemento”, “definição”, “noção”, “infinidade” etc. Uma dezena de suas obras ajudaram a preservar a cultura greco-romana, algumas das quais influenciaram profundamente a ética cristã e a moral laica moderna.

É dele uma conhecida citação sobre a administração pública: “O orçamento nacional deve ser equilibrado. As dívidas devem ser reduzidas, a arrogância das autoridades deve ser moderada e controlada. Os pagamentos a governos estrangeiros devem ser reduzidos se a nação não quiser ir à falência. As pessoas devem, novamente, aprender a trabalhar, em vez de viver por conta pública”.

A presidente Dilma Rousseff deveria ouvir os conselhos de Cícero. Com o país mergulhado na recessão, com a inflação ainda alta, uma crise cambial mascarada e o desemprego, o anúncio de que o governo pretende recriar a CPMF surpreendeu os políticos da própria base do governo e grandes empresários que apoiam o governo.

O Palácio do Planalto dá sinais de que ensaia uma espécie de tango argentino, ou seja, uma guinada populista para atender às reivindicações dos movimentos sociais comandados pelos petistas. O mea-culpa do começo da semana foi substituído pela radicalização do discurso contra a oposição.

No Ceará, Dilma voltou a fantasiar a realidade e difundir uma visão maniqueísta sobre o país. Disse que há uma “minoria” de “pescadores de águas turvas” que apostam no “quanto pior, melhor”. E voltou a prometer o que é incapaz de cumprir: “Mas nós vamos ter clareza de afirmar não só que o Brasil é um país forte, mas também que vai crescer e vai superar as dificuldades que tem, que são momentâneas”, acrescentou.

O bumerangue

No mesmo dia, o IBGE divulgou que o Produto Interno Bruto (PIB) recuou 1,9% no segundo trimestre de 2015, em relação aos três meses anteriores, e o país entrou na chamada “recessão técnica”, que ocorre quando a economia registra dois trimestres seguidos de queda. De janeiro a março deste ano, o PIB teve baixa de 0,7% (dado revisado).

Em relação ao segundo trimestre de 2014, a baixa foi ainda mais profunda, de 2,6%, a maior desde o primeiro trimestre de 2009, quando o recuo também foi de 2,6%. Em valores correntes, o PIB no segundo trimestre do ano alcançou R$ 1,43 trilhão. Na análise dos setores, todos registraram queda, puxada pela indústria, que teve retração de 4,3%, pela agropecuária, de 2,7%, e pelos serviços, de 0,7%.

O dólar fechou a semana em R$ 3,58, o que terá impacto na inflação, e o Banco Central divulgou que as contas de todo o setor público, incluindo o governo, estados, municípios e empresas estatais, registraram nova deterioração em julho. Houve deficit primário (receitas menos despesas, sem contar os juros) de R$ 10,01 bilhões. Ou seja, o governo gasta muito mais do que arrecada. O ajuste fiscal está indo para o ralo.

Quando a CPMF deixou de ser cobrada, em 2008, o governo aumentou a Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL) dos bancos de 8% para 15%; agora, Congresso aprovou nova subida, para 20%, como forma de compensar essa perda. O IOF também subiu imediatamente após a CPMF ser extinta em janeiro em 2008 e hoje arrecada cerca de 30 bilhões de reais por ano. Ou seja, não houve perda de arrecadação por causa do fim da CPMF.

O que fez a economia desandar foi a chamada “nova matriz econômica”, uma sucessão de decisões equivocadas da presidente Dilma para manter o país no reino da fantasia e se reeleger. Agora, a inclusão da nova CPMF no Orçamento de 2016 é mais um imbróglio político, numa hora em que o Palácio do Planalto perdeu seu principal articulador político e corre o risco de perder o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que se opôs à iniciativa.

Setores empresariais que se posicionaram contra o impeachment da presidente da República estão contra o novo imposto, os líderes do PMDB e da oposição também. Dilma pretende lançar governadores e prefeitos contra o Congresso, para aprovar a volta da CPMF, mas se esquece de que a mobilização dos demais entes federados pode se voltar contra o Palácio do Planalto, como um bumerangue.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Ondas e marés

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 27/08/2015

Chegará um momento em que Lula se lançará ao mar novamente, amparado nos movimentos sociais, responsabilizando Dilma por tudo o que deu de errado no país. Não será uma manobra simples

As ondas, as marés e as correntes têm causas muito diferentes, embora formem uma mesma massa líquida nos oceanos. Grosso modo, as ondas são provocadas predominantemente pelo vento; as marés, pela influência do Sol e da Lua; e as correntes, pelo deslocamento das águas quentes de origem equatorial e das frias, originárias dos polos da Terra, que se deslocam em sentido horário e anti-horário, dependendo do hemisfério. Nossa costa é banhada pelas correntes Brasil (quente) e Malvinas (fria). Esse é o beabá da navegação.

Conhecer o movimento das marés é necessário até na hora de ancorar uma embarcação. Desculpe-me a comparação, mas a presidente Dilma Rousseff parece não saber distinguir o movimento das ondas, das marés e das correntes da vida nacional. Tem se revelado incapaz de conduzir o país em meios aos perigos que o mar revolto oferece. O melhor exemplo são as recentes declarações de que demorou a perceber a gravidade da crise econômica e que, por isso, seu governo não reagiu antes da borrasca chegar.

Há na afirmação dois embustes: o primeiro é o fato de que foi devidamente advertida pela sua própria equipe econômica, em meados do ano passado, ou seja, pelo ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, que foi demitido mas só deixou o cargo depois das eleições; o segundo, é a tentativa canhestra de atribuir a culpa da crise à economia mundial e, assim, fugir à própria responsabilidade.

Dilma navega sem carta-piloto, tábua de marés e previsão do tempo. Na verdade, a crise que o país atravessa teve causas internas e foi provocada pelo voluntarismo político, uma característica da presidente da República desde os tempos em que aderiu à luta armada contra o regime militar. No mar, o voluntarismo costuma resultar em naufrágios. Na economia e na política, não é diferente.

Foi em agosto de 2011, ou seja, no primeiro ano de mandato, que Dilma resolveu jogar ao mar a bússola que orientava a economia do país desde o chamado Plano Real: o famoso tripé meta de inflação, o câmbio flutuante e o superavit fiscal. Começou com a meta de redução forçada da taxa de juros. Com uma inflação em torno de 6,5% ao ano, o BC reduziu os juros para 7,25% naquele mesmo ano, com intenção de chegar a 2,5% em 2014.

Simultaneamente, o Ministério da Fazenda forçou a desvalorização do real, passou a administrar a taxa de câmbio e adotou medidas protecionistas e outros estímulos à indústria, como desonerações e crédito subsidiado via BNDES. Para completar o desastre, apelou às chamadas “pedaladas fiscais”, jogou na lata do lixo a Lei de Responsabilidade Fiscal. O abandono da política de superavit fiscal fez explodir a dívida pública, que agora é o grande nó da retomada do crescimento.

A crise econômica é, pois, estrutural. Para usar a linguagem náutica, digamos que é uma grande corrente polar, que se manterá predominante por um bom período, com recessão, desemprego, desvalorização cambial e inflação, espantando investidores e retraindo o consumo.

Mar de almirante

Com mau tempo, os políticos também se agitam. Se Dilma faz trapalhadas na economia, na política nem se fala. A começar pela avaliação da chamada correlação de forças. Confunde o poder do Estado com sua própria força, o posicionamento de banqueiros e federações das indústrias contra o impeachment com o apoio incondicional ao seu governo. Resultado: depois de jogar a bússola ao mar, trancou o imediato na cabine e ameaça desembarcar o piloto, ou seja, o vice-presidente Michel Temer e o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, respectivamente.

A situação no Congresso é enganadora, como uma baía abrigada apenas dos ventos de Nordeste. Se entrar um Sudoeste, será um Deus nos acuda. Por enquanto, a situação está sob controle, porque as principais lideranças do PMDB estão acuadas pela Operação Lava-Jato, a começar pelos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Mas na hora em que novas denúncias forem feitas contra os 48 políticos envolvidos, e que o povo voltar aos protestos de rua, novamente a confusão se estabelecerá.

A saída de Michel Temer da coordenação política foi um sinal de que a situação a bordo tende a se tornar caótica na próxima borrasca. Dilma dispensou a colaboração de seu aliado mais importante. A conversa de que o vice-presidente da República vai cuidar da macropolítica não deixa de ser verdadeira. Mas o fará em benefício do projeto de poder do PMDB, que passa pelas eleições municipais — a candidatura de Marta Suplicy em São Paulo, por exemplo. Mira uma candidatura própria em 2018. Na melhor das hipóteses, para Dilma; na pior, é o impeachment.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já pulou fora do barco, de fininho. O petista reaproximou-se de Dilma por causa da Operação Lava-Jato, que ameaça destruir sua biografia. Ruim com a presidente da República; pior ainda sem ela, dirão os petistas. Mas chegará um momento em que Lula se lançará ao mar novamente, amparado nos movimentos sociais, responsabilizando Dilma por tudo o que deu de errado no país. Não será uma manobra simples, mas é a única que lhe resta, a não ser que a presidente da República seja apeada do poder e Temer assuma a Presidência.

A oposição, em meio ao mar revolto, parece desnorteada. Depois de apostar no impeachment, deu meio volta e aguarda os desdobramentos da Operação Lava-Jato e do julgamento das contas de campanha da presidente Dilma Rousseff pelo Tribunal Superior Eleitoral. Voltou a ter esperanças de que Dilma e Temer sejam cassados por crime eleitoral, o que exigiria a realização de novas eleições já. Ou seja, sonha com um mar de almirante pouco provável.

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

O espectro da Lava-Jato

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 26/08/2015

A oposição adiou a reunião que estava programada para discutir a proposta de impeachment de Dilma Rousseff. PSDB, DEM, PPS e SD chegaram à conclusão de que nada acontecerá sem a participação do PMDB 

 A Operação Lava-Jato, que investiga 48 políticos com foro privilegiado, ronda o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto. A saída do vice-presidente Michel Temer da articulação política do governo foi vista por todos como mais um fator de enfraquecimento da presidente Dilma Rousseff, mas a cúpula do PMDB decidiu afrouxar a corda com o Palácio para evitar que seu afastamento fosse interpretado como uma ruptura com o governo. Até o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que vinha numa escalada de confronto, pegou leve nesta semana com o Palácio do Planalto.

Por essa razão, a oposição adiou a reunião que estava programada para discutir a proposta de impeachment de Dilma Rousseff. Os líderes do PSDB, DEM, PPS e SD, que haviam convocado a reunião, chegaram à conclusão de que nada acontecerá sem a participação do PMDB e resolveram esperar os desdobramentos da saída de Michel Temer da articulação política do governo. A tensão no Congresso, porém, não diminuiu nem um pouco.

Na Câmara, a cena política foi roubada pela CPI da Petrobras, que promoveu uma acareação entre o doleiro Alberto Yousseff e o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto da Costa. Ambos aderiram à delação premiada e reiteraram seus depoimentos à Polícia Federal e à própria CPI, em alguns aspectos contraditórios. O choque de versões mais importante foi em relação ao suposto repasse de R$ 2 milhões desviados de contratos com a Petrobras da cota do PP para a campanha da presidente Dilma Rousseff, a pedido do ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil Antônio Palocci.

Segundo Youssef, um dos delatores da Lava-Jato estaria detalhando ao Ministério Público Federal quem pediu o dinheiro para a campanha petista na eleição presidencial de 2010. O doleiro, entretanto, não quis dizer o nome do delator. Negou, porém, a afirmação de Costa de que fora ele, Yousseff, quem lhe pedira para arrecadar dinheiro para a campanha de Dilma. “Esse assunto me veio através do Alberto Youssef. Eu autorizei repassarem os R$ 2 milhões da cota do PP para a campanha de 2010. Eu ratifico integralmente os meus depoimentos. Todos eles”, disse o ex-diretor da Petrobras.

Yousseff contestou: “Eu vou me reservar ao silêncio com referência a esse assunto porque existe uma investigação do Palocci, e logo vai ser revelado e será esclarecido o assunto. Tem outro réu colaborador que está falando, eu não fiz esse repasse. Assim que essa colaboração for notificada, vocês vão saber realmente quem foi que pediu recurso e quem repassou esse recurso”, disse aos parlamentares. O doleiro negou envolvimento com o ex-ministro Antônio Palocci ou qualquer outra pessoa ligada ao petista, mas disse que o ex-presidente do PSDB Sergio Guerra (PE) recebeu R$ 10 milhões para encerrar a CPI da Petrobras anterior.

Campanhas eleitorais

Entre os senadores, porém, a notícia do dia foi o despacho assinado pelo juiz federal Sérgio Moro, responsável pelas ações penais da operação na primeira instância, que encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) documentos que podem ser provas de que a senadora Gleisi Hoffmann (PT) teria sido beneficiada pelo esquema investigado pela Operação Lava-Jato no Ministério do Planejamento.

Detectou-se o pagamento de propina através de um acordo firmado entre o Ministério do Planejamento e a empresa Consist Software para gestão de empréstimos consignados, que localizou documentos no escritório de advocacia de Guilherme Gonçalves, que prestou serviços à senadora nas campanhas eleitorais de 2010 e 2014. Os valores recebidos pela Consist teriam sido utilizados para efetuar pagamentos em favor de Gleisi Hoffmann.

De acordo com a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, o ex-vereador de Americana (SP) Alexandre Romano e empresário Milton Pascowitch eram os operadores desta irregularidade. Foi apreendida uma planilha que citava o “Fundo Consist” e repasses a Gleisi Hoffmann e pessoas de sua confiança. A senadora foi chefe da Casa Civil no primeiro mandato da presidente Dilma.

A propósito, o ministro Gilmar Mendes, relator da contas da presidente Dilma Rousseff na campanha de 2014, determinou ontem que o Ministério Público de São Paulo investigue uma empresa que recebeu R$ 1,6 milhão da campanha de reeleição da presidente Dilma. Relatório da Secretaria de Fazenda de São Paulo sobre a empresa Angela Maria do Nascimento Sorocaba-ME, para apuração de “eventual ilícito”, foi remetido ao MP. A empresa foi aberta em agosto do ano passado e, até setembro, recebeu R$ 3,6 milhões. Desse total, notas no valor de R$ 1,6 milhão foram emitidas em nome da campanha eleitoral de Dilma. O PT nega irregularidades.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Quem é a crise?

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 25/08/2015

  Dilma perdeu a confiança em Michel Temer, depois que o vice-presidente disse que o o país precisava de “um líder que unificasse o país”; também faz gestos de que o ministro da Fazenda não lidera a equipe econômica

Um dos critérios para analisar a grave conjuntura que atravessa o país é identificar suas linhas de força, ou seja, aquelas tendências que se projetam para o futuro, ou seja, além do horizonte político imediato. Grosso modo, são três: o agravamento da crise econômica; a desarticulação da base do governo no Congresso; e a Operação Lava-Jato. A presidente Dilma Rousseff tem responsabilidade direta nas duas primeiras, e indireta na terceira, por sua omissão no primeiro mandato em relação aos “desfeitos” na Petrobras.

O grande problema é que a presidente da República, diante dessa crise tríplice, tem se revelado incapaz de debelá-la. Pelo contrário, suas intervenções no processo acabam sempre por torná-la mais dramática. O dia de ontem foi a prova disso: o vice-presidente Michel Temer entregou o posto de articulador político do governo no Congresso e o ministro da Fazenda, Joaquim levy, cada vez mais desprestigiado, tirou três dias de folga e foi dar uma voltinha em Nova York. Ambos foram atropelados por Dilma Rousseff, uma espécie de quem manda aqui sou eu, mas que revela como o comportamento da Presidência é errático.

Quando se tem um problema complexo, o melhor a fazer é desagregá-lo em várias equações simplificadas e resolvê-las uma a uma. Parecia ser esse o caminho quando Dilma nomeou Levy para a Fazenda e Temer para a articulação política, deixando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a responsabilidade de acalmar o PT e mobilizar apoios dos movimentos sociais ao ajuste fiscal. Mas parece que a presidente da República nunca esteve convicta de que esse era o caminho a seguir, muito menos os ministros da cozinha do Palácio do Planalto, sem falar nas bancadas do PT no Congresso e nos líderes petistas dos movimentos sociais, principalmente da CUT.

Em circunstâncias normais, esse arranjo permitiria ao governo viabilizar o ajuste fiscal, rearticular a base do governo e manter distância regulamentar da Operação Lava-Jato. O horizonte político imediato seria a eleição municipal, na qual os partidos acumulam forças para disputar o poder central. Nesse cenário, a crise política seria absorvida e a economia, melhor gerenciada. A Lava-Jato é uma contingência com a qual todos teriam que lidar.

Mas não é isso que está acontecendo. Dilma perdeu a confiança — se é que a teve em algum momento — em Michel Temer, envenenada por seu estado-maior, depois que o vice-presidente disse que o o país precisava de “um líder que unificasse o país”; também faz gestos de que o ministro da Fazenda não lidera a equipe econômica, dando sucessivos sinais de que o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, é o seu preferido. O ex-presidente Lula é um capítulo à parte. Criador e criatura andaram se estranhando, a ponto de o primeiro conspirar contra a segunda, mas a Lava-Jato chegou muito perto de ambos.

Pode piorar

A retórica do governo é surreal. Michel Temer saiu do Palácio do Planalto sem falar com a imprensa, mas o líder de governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), difundiu a versão de que Temer cuidará da macropolítica, apenas deixará o varejo da distribuição de cargos e verbas. Ao mesmo tempo, assessores do Planalto vazaram para a imprensa que o responsável pela saída de Temer era o ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

Recentes manifestações do empresariado contra o impeachment de Dilma Rousseff deram ao Palácio do Planalto a certeza de que o establishment apoia o governo incondicionalmente. Mas a maioria não pretende fazer grandes investimentos enquanto Dilma estiver no poder, por causa das incertezas políticas e de seus zigue-zagues na economia. O que se quer é que a situação não se agrave mais do que já está, até a sucessão em 2018.

A saída de Temer da articulação enfraquece ainda mais o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que tinha no vice-presidente o seu maior aliado. Ou seja, a crise política se agravou e nada impede que a mesma coisa aconteça com a economia. Aliás, o reforma administrativa para reduzir de 39 para 29 os ministérios e extinguir 2 mil cargos comissionados, anunciada ontem pelo ministro Nelson Barbosa, é um sinal de que a bola não está com Levy. Vamos ver o que acontece na reacomodação da base do governo.

Por último, tem a Operação Lava-Jato, cada vez mais eletrizante. Por exemplo, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado será palco da sabatina do procurador-geral Rodrigo Janot. Na primeira fila estará o ex-presidente Collor de Mello (PTB-CE), que ontem foi á tribuna para chamá-lo de “fascista” e “sujeitinho à toa”.

Dilma aposta na defenestração do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), seu desafeto, para recuperar o controle do Congresso, depois do acordo com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que também está sob investigação da Lava-Jato, como mais 44 políticos não denunciados ainda por Janot. Dilma aposta na Lava-Jato para tirar do caminho seus adversários no Congresso, mas as investigações atingem de morte o PT. Será que isso vai mesmo dar certo? 

domingo, 23 de agosto de 2015

O lixo da História

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 23/08/2015

O colapso do projeto de Dilma se deve às ideias políticas e econômicas fora de lugar, secundadas por práticas patrimonialistas que ameaçam desmoralizar toda a esquerda

Após o AI-5 (13/12/1968), o Brasil entrou num período de trevas e radicalização política. O sociólogo Roberto Schwartz, então professor de teoria literária da Universidade de São Paulo (USP) e assistente de Antônio Cândido, teve que se esconder na casa de amigos e, depois, se exilar na França, onde releu O Príncipe, de Maquiavel, e O Alienista, de Machado de Assis. Nessas obras se inspirou para escrever uma chanchada intitulada A lata do lixo da História (Companhia Das Letras), uma sátira impiedosa da sociedade brasileira na época do regime militar.

Estavam ali os germes de uma de suas obras mais importantes, Ideias fora do lugar (Companhia Das Letras). No ensaio que intitula a obra, ele procura mostrar como as ideias liberais eram solapadas pela realidade de um país escravocrata e socialmente atrasado, em que o favor era a moeda corrente, como é ainda hoje na política brasileira. Nos anos 1970, a expressão “vai para a lata do lixo da História” era muito usada pelos setores de esquerda que hoje ocupam o poder.

Era uma maneira de dizer que tanto as ideias liberais quanto as da velha esquerda haviam sido derrotadas e que seriam ultrapassadas pelas “novas lutas”, inspiradas em Cuba e na China, na medida em que a “revolução coincidisse com a derrubada da ditadura”. Não foi bem isso o que aconteceu, pois a luta armada contra o regime foi um fiasco e a política de unidade das forças democráticas, defendida por liberais e comunistas, deu forma à derrocada do regime militar.

Ocorre, porém, que a História é voluntariosa. No bojo desse processo, emergiu o novo sindicalismo do ABC, que nada tinha a ver com os velhos sindicalistas ligados ao PTB e ao PCB. Líder dos metalúrgicos de São Bernardo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva organizou a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e criou o PT. A tese da lata do lixo da História pareceu se confirmar quando, em 2002, ele chegou à Presidência.

A gênese dos partidos operários está na velha tese marxista da centralidade do trabalho na luta política, que parte da ideia de que a contradição entre o trabalho e o capital é o motor da História e o eixo de atuação política do partido. Vem daí o glamour perdido do PT e o fascínio dos intelectuais e artistas de esquerda por Lula.

Vale destacar que filósofa alemã Hanna Arendt, uma democrata radical, sempre viu nessa concepção que absolutiza o trabalho uma das raízes do totalitarismo. Para ela, a condição humana é dada não pela atividade laboral, um meio de sobrevivência, mas pelo “agir e pensar politicamente”, em regime de plena liberdade, o que tanto o fascismo como o stalinismo não permitiram.

O colapso

Durante a guerra fria, essa contradição se manifestava na disputa entre a União Soviética, os países do Leste europeu, os países dependentes e os movimentos nacionalistas, de um lado, e o os países desenvolvidos, principalmente os Estados Unidos, ou seja, o imperialismo, de outro. Com o fim da União Soviética e a derrocada do comunismo no Leste europeu,  a situação se modificou completamente.

O que restou disso, além de Cuba e da Coreia do Norte, foi o misto de capitalismo de Estado e “modo de produção asiático” do partido comunista chinês, secundado pelo Vietnã, que disputa com os Estados Unidos, via Oceano Pacifico, o controle do comércio mundial.

O “grande jogo” da política mundial e a globalização, porém, para muitos setores da esquerda, continuaram sendo vistos na ótica dos velhos paradigmas marxistas, ou seja, o inimigo principal é o imperialismo norte-americano; o capitalismo de Estado, após a tomada do poder, é a antessala do socialismo.

A aliança com a África do Sul, a China, a Índia e a Rússia seria a vanguarda de uma nova ordem mundial, assim como o Mercosul é um bloco anti-imperialista. Esse é o grande nó da política empreendida pelo governo Dilma, a chamada “nova matriz econômica”, que apostou no intervencionismo estatal para expandir o mercado interno e direcionar a economia, cometendo erros sucessivos de gestão, cujos resultados negativos nas atividades produtivas estamos colhendo agora.

O colapso dessa estratégia não se deve apenas à corrupção na Petrobras e outras estatais, envolvendo o PT e seus aliados, executivos de empresas públicas e empresários a ela ligadas. Esse é o elemento catalisador da crise econômica e política. O colapso do projeto político de Dilma e do PT se deve às ideias políticas e econômicas fora de lugar, seguidas por práticas patrimonialistas estimuladas por Lula, que ameaçam enlamear toda a esquerda e jogar suas lideranças na lata do lixo da História porque derivaram para o escândalo da Operação Lava-Jato.

É por isso que o governo Dilma não tem uma saída à vista para a crise econômica. Além de ter provocado a volta da inflação, a recessão, o desemprego e a explosão da dívida pública, Dilma perdeu o rumo. Sua base política e social rejeita o ajuste fiscal — um mero paliativo — e não quer nem ouvir falar em mudanças estruturais na direção do mercado. Luta apenas pela sobrevivência do próprio mandato.


quinta-feira, 20 de agosto de 2015

O destino de Cunha

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 20/08/2015

 Câmara aguarda a denúncia de Janot para saber qual será a reação de Cunha. Especulava-se que a disposição dele seria “afundar atirando”

  O clima na Câmara de Deputados ontem era de grande expectativa em relação ao teor da denúncia a ser oferecida pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por suposto envolvimento no esquema de desvio de recursos da Petrobras investigado na Operação Lava-Jato. Petistas e aliados do governo aguardam a denúncia para pedir o afastamento de Cunha do comando da Casa.

O próprio presidente da Câmara alimentou as expectativas em conversas reservadas com deputados aliados, aos quais disse que a denúncia poderia ocorrer ainda hoje. Em declarações dadas no Salão Verde da Casa, ao deixar seu gabinete em direção ao plenário, Cunha avisou que não pretende renunciar ao comando dos trabalhos: “Eu não farei afastamento de nenhuma natureza. Vou continuar exatamente no exercício para o qual fui eleito pela maioria desta Casa. Estou absolutamente tranquilo e sereno com relação a isso.”

Cunha mantém o ritmo frenético de trabalho na Câmara em plenário, com votações de terça a quinta-feira, que, muitas vezes, varam a madrugada. Ontem, pautou a segunda votação da polêmica emenda constitucional que reduz a maioridade penal para 16 anos, em casos de crimes hediondos e outras infrações graves. Matéria polêmica, dividiu a base do governo e a oposição.

Ou seja, diante da ameaça de se tornar réu da Operação Lava-Jato, Cunha mantém a Casa em alta rotação, submetendo o governo a sucessivas derrotas ou recuos, como ocorreu na terça-feira, quando foi aprovada a mudança na correção dos depósitos no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que passará a ter o mesmo cálculo da caderneta de poupança, com implantação escalonada em quatro anos.

“Eu não misturo o meu papel de presidente da Casa com as eventuais situações que possam envolver a minha pessoa. Exercerei o meu papel de presidente da forma que, institucionalmente, eu tenho que exercer. Eu não faço papel de retaliação nem tomo atitudes por causa de atitudes dos outros”, justificou-se. Não é o que pensa, porém, a maioria dos deputados, seja seus aliados, seja os desafetos.

A denúncia da PGR contra Cunha deverá ser feita com base em depoimento do ex-consultor da Toyo Setal Júlio Camargo no acordo de delação premiada. Ele disse que foi pressionado pelo peemedebista a pagar propina de US$ 10 milhões para que a Petrobras contratasse navios-sonda da Samsung. Do total do suborno, contou o delator, Cunha supostamente se consideraria “merecedor” de US$ 5 milhões. O presidente da Câmara nega a denúncia. Uma operação de busca e apreensão teria obtido provas de que alguns requerimentos da ex-deputada Solange Almeida( PMDB-RJ) foram elaborados no gabinete de Cunha para  supostamente pressionar fornecedores da Petrobras.

A espera de Janot

A maioria dos deputados costuma transformar em cadeira elétrica a presidência da Casa em casos de denúncias graves contra seus ocupantes. Por muito menos, foram defenestrados os deputados Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), no auge de seu prestígio, embora injustamente, sabe-se hoje, e o polêmico Severino Cavalcanti (PP-PE). O primeiro, na CPI do Orçamento, durante o governo Itamar Franco, uma crise restrita ao parlamento; e o segundo, durante o governo Lula, logo após a CPI dos Correios, numa situação em que não havia crise nenhuma.

Agora, o país está mergulhado numa crise tríplice — econômica, política e ética —, cujas vertentes se retroalimentam. Há dezenas de políticos sob investigação do Ministério Público, com autorização do Supremo Tribunal Federal (STF), contra os quais não foram oferecidas ainda quaisquer denúncias. Além dos senadores Fernando Collor de Mello (PTB-AL) e Ciro Nogueira (PP-PI) — que já foram objeto de operações de busca e apreensão em seus escritórios e residência, e que também podem ser denunciados hoje —, estão entre os investigados o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o presidente da Câmara.

É aí que a confusão se estabelece. Ninguém tira da cabeça de Cunha que o acordo feito entre a presidente Dilma Rousseff e Renan para recondução do procurador-geral, Rodrigo Janot — que precisa ser aprovada pelo Senado —, inclui o arquivamento da investigação contra o senador e uma denúncia pesada contra o presidente da Câmara, acompanhada de um pedido de seu afastamento do cargo pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Recentemente, acolhendo ação impetrada pela senadora Rose de Freitas (PMDB-ES), com respaldo do Palácio do Planalto e do próprio Renan, o ministro do STF Luís Roberto Barroso decidiu que as prestações de contas dos presidentes da República passariam a ser votadas em sessões do Congresso, e não separadamente pela Câmara e pelo Senado, como ocorreu até agora. Com isso, a iniciativa de pautar a matéria saiu das mãos de Cunha e passou a ser uma atribuição de Renan.

O presidente da Câmara viu a decisão como uma manobra urdida pelo Planalto, assim como seria parte do acordo a indicação do desembargador federal Fernando Navarro, por Dilma, a uma vaga de ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ele era o segundo da lista, mas fora apadrinhado pelo presidente do Senado.

Nesse cenário, a Câmara aguarda a denúncia de Janot para saber qual será a reação de Cunha. Especulava-se que a disposição dele seria “afundar atirando”. Nesse caso, seu maior petardo seria pôr na pauta da Câmara um dos pedidos de impeachment da presidente Dilma Rousseff que mantém na gaveta. É aí que o circo pode pegar fogo.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Risco de encalhe

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 19/08/2015 

 Estava tudo certo para entrar em votação o projeto que acaba com a desonerações tributárias — que mantém benefícios para alguns setores —, mas a sua apreciação acabou suspensa no Senado

O acordão da presidente Dilma Rousseff com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), vai de vento em popa quanto à blindagem da recondução do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, mas a Agenda Brasil corre o risco de encalhar no mar encapelado do Congresso. Renan já recebeu Janot; o líder do PMDB, Eunício de Oliveira (PMDB-CE), indicou o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) para relator da indicação; e a Comissão de Constituição de Justiça agendou a sua sabatina para a próxima semana. Seu nome deve ser aprovado pelo Senado sem muitas delongas. Mas a Agenda Brasil não saiu da gaveta.

Ontem, estava tudo certo para entrar em votação o projeto que acaba com a desonerações tributárias — que mantém benefícios para alguns setores —, mas a sua apreciação acabou suspensa depois de um encontro do presidente do Senado com o lobby das indústrias, capitaneado por Paulo Skaf, o presidente da poderosa Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), que passou o dia em Brasília. O relator do texto no Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), foi convencido a adotar um modelo de alíquotas lineares para todo empresariado, diferentemente do projeto da Câmara, que privilegiou apenas quatro setores.

A estratégia acertada com o governo por Renan era votar o projeto e aprová-lo sem emendas, para que não voltasse para a Câmara, onde poderia novamente ser modificado. Com o argumento de que isso representaria a demissão de 240 mil trabalhadores e mais recessão, Skaf embargou a votação. Desde ontem tenta convencer o relator na Câmara, Leonardo Picciani (PMDB-RJ), e o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a concordarem com a mudança.

Do outro lado do Congresso, a governo esperneia por causa da votação do novo índice de correção das contas dos trabalhadores no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que passariam a ser o mesmo da poupança, ou seja, de 3% ao ano mais a TR para 6% mais TR, a ser aplicada apenas nos depósitos feitos a partir de 2016. Segundo o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), o projeto inviabilizaria o programa Minha Casa Minha Vida, grande aposta de Dilma para percorrer o país e recuperar parte da popularidade perdida.

O deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), relator do projeto, depois de longas negociações com o Ministério da Fazenda, apresentou uma proposta alternativa escalonando em quatro anos o reajuste proposto por Cunha. O governo, porém, não aceitou e propôs um escalonamento maior: parcelar o reajuste até 2025. Pressionados por sindicalistas, deputados da oposição e da própria base se mobilizaram para derrotar o Planalto.

Blindagem 
 
Enquanto a pauta econômica não avança, as articulações políticas no Congresso se intensificam. Há pressa do governo para o projeto, que é uma dos pilares do ajuste fiscal, mas o PT parece desarvorado. Mantém-se coeso contra o impeachment, mas se opõe às propostas de Renan e ao próprio ajuste fiscal do ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

O PSDB, sob a liderança do ex-presidente Fernando Henrique Cardozo, tenta capitalizar os protestos de domingo passado e começa a se coesionar em torno da tese do impeachment de Dilma, por crime de responsabilidade. Há na Câmara mais de 10 pedidos de afastamento de Dilma, e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, não hesitaria em tirar um deles da gaveta se o procurador-geral Rodrigo Janot decidir denunciá-lo na Operação Lava-Jato, deixando de fora outros citados nas “delações premiadas”, como Renan Calheiros.

O espectro do escândalo da Petrobras ronda a Praça dos Três Poderes, pois a blindagem de Dilma Rousseff passa também pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Tribunal de Contas da União (TCU), além do Palácio do Planalto e do Congresso.

A blindagem ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que começa a se sentir ameaçado pelas investigações da Operação Lava Jato, também está em curso. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, determinou uma sindicância interna para apurar o vazamento das informações sobre os contratos de empresas investigadas pela Lava-Jato com a LILS, de propriedade de Lula. Houve também uma tentativa de afastar do caso o delegado responsável pelas investigações do escândalo da Petrobras, Eduardo Mauat, que tirou 15 dias de férias em agosto e até agora não reassumiu o posto em Curitiba, o que deveria ter ocorrido ontem.

A noite dos generais
 
Decano da crônica política, o jornalista Carlos Chagas lança hoje o livro A ditadura militar e a longa noite dos generais (Record), no restaurante Carpe Diem, na 104 Sul. Mostra a trajetória do movimento militar de 1970 a 1985, com o poder exercido pelo general Garrastazu Médici, passando pelo período do general Ernesto Geisel até o último dia de governo de João Baptista Figueiredo. Completa, assim, a narrativa de A ditadura militar e os golpes dentro do golpe: 1964-1969, seu livro anterior.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

O boneco de Lula

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 18/082015


A alegoria do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos protestos é o sinal de que sua figura pública, de líder operário que chegou à Presidência, começa a ser “desconstruída”

Nos protestos de domingo, além de pedir o impeachment da presidente Dilma Rousseff, os manifestantes intensificaram as críticas ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por causa do envolvimento do PT no esquema de corrupção da Petrobras. Um boneco inflável de Lula vestido de presidiário dominou a cena na Esplanada dos Ministérios, imagem que correu o mundo. Era inimaginável algo parecido até então.

Dezenas de bonecos de Lula já foram atração nas campanhas do PT pelo Brasil afora, mas aquele da manifestação de Brasília, que todos puderam ver no noticiário de televisão, é o mais duro golpe que a imagem do ex-presidente da República sofreu até agora. É o sinal de que sua figura pública, de líder operário que chegou à Presidência, começa a ser “desconstruída”, principalmente pelo avanço da Operação Lava-Jato, que investiga o escândalo de corrupção da Petrobras.

O marqueteiro João Santana, que cuida da imagem da presidente Dilma Rousseff, após as manifestações de março e abril, já havia revelado que as pesquisas qualitativas relacionavam o ex-presidente às falcatruas na Petrobras. A imagem de Lula seria a de “poderoso chefão”; em contrapartida, Dilma era vista como uma “mulher honesta”, não envolvida no escândalo. Toda a estratégia de defesa do governo em relação à ameaça de impeachment foi traçada levando em conta essa pesquisa.

Com níveis de popularidade baixíssimos, Dilma exerce o mandato para o qual foi eleita em condições muito adversas, a maioria consequência das próprias decisões. Como não surgiram provas de que tenha se envolvido diretamente no escândalo e, constitucionalmente, não pode ser investigada no exercício do mandato, até agora, a oposição não reuniu condições legais para o afastamento dela. Dilma só poderia ser afastada por crime de responsabilidade (impeachment), pelo Congresso; ou abuso de poder econômico e crime eleitoral (cassação de mandato), pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Essa blindagem legal, porém, não é suficiente para manter em torno da presidente da República o bloco de forças que hoje garante a sustentação política dela. O poder de agregação do governo, com seus cargos e verbas, também não é o bastante. O que vem sendo decisivo para manter a sustentação política e social de Dilma Rousseff é a expectativa de poder que ainda é gerada por uma eventual candidatura de Lula em 2018, caso o governo retome o crescimento econômico até 2017.

Lula sabe disso e trabalha para se manter como candidato competitivo, agora mais do que nunca. Ocorre que a imagem dele está sendo corroída pelas revelações da Operação Lava-Jato, principalmente por causa das delações premiadas, que acusam o envolvimento profundo da cúpula do PT, sobretudo por seus tesoureiros, nos escândalos ocorridos no seu período de governo. A mais nova ameaça, nesse sentido, é o possível acordo do ex-diretor da Área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró, que ontem foi condenado, pela segunda vez, a 12 anos de prisão. A primeira condenação foi a 5 anos de cadeia.

Os responsáveis pela Operação Lava-Jato são os primeiros a dizer que o ex-presidente da República não está sob investigação, porém, Lula já não esconde dos aliados que está com as barbas de molho e pronto para reagir aos ataques. No caso do boneco de domingo, o petista acusou o golpe e divulgou uma nota repudiando a afronta que sofreu dos manifestantes. Usou o argumento de que foi prisioneiro, sim, mas na época da ditadura, por defender os interesses dos trabalhadores e a volta da democracia.

A invenção do Brasil

O jornalista Franklin Martins lança hoje, às 19h, no restaurante Carpe Diem (CLS 104, Bloco D), em Brasília, a trilogia Quem foi que inventou o Brasil (Nova Fronteira). Resultado de 18 anos de pesquisas sobre o nosso cancioneiro popular — desde as primeiras gravações, em 1902, até a eleição de Lula, em 2002 —, o foco é a presença permanente da música na crônica política do país. Franklin começou a estudar o assunto em 1997, apaixonou-se pelo tema e resolveu contar a história da República sob a ótica musical. O resultado é uma obra de grande fôlego, com mais de mil músicas catalogadas e contextualizadas historicamente, a maioria das quais pode ser ouvida no site www.quemfoiqueinventouobrasil.com. Franklin foi diretor do jornal O Globo e da TV Globo em Brasília, e ministro da Comunicação Social no segundo governo Lula.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Análise da Notícia: Tudo certo, nada resolvido

Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 17/08/2015


A presidente Dilma Rousseff e seu estado-maior acompanharam, do Palácio da Alvorada, as manifestações de ontem. O fato de não terem sido maiores do que as realizadas em 15 de março foi comemorado. Caso ocorresse o contrário, poderiam implodir o acordão costurado com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), para barrar a rejeição das contas de Dilma em 2014 e um possível pedido de impeachment na Câmara, que o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ameaçava aceitar.

A lógica dos esforços para manter Dilma no poder a qualquer preço, mesmo com a sua popularidade em nível baixíssimo, parte do princípio de que as crises políticas podem ser resolvidas por acordos de cúpula. Na maioria das vezes, é isso mesmo que acontece. Ocorre, porém, que a política não é monopólio dos políticos, dos militares e dos diplomatas faz tempo. É por isso que o caseiro, o motorista ou a secretária, às vezes, mudam o curso da História. Um juiz federal imbuído de suas responsabilidades, então, nem se fala.

Os manifestantes de ontem, embora em menor número, não são uma força desprezível no processo, ainda mais porque traduziram a insatisfação difusa das manifestações anteriores em objetivos claros: “Impeachment já”, “Fora, PT” e “Corruptos na cadeia”. Dilma e o ex-presidente Lula catalisaram os protestos. A economia em recessão e a Operação Lava-Jato realimentam a crise política, muito mais do que as disputas entre o PT e o PMDB. O acordo para blindar Dilma não resolve os problemas do país, que tem um governo cambaleante, minado pelos escândalos envolvendo o PT e aliados .



domingo, 16 de agosto de 2015

Às armas ou pacto das elites?

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliene - 16/08/2015

Entre a retórica incendiária nos movimentos sociais e a aproximação com as elites há um fosso intransponível

Diante de mil integrantes de movimentos sociais ligados ao governo, em pleno salão nobre do Palácio do Planalto, o presidente da CUT, Vagner Freitas, ameaçou, na quinta-feira, “pegar em armas” em defesa do governo. O boquirroto sindicalista radicalizou o discurso ao lado da presidente Dilma Rousseff. Disse que estava preparado com “armas” e um “exército” para barrar qualquer tentativa de “coxinhas” de tirá-la do poder.

No auge da crise política que resultou no golpe de 1964, que destituiu o presidente João Goulart, nenhum dirigente do antigo Comando-Geral dos Trabalhadores (CGT) foi tão longe: “Somos defensores da unidade nacional, da construção de um projeto de desenvolvimento para todos e para todas. E isso implica, neste momento, ir para as ruas entrincheirados, com armas nas mãos, se tentarem derrubar a presidente”, disse Freitas no Planalto.

Na solenidade, o petista parecia um Cabo Anselmo — líder dos marinheiros amotinados que serviram de massa de manobra para o golpe de 1964. Mais tarde, o Cabo Anselmo se revelou um agente do Cenimar (serviço secreto da Marinha) infiltrado na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Nem de longe lembrava um Dante Pellacani, o líder sindical comunista que presidia a CGT e discursou ao lado de João Goulart no famoso Comício da Central do Brasil, às vésperas de sua destituição.

Saudada aos gritos de “não vai ter golpe”, Dilma ouviu palavras de ordem contra o ministro da Fazenda, Joaquim Levy — “Ô, Levy, fala pra tu, volta pro Bradesco ou pro banco Itaú!” —, mas não comentou o desatino. Novamente, prometeu o que não pode entregar: “Não estou aqui para resolver todos os problemas este ano. Estou aqui para resolver todos os problemas e entregar um país muito melhor em 31 de dezembro de 2018”, disse.

Dilma recorreu à narrativa de sua campanha eleitoral, na qual mentiu adoidado para convencer os eleitores de que o país estava muito bem, obrigado. Ao mesmo tempo, o Palácio do Planalto, com a ajuda do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, opera um grande pacto com as elites, protagonizado pela cúpula do PMDB e pelos principais grupos empresariais do país. Seu objetivo é isolar o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e afastar a ameaça de impeachment. O acordo pressupõe uma agenda de medidas econômicas, fiscais e tributárias para evitar que a crise se aprofunde.

Entre a retórica incendiária dos petistas nos movimentos sociais e a aproximação com as elites econômicas e políticas do país há um fosso intransponível. Transitar sobre ele é coisa para equilibristas, como Lula, que prepara sua candidatura em 2018. Mas essa não é a especialidade da presidente da República, que conspira contra si própria ao estimular setores de sua base social a se contraporem ao acordo que lhe garante a permanência no poder.

Partido da ordem

O Brasil não é a Venezuela, e as nossas Forças Armadas não são bolivarianas, ainda mais com o petista Jaques Wagner à frente do Ministério da Defesa, de perfil conciliador e moderado. Não foram os movimentos sociais que barraram as articulações para aprovação do impeachment de Dilma Rousseff, como parecem crer os petistas exaltados. É o que se poderia chamar de “ilusão de classe”, no velho jargão da esquerda.

O impeachment “micou” por três motivos: em recessão aberta, uma crise institucional faria o país descer ladeira abaixo, o que assustou grandes empresários; o PMDB e o PSDB não conseguiram chegar a um acordo para que o vice-presidente Michel Temer assumisse o poder; e, até agora, não existe base legal para isso, apesar das “pedaladas fiscais”, que ainda não foram apreciadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Deixemos de lado possíveis irregularidades nas contas de campanha, que ainda não foram aprovadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Manifestos de artistas e intelectuais e de sindicatos contra o suposto “golpismo” da oposição representam uma injeção de ânimo para a militância petista, desmotivada pelo envolvimento profundo do PT e seus aliados no escândalo da Petrobras. Mas não é isso que garante a presidente Dilma no poder. A maior burrice de Vagner Freitas, nesse aspecto, é não compreender que seu apelo às armas — mesmo que em sentido figurado — leva água para o moinho dos setores da oposição que têm saudades do regime militar. Tais setores, por obra e graça do desmantelo petista na administração pública, protestam com desenvoltura ao lado de outras correntes de oposição que vão às ruas contra o governo.

Basta comparar o grito dos “coxinhas” nas manifestações de hoje, convocados pelas redes sociais, aos atos organizados em apoio ao governo, que subsidia passagens de avião, ônibus fretados, hospedagem e alimentação para os movimentos sociais controlados pelo PT. Ainda bem que a formação de uma espécie de milícia chapa-branca, como a sonhada pelo presidente da CUT, não passa de um arroubo de oratória. Por ironia, o “partido da ordem” — hegemônico no poder instalado — é que sustenta a presidente Dilma Rousseff no cargo, com toda a sua impopularidade. No Palácio do Planalto e no PT, porém, ainda há os que acreditam que o presidente João Goulart só foi destituído porque não pegou em armas.




quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Quanto pior, pior mesmo

Dilma tenta retomar a iniciativa política, porém, quem está dando as cartas no jogo é Renan Calheiros, que se reposicionou em relação ao governo

O acordo feito pela presidente Dilma Rousseff com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), para barrar a chamada pauta-bomba do Congresso — que nada mais é do que a aprovação de projetos que atendem aos lobbies da alta burocracia federal e de grupos empresariais, detonando o ajuste fiscal —, tirou o Palácio do Planalto das cordas.

Dilma voltou ao centro do ringue para lutar contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), cuja oposição ao governo desarticulou completamente a base governista. Como se sabe, Cunha tenta limpar a pauta da Câmara para que as contas de Dilma Rousseff de 2014 sejam apreciadas e rejeitadas, por causa das chamadas “pedaladas fiscais”. Seria o caminho aberto para o impeachment de Dilma por crime de responsabilidade.

Ao mesmo tempo, o vice-presidente Michel Temer, como prova de lealdade, tenta evitar que o Tribunal de Contas da União (TCU) rejeite as contas de Dilma de 2014, o que é considerado tecnicamente difícil. A gravidade das ilegalidades cometidas nas chamadas “pedaladas fiscais” é inequívoca, mas há uma manobra possível: poupar Dilma e responsabilizar o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e outros integrantes da sua antiga equipe econômica, como o ex-secretário do Tesouro Arno Augustin. Dilma ganhou mais 15 dias de prazo do TCU para se defender.

Com a ajuda do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva — que ontem desembarcou em Brasília e conversou com Michel Temer e demais integrantes da cúpula do PMDB —, Dilma tenta retomar a iniciativa política. Na verdade, porém, quem está dando as cartas no jogo é Renan Calheiros, que se reposicionou em relação ao governo de forma programática.

Enquanto o Palácio do Planalto procurava reagrupar forças oferecendo cargos nos estados e liberando verbas das emendas parlamentares, o tradicional “toma lá dá cá”, Renan preparou um pacote de medidas econômicas — nas áreas tributária, de infraestrutura, fiscal e ambiental — intitulado “Agenda para o Brasil”.  Passou a pautar as negociações do governo com o Congresso com foco na superação da crise econômica.

Renan captou as preocupações dos grandes grupos empresariais do país com o agravamento da recessão e a desorganização da economia, na eventualidade de a crise política evoluir na direção do impeachment de Dilma. Também foi capaz de perceber que esses setores interpretaram a condução dada à Câmara por Eduardo Cunha como uma espécie de política do “quanto pior, melhor”, exatamente por causa da pauta-bomba.

A tese do impeachment da presidente Dilma, que vinha sendo urdida nos bastidores do Congresso pelos caciques do PMDB, foi abortada quando Michel Temer, numa declaração ambígua, mas assim interpretada pela maioria, colocou-se como alternativa de saída para a crise. A reação contrária dos grandes grupos econômicos do país, já abalados pela Operação Lava-Jato, foi imediata. Parecia haver um jogo combinado entre Temer e Cunha.

O desgaste de Temer com o episódio foi explorado por Renan, que passou a ocupar o centro da rearticulação das condições de governabilidade. Se antes o vice-presidente da República era o grande fiador da estabilidade do governo, agora é o presidente do Senado que transformou Dilma Rousseff em refém política da Casa. Sem apoio do Senado, que tem a atribuição de julgar os pedidos de impeachment, Dilma não sobreviveria no poder.

Poder instalado

Tudo isso significa que a crise passou e que a situação do governo está resolvida? Nem de longe, pois a Agenda Brasil aprofunda as contradições entre o PMDB e o PT, a começar pela proposta de redução do número de ministérios, que Renan vem defendendo desde o começo do governo Dilma. A propósito, ao contrário do que muitos imaginam, o peemedebista, como presidente do Senado, adotou duras medidas de austeridade.

Como sinal de boa vontade para com Dilma, o presidente do Senado defendeu a aprovação sem emendas do projeto de lei que acaba com as desonerações fiscais — com exclusão de alguns setores. Ou seja, não quer que o projeto volte para a Câmara, onde as mudanças feitas no Senado poderiam ser derrubadas.

Mas há outros pontos de atrito que não foram resolvidos, inclusive na questão tributária, uma vez que o Senado acena com mais recursos para estados e municípios. É bom lembrar que o governador de Alagoas, Renan Filho, filho do presidente do Senado, vive o maior sufoco financeiro, como a maioria dos governadores.

Na briga com Cunha, Dilma conta também com uma reação do poder instalado, particularmente do Ministério Público Federal, do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal. A forma como o presidente da Câmara conduz os assuntos com o Poder Judiciário também tem fricções.

Numa corrida contra o relógio, aguarda-se a hora em que o procurador-geral da República Rodrigo Janot, cuja indicação para recondução ao cargo já encaminhou ao Senado, apresentará sua denúncia contra o presidente da Câmara e outros políticos. Não será surpresa se a investigação que abriu contra Renan for arquivada por falta de provas.

domingo, 9 de agosto de 2015

A charada do Moreira

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 09/08/2015

O tom dramático de Dilma nos remete a outros momentos da história, como o suicídio de Getúlio Vargas (1954), a renúncia de Jânio Quadros (1962), a deposição de João Goulart (1964) e o impeachment de Collor de Mello (1992).


Presidente do Instituto Ulysses Guimarães, a fundação do PMDB, o ex-governador fluminense Moreira Franco é fiel escudeiro do vice-presidente Michel Temer. Sociólogo formado na Sorbonne, foi lançado na política pelo senador Ernani do Amaral Peixoto, um dos velhos caciques do antigo PSD, que era seu sogro. “O PMDB não trai. Nós chegamos aonde chegamos porque o PMDB não trai”, afirmou recentemente.

Na ocasião, Moreira negou que a legenda estivesse articulando a destituição da presidente Dilma Rousseff: “Hoje, até a presidente fala do impeachment como se fosse uma coisa absolutamente natural, do ponto de vista institucional. E não é. (…) Não somos golpistas”. Caso ainda fossem vivos, Ulysses Guimarães, o grande timoneiro do partido, e Orestes Quércia, ex-governador de São Paulo, diriam com certeza que não é bem assim. Ambos foram “cristianizados” pela legenda nas campanhas presidenciais de 1989 e 1994.

Por isso mesmo, vale revisitar as declarações de Moreira: “O que acho é que, neste momento, nós precisamos muito mais de Getúlio (Vargas), que ganhou uma revolução, comandou uma revolução dizendo que era contra, saiu até as vésperas dizendo que não queria e estava organizando um Exército”. Moreira comparou Getúlio com Brizola, que queria fazer “uma revolução sem ter Exército”, em 1964. Eis uma charada política, que nos remete a dois episódios da história do Brasil.

Getúlio Vargas havia sido derrotado por Júlio Prestes em eleições fraudadas, na qual foi candidato da Aliança Liberal, depois de embromar Washington Luiz, de quem foi ministro da Fazenda. Derrotado, o então governador do Rio Grande do Sul voltou a enrolar Washington Luiz, até o momento em que mobilizou forças políticas e militares suficientes para marchar até o Rio de Janeiro e tomar o poder, em 1930.

Brizola, também governador do Rio Grande do Sul, com apoio de militares nacionalistas e legalistas, foi o líder do movimento popular de resistência que garantiu a posse de João Goulart, vice-presidente da República, após a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1962. Depois, se elegeu deputado federal pela antiga Guanabara e foi um dos protagonistas da radicalização política que desaguou no golpe militar de 1964. Exilado no Uruguai, Brizola tentou organizar uma guerrilha na Serra do Caparaó, na divisa de Minas com Espírito Santo. Foi desbaratada, sem dar um tiro, pela Polícia Militar de Minas.

O enigma
O vice-presidente Michel Temer vem sendo ambíguo e enigmático como Getúlio Vargas. Na quarta-feira, deu uma entrevista que foi interpretada pela oposição como a senha para o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Defendeu um pacto nacional “acima dos partidos, do governo, de toda e qualquer instituição”. Num possível ato falho, declarou: “É preciso alguém para reunificar o país”.

Temer estava dois tons acima da fleuma habitual, o que foi entendido como um reposicionamento político, no qual quereria ser uma alternativa para comandar o país diante do enfraquecimento e da desorientação política da presidente da República. Tudo isso não passaria de mera especulação da oposição se a interpretação não fosse a mesma dos ministros petistas Aloizio Mercadante (Casa Civil), Edinho Silva (Comunicação Social), Miguel Rossetto (secretário-geral da Presidência) e Jaques Wagner (Defesa).

Um encontro de Temer com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), na quinta-feira, pôs mais carvão no braseiro. Por essa razão, o vice-presidente teve uma conversa com Dilma na quinta-feira, para a qual levou a transcrição literal de sua polêmica entrevista e a leu para a petista. Explicou que tudo não passava de especulação e intriga. Na mesma conversa, porém, diante do clima criado, colocou o cargo de articulador político à disposição. Entretanto, não pediu demissão.

Dilma agradeceu, reiterou sua confiança e pediu que Temer permanecesse à frente da articulação política. Não tinha outra alternativa, embora, nos bastidores, os petistas propusessem que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumisse o Ministério das Relações Exteriores. Seria também uma maneira de blindá-lo com foro privilegiado contra eventual citação nas delações da Operação Lava-Jato.

O vazamento das conversas, porém, gerou uma onda de boatos de que Temer havia deixado a articulação política e Lula reorganizaria a base do governo a partir do Itamaraty. No mesmo dia, Dilma deu entrevista dizendo que aguentava pressões e defendeu a legitimidade de sua eleição: “Sou uma pessoa que aguenta ameaças. Sobrevivi a grandes ameaças à minha própria vida. Uma democracia respeita a eleição direta pelo voto popular. Eu respeito a democracia do meu país. Eu honrarei o voto que me deram”.

O tom dramático nos remete a outros momentos da história, como o suicídio de Getúlio (1954), a renúncia de Jânio Quadros (1962), a deposição de João Goulart (1964) e o impeachment de Collor (1992). Nas três primeiras, havia uma conspiração militar; na última, não. Qual deles mata a charada?




quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Efeito Orloff

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 06/08/2015

Renato Duque teme a mesma sorte de outros envolvidos no escândalo da Petrobras, como o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, preso novamente, e os executivos da OAS condenados ontem

O ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, um dos presos da Operação Lava-Jato, começou a falar o que sabe na Polícia Federal, em Curitiba. É o começo de sua delação premiada, que pode ter um efeito arrasador para a cúpula do PT e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem era amigo. Duque, principal quadro da legenda na empresa, era responsável pelo esquema de propina sob investigação que abastecia os petistas, em linha direta com o ex-tesoureiro João Vaccari Neto, segundo os investigadores da Lava-Jato.

Renato Duque teme a mesma sorte de outros envolvidos no escândalo da Petrobras, como o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, preso novamente, e os executivos da OAS condenados ontem por fraudes em contratos e aditivos da empresa com a Refinaria Getúlio Vargas (Repar), no Paraná, e com a Refinaria de Abreu e Lima (Renest), em Pernambuco, na área sob controle do ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa. É o chamado efeito Orloff, aquela propaganda de vodka que dizia: “Eu sou você amanhã”.

Conforme a sentença do juiz Sérgio Moro, a prática de crimes de corrupção envolveu o pagamento de R$ 29.223.961 à Diretoria de Abastecimento da Petrobras, “um valor muito expressivo”. De uma só vez, R$ 16 milhões em propinas. Paulo Roberto Costa, por causa da delação premiada, foi condenado a 6 anos e 6 meses no regime semiaberto, além de ter os bens confiscados no valor de R$ 29,2 milhões. Mas teve considerado o período em que já ficou preso cautelarmente, entre março e maio de 2014, e entre junho e setembro de 2014. Deverá cumprir prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica até outubro de 2016, com recolhimento noturno e no fim de semana. A partir de outubro de 2016, progredirá para o regime aberto, até o restante da pena a cumprir.

Já o presidente da OAS, José Aldemário Pinheiro Filho, o Léo, foi condenado a 16 anos e 4 meses de reclusão, por organização criminosa, corrupção ativa e lavagem de dinheiro, com os executivos da empresa Agenor Franklin Magalhães Medeiros (diretor-presidente da Área Internacional, também condenado a 16 anos e 4 meses de reclusão), Fernando Augusto Stremel de Andrade (funcionário, 4 anos de reclusão) e Mateus Coutinho de Sá Oliveira (funcionário, 11 anos de reclusão). Léo Pinheiro matou no peito e recusou a delação premiada.

José Ricardo Nogueira Breghirolli, contato do doleiro Alberto Youssef com a OAS, foi condenado a 11 anos de reclusão. Mas o doleiro, por causa da delação premiada, também teve a pena diminuída: 6 anos, 11 meses e 10 dias de reclusão, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, e confisco de bens no valor de R$ 41,5 milhões. O doleiro deverá cumprir apenas três anos em regime fechado, mesmo que seja condenado em outros processos.

Reeleito
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, teve 799 votos e encabeça a lista tríplice da instituição, seguido de Mario Bonsaglia, com 462 votos, e Raquel Dodge, com 402. A presidente Dilma Rousseff deve encaminhar o nome dele para o Senado.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Cronograma de crise

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 05/08/2015

O Planalto teme que a CPI do BNDES abra um novo flanco em relação ao PT, ao ex-presidente Lula e ao próprio governo, por causa dos empréstimos concedidos a empresas brasileiras com obras no exterior

Menos de 24 horas após o churrasco que promoveu no Palácio da Alvorada, com a presença dos presidentes e dos líderes de partidos, Dilma Rousseff não conseguiu barrar as iniciativas do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), no sentido de pressionar o governo. Na verdade, a “pauta-bomba” de Cunha era política e não econômica, como acreditam os estrategistas do Palácio do Planalto.

Requerimento de urgência para votar em turno único as quatro contas pendentes de governos anteriores — Itamar (1992), Fernando Henrique (2002) e Lula (2006 e 2008) — foi aprovado ontem pela Câmara. Cunha decidiu limpar a pauta com o objetivo de apreciar as contas da presidente Dilma Rousseff, que estão em vias de serem rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A oposição aprovou a iniciativa.

Com isso, a votação das contas de 2014 de Dilma poderá ocorrer no prazo de três a quatro semanas. O regimento da Câmara exige que os projetos sejam votados em dois turnos na Casa, com um intervalo de uma semana entre eles, antes de seguirem para análise do Senado. Caso o Congresso confirme a rejeição, Dilma pode ser enquadrada na Lei de Responsabilidade Fiscal por crime de responsabilidade, o que será a porta aberta para um pedido de impeachment. O vice-presidente Michel Temer assumiria a Presidência em caso de afastamento de Dilma.

Cunha articulou outras armadilhas: um acordo entre líderes da base e da oposição para excluir o PT do comando das quatro CPIs que serão instaladas nesta semana. A mais importante é a do BNDES, que será presidida pelo PMDB e terá relatoria do PR.

O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), tentou evitar a situação desfavorável, mas está enfraquecido porque o governo não cumpre os acordos que negocia com os parlamentares da própria base. O líder do PT na Câmara, Sibá Machado (AC), criticou a exclusão do PT do comando das novas CPIs e disse que o partido vai brigar pela relatoria da CPI do BNDES na reunião da comissão.

O Planalto teme que a CPI do BNDES abra um novo flanco em relação ao PT, ao ex-presidente Lula e ao próprio governo, por causa dos empréstimos concedidos a empresas brasileiras com obras no exterior, especialmente em países como Angola, Cuba, Equador e Venezuela. Além das empreiteiras, empresas beneficiadas por serem do rol das chamadas “campeãs nacionais” receberam empréstimos considerados polêmicos. É o caso da JBS.

Lava-Jato

Mas a preocupação maior do Planalto, no momento, é manter distância da Operação Lava-Jato. Ontem, a cúpula do PT, depois de longa reunião, emitiu nota, desta vez, defendendo a apuração das denúncias, mas sem fazer referência ao ex-ministro José Dirceu. A ordem de Dilma é manter distância do ex-ministro.

Rui Falcão, presidente do PT, em entrevista coletiva, porém, defendeu o correligionário: “Para mim, qualquer pessoa, e não apenas o José Dirceu, é inocente até prova em contrário”. A cúpula petista tenta se safar do envolvimento nas denúncias, mas não tem condições de punir os envolvidos com medidas disciplinares rigorosas sem estimular novas “delações premiadas”.

Essa atitude parece corroborar a tese defendida ontem pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), para quem o escândalo da Petrobras está revelando um “sistema de governo, como forma de organizar a administração pública”. Segundo ele, “o petrolão, o eletrolão e outros ‘ãos’” revelariam “um modelo de governança”. A tese ganha força entre os ministros do STF em razão das investigações da Lava-Jato confirmarem a tese de “domínio do fato” adotada no julgamento do mensalão.

A propósito, a tensão no Congresso cresce por causa da Lava-Jato. Comentava-se, entre os políticos, que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, somente não ofereceu denúncia dos políticos porque é candidato à reeleição para o cargo na eleição interna da Procuradoria-Geral da República. Caberá ao chefe do Ministério Público Federal pedir ou não abertura de processo contra parlamentares envolvidos no escândalo de corrupção na Petrobras e sustentar a acusação no julgamento.

Os subprocuradores Carlos Frederico, Raquel Dodge e Mario Bonsaglia — que concorrem contra Janot — lutam pelo segundo lugar na preferência dos colegas. A recondução do atual procurador-geral pode ser barrada no Senado, onde enfrenta resistências. O mandato de Janot acaba em 17 de setembro.

Os mais votados integrarão uma lista tríplice a ser enviada a Dilma Rousseff. Caberá a ela indicar o nome a ser sabatinado e votado no Senado, onde políticos investigados por suposto envolvimento com irregularidades na Petrobras já avisaram que vão trabalhar contra Janot. Um deles é o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), que vem se reaproximando do governo.

Ocorre que Janot pode perfeitamente apresentar suas denúncias a partir desta semana, até setembro. A rigor, está com o cronograma atrasado, se levarmos em conta o trabalho realizado pelo juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba.







terça-feira, 4 de agosto de 2015

Delírios persecutórios

Nas Entreinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 04/08/2014

O PT nunca aceitou a condenação de José Dirceu no processo do mensalão, cuja legitimidade até hoje é questionada pela legenda e pelos advogados que atuaram no caso


Delírios persecutórios se caracterizam pela crença de ser vítima de perseguição ou conspiração. Quem sofre do distúrbio acredita — e possui explicações coerentes para o fato — que alguém conspira e deseja o seu mal. Na definição clínica, o sujeito acredita que é objeto de uma conspiração, podendo estar relacionada com fraude, espionagem, perseguição, envenenamento, calúnia, assédio ou obstrução nos seus objetivos a longo prazo.

Para sustentar o delírio, exageram-se pequenos acontecimentos. Uma injustiça, por vezes, demanda uma ação judicial. É a chamada “paranoia querelante”, muito comum nos tribunais e órgãos públicos, nos quais a pessoa afetada envolve-se em repetidas tentativas de obter, respectivamente, sentenças ou decisões favoráveis. Delírios persecutórios também podem se manifestar por meio de ressentimento e raiva, às vezes recorrendo a violência.

Na abordagem freudiana, a contradição do delírio persecutório se manifesta no “eu amo” que se transforma em “eu odeio”, e gera uma espécie de bateu, levou: “Ele me odeia e me persegue, o que me dá o direito de odiá-lo”. A partir daí, vem a projeção: os sentimentos são percebidos externamente de maneira oposta, e o sujeito acha que o outro o odeia. Freud associa esse ódio exterior ao afeto ou amor interior, mas aí já é outra prosa mais complicada: entra na roda a discussão sobre desejos reprimidos.

A nova prisão de José Dirceu na 17ª fase da Operação Lava-Jato, batizada de Pixuleco pela Polícia Federal, por suspeita de envolvimento no escândalo da Petrobras, desperta nos militantes petistas um sentimento de frustração e de revolta. No segundo caso, a maioria acredita que está sendo vítima de uma grande conspiração de direita, quiçá, dos Estados Unidos de Barack Obama. Os argumentos dos advogados dos réus e a narrativa da cúpula petista estimulam essa reação, que não deixa de ser uma maneira de mobilizar os quadros do PT para a luta política, cada vez mais dura.

O PT nunca aceitou a condenação de José Dirceu no processo do mensalão, cuja legitimidade até hoje é questionada pela legenda e pelos advogados que atuaram no caso. O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa, relator do processo, que depois presidiu o STF e comandou o julgamento, sofreu ataques diretos dos petistas devido à atuação no caso. Agora, o mesmo ocorre com o juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, que é tratado como um “ferrabrás” que exorbita das funções no caso Lava-Jato, ao pôr na cadeia, preventivamente, os principais acusados.

O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, em entrevista em Curitiba, disse que o escândalo da Petrobras e o mensalão têm a mesma genealogia: “Nós temos o DNA, realmente, de compra de apoio parlamentar — pelo Banco do Brasil, no caso do mensalão, como na Petrobras, no caso da Lava-Jato”. Segundo ele, “José Dirceu recebia valores nesse esquema criminoso enquanto investigado no mensalão e enquanto foi preso. Seu irmão fazia o papel de ir até as empresas para pedir esses valores”.

Esse foi um dos fatos, segundo o procurador, que motivaram o novo pedido de prisão para Dirceu, que já cumpria pena em prisão domiciliar por condenação no mensalão. Para o advogado dele, a cúpula petista e os amigos do ex-ministro da Casa Civil do governo Lula, a prisão foi arbitrária e desnecessária: ele poderia perfeitamente responder às acusações até que transitasse em julgado o processo da Lava-Jato, cumprindo, em casa, a pena pela qual já foi condenado.

Conspiração

A polêmica sobre Dirceu é uma amostra grátis do que pode ocorrer no país caso as investigações avancem na direção de petistas mais ilustres. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já se articula e mobiliza forças para salvar o PT de uma catástrofe eleitoral irreversível, que inviabilize a candidatura dele em 2018. A volta ao poder de Lula é cada vez mais difícil, por causa do fracasso do governo Dilma Rousseff e do escândalo da Lava-Jato, que desgasta a imagem dele como líder político.

Lula é um craque da comunicação política, sabe utilizar com maestria a emoção dos militantes petistas e dos eleitores cujas vidas melhoraram durante o seu governo. No programa do PT que vai ao ar na quinta-feira, dirá que a legenda sofre uma perseguição odienta.

Vaias à presidente Dilma Rousseff, hostilidades quase físicas a políticos petistas em aviões de carreira e em restaurantes, além de uma bomba caseira lançada contra o Instituto Lula, em São Paulo — um ato tipicamente fascista — servem para corroborar o discurso. O clima pesado nas redes sociais é um exemplo da radicalização que vem por aí, já que  grande manifestação contra o governo Dilma e o PT está programada para o próximo dia 16.

As investigações da Operação Lava-Jato contra o PT não são um fato banal, muito menos um delírio.  A cúpula petista está à beira de ser tragada pelo escândalo. Rui Falcão, presidente nacional do PT, nega as denúncias: “O Partido dos Trabalhadores refuta as acusações de que teria realizado operações financeiras ilegais ou participado de qualquer esquema de corrupção”, diz.

A nota assinada por Falcão renova a fé dos militantes petistas que não acreditam nas denúncias e imaginam que tudo não passa de perseguição e conspiração golpista, ou seja, uma espécie de delírio persecutório coletivo.

domingo, 2 de agosto de 2015

Para onde vamos?

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 02/08/2015

Por mais blindados que estejam, o Ministério Público Federal dispõe de meios para processar e levar à condenação os políticos envolvidos na Operação Lava-Jato

Eis uma pergunta que está em todas as cabeças. No turbilhão da crise tríplice que estamos vivendo — econômica, política e ética —, é difícil respondê-la sem antes identificar quais são as linhas de força do processo em curso.

O epicentro da crise está no governo Dilma Rousseff, incapaz de apontar saídas verdadeiras para os impasses que estão se formando na conjuntura, e não no Congresso, que volta a funcionar nesta semana, sob a mira das investigações da operação Lava-Jato.

Essas linhas de forças, digamos assim, ditam os rumos dos acontecimentos, independentemente dos esforços dos principais atores envolvidos para contê-la. A rigor, estamos numa situação na qual a presidente Dilma Rousseff perdeu capacidade de iniciativa política e credibilidade para impor alternativas; e a oposição parlamentar ainda não tem coesão nem força para romper o impasse, construindo uma alternativa de governo, via impeachment.

Como todo empate dessa ordem, ele tende a se resolver com o predomínio de um polo em relação ao outro. De um lado, temos um sistema de poder encabeçado pelo PT, cujo projeto se esgotou, corroído pelo anacronismo de suas concepções em relação à economia e ao mundo, pelo isolamento social e político e pela desmoralização provocada pela cumplicidade com a corrupção; de outro, instituições democráticas que zelam pelo bem comum, como o Ministério Público, a Polícia Federal e o Judiciário, a opinião pública e as forças políticas de oposição, que extrapolam os partidos e agora abarcam movimentos estruturados pelas redes sociais. O choque se dá entre esses dois conjuntos de forças.

Sintomas mórbidos
Uma das linhas de força da crise, talvez a mais robusta, é o desequilíbrio estrutural da economia, que não vai se resolver em curto prazo, pois demanda reformas capazes de redimensionar o tamanho e o papel do Estado, equacionar o conflito distributivo entre os entes federados — União, estados e municípios —, restabelecer o equilíbrio entre a produtividade e a renda em relação ao PIB etc.

A consequência da inviabilidade de ajuste fiscal rápido e eficiente, como seria necessário, será o agravamento dos problemas sociais e o esgarçamento das relações do governo com a maioria da população, principalmente os mais pobres. Ou seja, essa linha de força que opera na economia tende a aprofundar a crise e inviabiliza as pretensões do governo no sentido de retomar o protagonismo político.

Diante do enfraquecimento do governo e de sua incapacidade de construir alternativas — o primeiro passo seria uma reforma administrativa para enxugar a máquina federal e a formação de uma nova coalizão política —, a segunda linha de força é a desarticulação da base política do governo no Congresso. Nunca, desde a Constituinte, a Câmara e o Senado estiveram tão longo tempo fora do controle do Executivo.

Entretanto, isso não ocorre em razão de uma tomada de consciência do Congresso acerca de sua própria independência como poder, mas em função de uma disputa no interior do bloco de forças que compõe o governo, mais especificamente entre o PT e o PMDB. Na medida em que o governo se enfraquece, mais protagonismo legislativo adquire o PMDB, que controla a pauta das duas casas. A recomposição da aliança dos dois partidos passa pela entrega do governo ao PMDB.

Ocorre, porém, que este é um sintoma mórbido da crise, uma vez que os principais caciques políticos governistas, como Eduardo Cunha (PMDB-RJ), na Câmara, e Renan Calheiros (PMDB-AL), no Senado, estão sendo alvos de investigações da Lava Jato e isso muito influencia o comportamento de ambos. O governo opera para domar a rebeldia de sua base pelos métodos tradicionais, que são a liberação de emendas parlamentares ao orçamento e a distribuição de cargos. Esse expediente era eficiente quando a economia navegava em mar de almirante. Agora, já não resolve o problema.

É aí que surge a terceira linha de força do processo: a Operação Lava-Jato, completamente fora do controle do Executivo e do Legislativo. A investigação do escândalo da Petrobras, que se estende a outras estatais, como a Eletronuclear, prossegue de forma inexorável e tende a promover um strike na política nacional. Com amplo apoio da opinião pública, as investigações estão desmantelando um esquema de saque aos recursos públicos em benefício de partidos no poder, seus operadores, empresas privilegiadas por eles e agentes públicos em posições estratégicas.

Por mais blindados que estejam os políticos, o Ministério Público Federal dispõe de meios para processar e levar à condenação os políticos comprovadamente envolvidos no esquema de corrupção. A tradição do Congresso, nesses casos, é purgar seus pecados degolando os que forem flagrados praticando irregularidades. Afinal, existe um suplente para cada deputado ou senador, que pode assumir o seu lugar em caso de cassação. Na hora em que o Congresso começar a cortar na própria carne, porém, buscará uma saída política para a crise no âmbito do Executivo, com ou sem a presidente Dilma.