sexta-feira, 28 de novembro de 2014

A economia, o tigre e o elefante

 A troika Levy, Barbosa e Tombini estabeleceu como objetivos sanear as contas públicas e  levar a inflação para o centro da meta com uma estratégia gradualista e cautelosa

 Não sou economista, mas como diria o sábio Ho Chi Min, mesmo sem conhecer profundamente a anatomia dos animais, sei distinguir o tigre de um elefante.

Aprendi com meus professores de Introdução à Economia da UFF, quando estudava Ciência Sociais no ICHF. Quase todos eram militantes do velho PCB e controlavam o Departamento de Economia da FEA.

Por isso, "Conceitos Fundamentais de O Capital", de Lapidus e Ostraviatianov, entrava na bibiografia ao lado de Economics, de Paul Samuelsen, dos clássicos de Adam Smith, John Stuart Mill e Afred Marshall e do imprescindível Lord Maynard Keynes. Era palavrão falar na Escola de Chicago e em Milton Friedman, que ganhou o premio Nobel de Economia de 1976.

Com esse pedigree, vou dar meu pitaco sobre a nova equipe econômica. É o tigre brigando com o elefante. Há também muitos gatos selvagens nessa história, mas isso não vem ao caso agora. A troika Levy, Barbosa e Tombini estabeleceu como objetivos sanear as contas públicas e  levar a inflação para o centro da meta.

Não é propriamente um choque na economia, porque a poupança do setor público prevista para 2015 é baixa, cerca de R$ 70 bilhões (superávit primário de 1,2% do PIB, que subiria para 2% em 2016 e 2017). É uma estratégia gradualista e cautelosa do tigre para derrotar o elefante, que controla todos os demais ministérios.

O problema é que isso não restabelece a confiança dos investidores por antecipação; ela só virá na medida em que tal política for implementada com sucesso, o que não está garantido, haja vista a existência de adversários da nova equipe em pontos-chave do governo.

Não foi à toa que Tombini enfatizou o fato de que a inflação ficou longe da meta por causa dos gastos públicos.No curto prazo, o governo manobra para evitar o rebaixamento do grau de investimento do Brasil pelas agências de risco, que estreitaria o mercado para os títulos brasileiros e forçaria nova alta dos juros, com grande impacto nas contas públicas. Sem falar nos investimentos propriamente ditos.

A nova equipe precisa ter a simpatia do mercado. Para isso, Levy sepultou o diagnóstico de que o problema da economia é a demanda fraca, tese adotada pelo governo Dilma e que fracassou. Não por causa das teorias de Lord Keynes, mas, sim, de uma política errática e "rudimentar" para implementá-las.

Se não houvesse tanto desleixo em relação aos gastos do governo, as teorias keynesianas para estimular o crescimento poderiam dar certo. Jamais, porém, com tantos "ralos" abertos na administração pública, para usar uma expressão da própria presidente Dilma Rousseff. E com esse fabuloso escândalo na Petrobras, que já é internacional.
Hoje será divulgado o PIB do terceiro trimestre, Não será surpresa se for constatado que a economia brasileira entrou praticamente em recessão. Dilma é economista e sabe que a situação é grave. Montou no elefante para se reeleger a qualquer preço e agora terá que sacrificá-lo no altar do seu segundo mandato , que corre o risco de um desastre iminente.

Em tempo: o IBGE divulgou o PIB do terceiro semestre: 0,1%, o suficiente para sair da recessão técnica. O consumo das famílias caiu 0,3%. O Ministério da Fazenda,  na contramão da nova equipe,  atribui o resultado à falta de crédito. Dá-lhes, Mantega!

Em tempo: h

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Pra não falar que não me recordo da Revolução dos Cravos.... Tanto Mar 1ª e 2ª Versão + Entrevista com Chico Buarque





Sempre que ouço essa música me lembro do
sorriso do José Oto de Oliveira, o "Gordo", ex-dirigente do PCB em
Niterói, que atualmente vive no Recife (PE). Eu colaborava com o jornal
do MDB de Niterói, um bastião da resistência democrática, e ele era o
meu assistente. Chegou no "ponto" feliz da vida, com o editorial do
jornal que acabara de escrever nas mãos, no qual falava da importância
da Revolução dos Cravos para a resistência democrática em todo o mundo,
pois se tratava, simultaneamente, da derrubada de uma das ditaduras
fascistas mais longevas da Europa e do colapso do colonialismo português
na África, talvez o mais longo da história também. Ou seja, um recado de que toda ditadura tem seus dias contados...

A Revolução de 25 de abril de 1974 em Portugal, que expurgou do poder o
salazarismo, de fato dera novo ânimo aos democratas brasileiros. Pouco
depois, nas eleições de 15 de novembro daquele mesmo ano, a oposição
impôs à ditadura  militar a sua primeira grande derrota política.
Passada as eleições, porém, a repressão aos oposicionistas recrudesceu e
começou a grande operação de "cerco e aniquilamento" do PCB, que
resultou em milhares de prisões por todo o país e no assassinato de
vários membros do Comitê Central do PCB, cujos remanescentes da Comissão
Executiva, condenados à morte, foram obrigados fugir para o exterior.

José Oto foi um dos presos nessa grande repressão. Meu último "ponto" com
ele fora na minha casa, que ele usava como "aparelho", onde deixou um pacote da Voz Operária de março de 1975, cuja manchete era "Viver e Lutar", uma edição histórica, feita após a queda das gráficas do Rio e de São Paulo, um esforço heróico de
seu diretor, o jornalista Orlando Bonfim Jr. e o do responsável pela
Seção Juvenil do CC do PCB, José Montenegro de Lima, o Magrão, que
acabaram sequestrados e assassinados logo depois .

Na ocasião, José Oto disse-me que pediria à direção para tirá-lo de
Niterói, pois já não tinha condições de atuar no antigo Estado do Rio
porque estava muito "queimado", ainda mais depois da intensa
movimentação partidária que precedera as eleições. Ele era um dirigente clandestino, que havia passado pela "mosteiro", a escola de quadros do PCUS em
Moscou, e por isso mesmo era o tipo de "profissional" do partido muito visado pela
repressão e com poucas opções para se manter a salvo fora do "aparelho"
partidário local, onde muitos dos militantes que permaneciam legais eram
velhos comunistas manjados pela polícia política.

Já andava cabreiro com essa situação há algum tempo. Certa vez pediu-me para cobrir um "ponto" na Praça  XV de Novembro, pois não queria passar pelas estações das barcas. Deu a descrição do sujeito, o local onde deveria esperá-lo e me pediu que o apresentasse ao meu tio, Maurício Azedo, à época secretário do comitê de jornalistas do PCB da antiga Guanabara. Era um jornalista que estava chegando "fugido" do Nordeste, hoje um dos colunistas mais importantes da imprensa nacional.

Quando a direção do antigo Estado do Rio "caiu", não deu outra: o "Gordo" foi
preso. Foi puro azar, de parte dele; e pedra cantada ao mesmo tempo, considerando-se o
conjunto das circunstâncias. Ele havia se escondido num apartamento em
Copacabana e não sabia que o carro usado pelo primeiro secretário da direção
estadual, Sebastião Paixão, o "Édson", que já estava preso, era da dona do
apartamento. Nem ela sabia da situação.

Durante a prisão, José Otto foi barbaramente torturado, mas não falou, não me
entregou. Nem a  mim, nem a mais ninguém mais com quem tinha relações.
Quando saiu da Ilha das Flores, creio que dois anos depois,trabalhou uns meses comigo na Luta Democrática. Num breve encontro de despedida. disse-me que estava voltando para o
Recife.  Nunca mais o vi, mas guardo o seu sorriso na lembrança. E sou
eternamente grato pelo seu silêncio!

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

A volta dos "pacotes"



Os novos ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, passaram a tarde de ontem reunidos com a presidente Dilma Rousseff. Vão assumir o comando da economia amanhã e anunciar logo um pacote de ajuste fiscal. Estuda-se um limite para aumento dos gastos correntes. 

Essa proposta chegou a ser defendida pelo ex-ministro Antônio Palocci durante o governo Lula, mas foi classificada como "rudimentar" pela então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, que levou a melhor na disputa. 

Agora, pode ser o pulo do gato para recuperar a  credibilidade do governo, que tenta rasgar a Lei da Responsabilidade Fiscal no Congresso para evitar que Dilma incorra em crime de responsabilidade por causa do rombo nas contas públicas.

A posse da nova equipe econômica, com perfil social-liberal, deverá ocorrer nos próximos dias. A economista Eduarda La Roque assumirá o lugar de Arno Augustin na Secretaria do Tesouro. Presidente do Instituto Pereira Passos (IPP) da Prefeitura do Rio, foi secretária da Fazenda da Prefeitura do Rio.

Estão praticamente definidos os demais nomes: 

Banco Central – Permanece Alexandre Tombini.
BNDES – Luciano Coutinho também permanece.
Planejamento - Nelson Barbosa assume o lugar de Míriam Belchior.
Indústria, Desenvolvimento e Comércio Exterior – senador Armando Monteiro (PTB-PE), ex-presidente da Confederação Nacional da Indústria.
Agricultura – senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), presidente da Confederação Brasileira da Agricultura e da Pecuária.
Minas e Energia – Míriam Belchior assume o lugar do senador Edison Lobão (PMDB-MA).



Dois fogos

A nomeação de Levy e da senadora Katia Abreu (PMDB) para o Ministério da Agricultura revoltaram os intelectuais petistas, que lançaram um manifesto contrário ao novo comando das duas pastas.

O senador Aécio Neves (MG), presidente do PSDB, ironicamente, comparou a escolha de Levy  à nomeação de um agente da CIA para chefe da KGB.



domingo, 23 de novembro de 2014

Não conformidades

Nas Entrelinhas: Liz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 23/11/2014
 
A cúpula da Petrobras resolveu entregar as cabeças da antiga diretoria e arrepiar nos escalões inferiores da empresa, mas surgem outros descalabros


Por mais que a presidente Dilma Rousseff diga que seu governo é que está investigando o escândalo da Petrobras e que tudo fará para que os culpados sejam punidos, doa em quem doer, até agora tudo o que o Palácio do Planalto fez em relação ao descalabro foi minimizar, postergar e tentar manter a atual presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, a salvo dos desgastes da Operação Lava-Jato.

A presidente da Petrobras não viu ou omitiu que sabia o que estava acontecendo. Pelo volume das operações atípicas, segundo o relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), só um executivo autista não perceberia a quantidade de zeros que estava sendo movimentada de forma estranha: R$ 23,7 bilhões, entre 2011 e 2014. Ao todo, o Coaf produziu 108 relatórios com alertas de possíveis irregularidades nas movimentações financeiras do doleiro Alberto Yousseff, do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto da Costa e das empreiteiras acusadas de fraudes em contratos com a estatal.

Somente agora foi divulgado pela cúpula da Petrobras o relatório da Comissão Interna de Apuração que investigou as irregularidades na escandalosa compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, concluído somente em 24 de outubro. À época, a presidente Dilma comandava o Conselho de Administração da empresa e, segundo disse em nota sobre o assunto, fora induzida a aprovar a operação por um relatório do ex-diretor Nestor Cerveró, que omitia informações importantes e que certamente a levariam à rejeição do negócio.

Depois de a presidente da República tirar o gênio da garrafa nesse caso de Pasadena, que estava sendo apurado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), houve um alto lá do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o governo começou uma “operação abafa”, que ainda está em curso no Congresso, para impedir que o caso fosse apurado por uma comissão parlamentar mista de inquérito. O envolvimento de grande número de políticos da base do governo no escândalo seria a razão da obstrução dos trabalhos da CPMI.

Agora que o circo pegou fogo, o relatório da Petrobras culpa o ex-presidente da empresa José Sergio Gabrielli; o ex-diretor de produção Paulo Roberto da Costa, que agora conta tudo o que sabe na Operação Lava Jato; o ex-diretor Nestor Cerveró, que cantou de galo ao depor na CPMI; e Jorge Zelada como responsáveis pelos problemas. Na linguagem mitigada da alta direção da empresa, o que houve foram 11 “não conformidades”: Cerveró está implicado em 10; Paulo Roberto, em três; Gabrielli, em duas; e Zelada, em uma. A refinaria foi comprada da belga Astra Oil por R$ 1,25 bilhão, em duas parcelas, operação que causou um prejuízo de US$ 530 milhões, segundo o balanço da própria Petrobras.

Depois que cúpula da empresa resolveu entregar as cabeças da antiga diretoria e arrepiar nos escalões inferiores da empresa, surgem outros descalabros. Mesmo assim, a presidente Dilma Rousseff está disposta a preservar sua amiga Maria das Graças Foster no comando da empresa.

Sete Brasil
A situação de Graça Foster na Petrobras é complicada. Basta ver o caso da Sete Brasil, empresa criada em dezembro de 2010, ou seja, após a eleição de Dilma Rousseff, para construir 29 sondas de exploração para o pré-sal, da qual a própria Petrobras é acionista com 10% de participação. Nessa época, por indicação do ex-diretor de Engenharia e Serviços da Petrobras Renato Duque, preso na semana passada, Pedro Barusco assumiu a diretoria de Operações e Participações da nova empresa.

Ele é mais um homem-bomba no escândalo, pois resolveu recorrer à delação premiada e colaborar com a Justiça, prometendo devolver US$ 100 milhões que foram desviados da estatal, fruto de “intermediações onerosas”, eufemismo usado por executivos para se referir a propinas. Antes de assumir a nova tarefa, era gerente executivo da diretoria de Engenharia e Serviços da Petrobras. Essa grana toda sumiu dos cofres da estatal nos últimos anos sem que a presidente da empresa, Graça Fortes, sequer desconfiasse, apesar de ser muito dinheiro.

A própria criação da Sete Brasil é uma aberração típica do modelo de capitalismo de Estado adotado pela presidente Dilma Rousseff, graças ao regime de contratação diferenciado criado para “agilizar” as licitações da Petrobras e das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e de uma legislação feita supostamente para proteger as empresas nacionais de tecnologia, que impedem empresas estrangeiras de disputem as concorrências. Quando não há uma empresa nacional atuando no setor, melhor ainda: cria-se uma.

Graças a essa “reserva de mercado”, a Sete Brasil é dona de 85% de cada uma das sondas de exploração do pré-sal, em parceria com diversas empresas que operam nessas unidades, incluindo a própria Petrobras, que fica com 15%. São os principais donos da Sete Brasil os fundos de pensão dos funcionários da Petrobras (Petros), do Banco do Brasil (Previ), da Caixa Econômica Federal (Funcef) e da Vale (Valia). Quem comanda a empresa é Eduardo Carneiro, ex-diretor da OGX de Eike Batista, indicado por Graça Foster.

Na próxima semana serei substituído na coluna pelos colegas Paulo Silva Pinto e Leonardo Cavalcanti

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

A troika da economia

Com a recusa do convite feito ao presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, para ser ministro da Fazenda, a presidente Dilma Rousseff, que na campanha eleitoral criticou adversários pela ligação com banqueiros, estuda agora três nomes para as pastas da Fazenda e do Planejamento, além do Banco Central (BC): o ex-secretário do Tesouro Joaquim Levy, o ex-secretário-executivo da Fazenda Nelson Barbosa e o atual presidente do Banco Central, Alexandre Tombini. Essa, muito provavelmente, será a troika que comandará a economia do país.

O nome de Trabuco foi  uma indicação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas sua recusa era esperada por dois motivos: os compromissos do executivo com o o banco onde fez carreira, pois é considerado o sucessor natural de Lázaro Brandão na presidência do Conselho de Administração; e a falta de sintonia do mercado financeiro com o discurso econômico do Palácio do Planalto,  embora tanto Trabuco como Brandão nunca tenham feito críticas públicas ao governo, pelo contrário, sempre elogiaram as iniciativas de Dilma.

O nome de Joaquim Levy, que havia surgido nas primeiras listas de eventuais substitutos do ministro Guido Mantega (cuja demissão foi anunciada em plena campanha eleitoral para a Presidência), foi sugerido pelo ex-ministro Delfim Neto, que é uma espécie de conselheiro econômico da presidente Dilma. O economista também pode ir para o Planejamento ou para o BC, mas já teve atritos com a presidente Dilma Rousseff, quanto fez parte da equipe econômica do governo Lula. É o nome preferido do mercado.


O atual presidente do BC, Alexandre Tombini, é o mais afinado com Dilma Rousseff: foi um dos responsáveis pela desastrada redução a fórceps da taxa de juros. Pode manecer no BC, mas também está cotado para a Fazenda.


Nelson Barbosa foi um dos três nomes indicados por Lula (o terceiro era o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, vetado por Dilma). Deixou o segundo posto na Fazenda por desentendimentos com o atual secretário do Tesouro, Arno Augustin. Sempre teve, porém, boa interlocução com a presidente da República. Também é cotado para o Planejamento.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Dilma, Lula e Trabuco

Por que Luiz Carlos Trabuco recusou o convite para ser ministro da Fazenda? Ora, trabalha no Bradesco há 45 anos, onde ingressou como auxiliar administrativo. Cotado para ser o sucessor natural de Lázaro Brandão no Conselho de Administração da instituição, não embarcou no que seria uma grande aventura política. Seu perfil é o do executivo focado no banco que o formou e da qual é o presidente,  com mandato até 2017. Brandão está com 88 anos e endossou a decisão.

Alguém pode pensar que Dilma lamenta profundamente a recusa. Engano: fará desse limão uma limonada. Agora pode escolher outro nome de sua preferência, depois de satisfazer a vontade de Lula, que desejava um "homem do mercado" na Fazenda. O ex-presidente poderá ser o grande derrotado na escolha do novo ministro. A propósito, com o atual discurso econômico, Dilma dificilmente conseguirá um peso-pesado bem posicionado do mercado financeiro para ser ministro da Fazenda. É mais fáciil um economista com muita experiência no setor público. Simples assim.


Numa perna só

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 20/11/2014

 A blindagem do tripé meta de inflação, superavit fiscal e câmbio flutuante foi rompida após a crise mundial

Não deve ter sido nada fácil a conversa da presidente Dilma Rousseff com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre os rumos da economia. Ambos têm opiniões distintas sobre o que fazer para retomar o crescimento, mas Lula não é economista. É um político pragmático e assistencialista, que confronta para negociar, desde os tempos do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, apesar da retórica radical que adota nas campanhas eleitorais.

Nas eleições de 1994, Lula foi convencido pela professora Maria da Conceição Tavares e seu vice, Aloizio Mercadante, de que o Plano Real seria mais uma tentativa fracassada de acabar com a hiperinflação. Era o franco favorito, mas acabou atropelado pelo ex-ministro da Fazenda de Itamar Franco, o então senador Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que venceu a disputa no primeiro turno e acabou reeleito, em 1998, também no primeiro turno. Tudo porque o Plano Real deu certo.

Desde então, Lula passou a ter um pé atrás em relação a Conceição e a Mercadante. Mas esse nunca foi o caso da presidente Dilma, que foi aluna dos dois petistas na Unicamp. No primeiro mandato de Lula, nas reuniões ministeriais, Dilma era quem enfrentava o então ministro da Fazenda, Antônio Palocci, e o presidente do Banco Central à época, Henrique Meirelles.

Gostava de fazer contas no celular e contestar Palocci, que muitas vezes ficava sem argumentos convincentes porque é médico e não tinha condições de sustentar tecnicamente certos pontos de vista. Foi o caso da famosa proposta de zerar o deficit nominal e limitar a expansão do gasto público a um indicador abaixo do PIB. Dilma classificou a proposta de rudimentar. Palocci, porém, perdeu a guerra por causa da quebra do sigilo do caseiro Francenildo; para seu lugar foi Guido Mantega.

A blindagem do tripé meta de inflação, superavit fiscal e câmbio flutuante foi rompida após a crise mundial, que resgatou do ostracismo os economistas keynesianos, que vêem o Estado como agente indispensável de controle da economia e defendem o pleno emprego. Segundo a Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, de Lord John Maynard Keynes, o ciclo econômico não é autorregulado, mas determinado pelo “espírito animal” dos empresários. Nesse sentido, o Estado tem o direito e o dever de garantir elevação do salário mínimo, do seguro-desemprego, da redução da jornada de trabalho e da assistência médica gratuita.

Sem tripé

Diante da crise, Mantega e Dilma convenceram Lula de que a melhor saída era a adoção das políticas keynesianas, que chamaram de “anticíclicas”. Mantega tirou da cartola o programa Minha Casa, Minha Vida, com investimentos maciços em um setor que movimenta a economia e emprega muita mão de obra, ou seja, com grande “efeito multiplicador”. De igual maneira, o setor automobilístico foi anabolizado com desonerações tributárias e oferta de crédito para compra de automóveis.

Com adoção de outras medidas, essa estratégia garantiu um crescimento do PIB da ordem de 7,5% em 2010, último ano de governo Lula, que conseguiu fazer de Dilma, até então considerada um “poste de saias”, a primeira mulher a presidir o Brasil. Findo o primeiro mandato, porém, o resultado da expansão dos gastos públicos e da leniência com a inflação é o crescimento zero. Mesmo assim, Dilma foi reeleita, porque garantiu os aumentos reais de salário e a preservação dos empregos, além de ampliação da política de transferência de renda para as camadas mais pobres da população.

Entretanto, Dilma ainda não disse a que veio em matéria de economia. Entra no segundo mandato pulando numa perna só, pois o tripé da economia foi para o espaço. A meta de inflação de 4,5% nunca foi levada a sério, o governo mira é o teto de 6,5%. O governo pretendia economizar R$ 100 bilhões, depois reduziu a meta para R$ 50 bilhões. Fechou o ano com o déficit de R$ 25 bilhões, que é uma violência contra a Lei de Responsabilidade Fiscal.

O que pretende o governo? Acabar com a meta de superavit fiscal, para não incorrer em crime de responsabilidade, mas precisa mudar a lei no Congresso. Ontem, a oposição conseguiu derrubar a proposta na Comissão Mista de Orçamento, porém, o governo não desistiu desse objetivo. Mercadante jogou nas costas da oposição a responsabilidade pela manutenção da meta de superavit fiscal proposta anteriormente pelo próprio governo, com o argumento de que isso representará recessão e desemprego. Ou seja, o governo quer dobrar a aposta.

É nesse cenário que a presidente Dilma e o ex-presidente Lula tentaram chegar a um nome de consenso para o Ministério da Fazenda. Está difícil.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

A blindagem de Dilma

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 19/11/2014

 A opinião pública está cada vez mais convencida de que o financiamento das campanhas eleitorais por empresas virou sinônimo de favorecimento, superfaturamento e desvios de recursos públicos

A disputa pela Presidência da Câmara dos Deputados ganhou um novo ingrediente com o avanço da Operação Lava-Jato: a necessidade de blindar a presidente Dilma Rousseff contra um eventual pedido de impeachment. Esse passou a ser o centro das preocupações do PT em relação à eleição do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), cuja candidatura ao comando da Casa tem o apoio maciço da bancada do seu partido, principal aliado do governo.

Em tese, nada existe que possa justificar um pedido de impeachment da presidente da República, mas não se sabe o que pode acontecer com os desdobramentos das investigações. Se o PT teme o apeamento da Presidência, deve ter seus motivos. Por muito menos, o ex-presidente Fernando Collor de Mello foi derrubado do poder. Por hora, entre as forças de oposição, não existe nenhuma iniciativa nesse sentido. A rigor, o maior interessado no afastamento de Dilma seria o PMDB, cujo presidente nacional é o vice Michel Temer.

A resistência ao nome de Eduardo Cunha na bancada governista é muito menor do que se imagina, inclusive entre os deputados petistas. Segundo o presidente do PT, Rui Falcão, porém, o partido firmou posição contrária ao nome do líder do PMDB. No Palácio do Planalto, o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e o ministro das Relações Institucionais, Ricardo Berzoini, não se cansam de falar aos aliados que Cunha está vetado pela presidente.

O PT teme que se repita um cenário semelhante ao do mensalão, que abalou fortemente a estrutura do partido, resultando, inclusive, na condenação e prisão de suas lideranças históricas. À época, o impeachment do então presidente Luiz Inácio lula da Silva chegou a ser cogitado por setores da oposição, mas não prosperou porque o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso defendeu a tese de que era melhor deixar o petista sangrar até as eleições. Lula sangrou, mas acabou reeleito.

Naquele momento, o então presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo (PCdoB- SP), a quem caberia dar prosseguimento à tramitação de um pedido de impeachment, teve papel fundamental. Aliado de primeira hora de Lula, Aldo rechaçou qualquer conversa sobre o assunto. Ninguém sabe exatamente o que pesa contra o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, na Operação Lava-Jato. Se alguém além do próprio sabe, é o atual presidente do PT, pois os dois são como corda e caçamba.

Regras do jogo

Paralelamente ao escândalo da Petrobras, no Congresso os temas do financiamento de campanha e da reforma política estão na ordem do dia. A opinião pública está cada vez mais convencida de que o financiamento das campanhas eleitorais por empresas virou sinônimo de favorecimento, superfaturamento e desvios de recursos públicos. O Supremo Tribunal Federal (STF), majoritariamente, é favorável ao fim das doações de pessoas jurídicas a partidos e candidatos.

O PT advoga o financiamento público de campanha de forma integral, mas a opinião pública tende a rejeitar a proposta, devido à alta carga de impostos e ao desgaste dos políticos. A tendência é uma solução híbrida, que amplie os recursos do fundo partidário e limite as doações às pessoas físicas. Essa solução pode vir do Judiciário, mas o Congresso estuda se antecipar e mudar as regras do jogo para as próximas eleições municipais.

A regulamentação das eleições municipais não depende de emenda constitucional, pode ser feita por lei ordinária e maioria simples (metade mais um dos presentes). Assim, seria mais fácil adotar mudanças nas eleições para as câmaras municipais, seja o voto em lista — como deseja o PT — ou o voto distrital — como advoga o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), que apresentou projeto de emenda ao Código Eleitora aplicável às cidades com mais de 200 mil habitantes.

Essas mudanças serviriam para reduzir o número de candidatos e baratear as campanhas. E poderiam criar a massa crítica necessária à aprovação de uma emenda constitucional que replicasse a experiência nas eleições para as assembleias legislativas e a Câmara Federal. Até para se defender das acusações de envolvimento partidário com o escândalo da Petrobras, os caciques do PMDB e do PP também devem apoiar propostas de mudanças nas regras eleitorais.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Risco de metástase

Nas Entrelinhas; Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 18/11/2014

Para melar a apuração do escândalo, difunde-se que muita gente recebeu doações de campanha das empresas denunciadas por formação de cartel, que gastaram R$ 180 milhões com financiamento eleitoral 

Por mais que se tente minimizar a repercussão da Operação Lava-Jato na Petrobras e no Palácio do Planalto, como fez ontem o vice-presidente da República, Michel Temer, ao dizer que o governo esta “tranquilíssimo”, o que se teme mesmo nos bastidores dos partidos envolvidos no escândalo — PT, PMDB e PP, principalmente — é o risco de uma metástase. Ou seja, que novas delações premiadas e documentos apreendidos estendam as investigações a outras empresas estatais, como Eletrobras e Correios, e aos fundos de pensão.

A Polícia Federal investiga se o esquema operado pelo doleiro Alberto Youssef alcança também negócios no setor elétrico. Na mesa de João Procópio de Almeida Prado, acusado de ser o braço-direito do doleiro Alberto Youssef, foi apreendida uma planilha identificada como “Demonstrativo de Resultado — Obra Jirau”. Refere-se à contabilidade da Camargo Corrêa na obra da hidrelétrica construída no Rio Madeira, em Rondônia, com financiamento de R$ 7,2 bilhões do BNDES.

A empreiteira foi uma das sócias do consórcio que arrematou a concessão até 2012, quando vendeu sua participação. Segundo o Ministério Público Federal, Prado era o elo do esquema de Youssef com a Camargo Corrêa. Ele é concunhado de João Ricardo Auler, presidente do conselho de administração da Construções e Comércio Camargo Corrêa, um dos presos na Lava-Jato. A planilha pode ser o indicativo de um modus operandi.

“Você sabe que a competência da Polícia Federal é de um lado, a do Ministério Público de outro lado, a do Congresso Nacional de outro lado, fazendo CPI. De modo que o governo está tranquilíssimo”, contemporiza o vice presidente Michel Temer, que nega qualquer relação do PMDB com o lobista Fernando Soares, o “Fernando Baiano”, que teve a prisão decretada e se encontra foragido. Soares é apontado como o “operador” do partido no recolhimento de propina oriunda de desvios de recursos da Petrobras.

Temer garante que “todas as palavras da presidenta da República, e de todos os órgãos do governo, são no sentido de incentivar as apurações”. Não é bem isso que acontece. A CPMI da Petrobras está paralisada. Na semana passada, não conseguiu convocar o ex-diretor da empresa Renato Duque, que foi preso na sexta-feira, porque o PMDB, o PT e o PP não deixaram. Às vésperas das prisões, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, abriu inquérito administrativo para investigar supostas ligações entre os delegados que estão à frente das investigações e o adversário de Dilma Rousseff no segundo turno, o tucano Aécio Neves.

Mais delações

Os advogados das empreiteiras já anunciam que têm argumentos robustos para anular o inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF), embora tenham perdido todos os pedidos de habeas corpus no Tribunal Regional Federal do Rio Grande (TRF-RS) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O lobista Fernando Baiano foi orientado a não se entregar à Justiça, embora seu advogado diga que ele havia se oferecido para colaborar com as investigações por meio da delação premiada.

O bordão dos governistas é criticar a partidarização da Operação Lava-Jato. Nas redes sociais, os militantes petistas desancam a oposição, acusando-a de golpismo, por querer aprofundar as investigações visando um impeachment da presidente Dilma, o que não é o caso. Ao tratar do assunto, a presidente da República faz o discurso de que “nunca antes nesse país” o governo investigou tanto, mas não toma nenhuma medida para mudar a diretoria da Petrobras, cuja presidente, Maria das Graças Foster, tentou abafar o escândalo para proteger o antecessor, José Sérgio Gabrielli. Ontem, a cúpula da empresa resolveu criar uma diretoria anticorrupção e denunciar o ex-presidente da empresa e mais 14 pessoas. Por que não fez isso antes?

Para melar a apuração do escândalo, difunde-se que muita gente recebeu doações de campanha das empresas denunciadas por formação de cartel, que gastaram R$ 180 milhões com financiamento eleitoral nas campanhas de oito governadores e 12 senadores eleitos. PMDB, PT, PP, PDT, PCdoB, DEM e PSB teriam recebido doações no montante de R$ 35 milhões. Fala-se também em mais de 200 parlamentares eleitos. Enquanto o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, não oferecer a denúncia dos políticos envolvidos, as especulações prosperarão.

Alguns dos empresários mais poderosos do país e executivos de empreiteiras responsáveis por obras bilionárias passaram o fim de semana na carceragem da Superintendência da Polícia Federal (PF) em Curitiba. Do grupo de 23 presos, 17 deverão ser liberados ainda hoje, quando termina o prazo de cinco dias de prisão temporária, a não ser que a PF peça a prorrogação para alguns.

O primeiro acordo de delação premiada com empresas envolvidas no esquema foi fechado pelo Ministério Público Federal (MPF) com a Setal. O grupo tem contrato de mais de R$ 4 bilhões com a Petrobras. Os executivos Augusto de Mendonça Neto e Julio Camargo afirmaram ter entregue R$ 30 milhões para a Diretoria de Serviços da Petrobras, comandada por Renato Duque, indicado pelo PT e suspeito de receber propina. Duque, que esteve no cargo entre 2003 e 2012, também está preso. O risco de metástase existe por causa das novas delações premiadas.

domingo, 16 de novembro de 2014

A Petrobras é deles

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 16/11/2014

 Os atuais diretores da Petrobras não sabiam de nada? Se não sabiam, deveriam ser demitidos da mesma maneira por incompetência e omissão 

 A Petrobras está no centro das investigações da Operação Lava-Jato, desencadeada em março para desmontar um suposto esquema de lavagem de dinheiro que teria movimentado R$ 10 bilhões, segundo a Polícia Federal. Na sexta-feira foi deflagrada a sétima fase da Operação, cumprindo mandados de prisão e busca e apreensão no Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco e no Distrito Federal. Os contratos das empresas suspeitas de fraude com a Petrobras somam R$ 59 bilhões.

O juiz federal Sérgio Moro, responsável pelo processo da Lava-Jato na primeira instância da Justiça, autorizou as prisões porque o esquema de corrupção na empresa pode ter provocado danos bilionários à estatal e aos cofres públicos. Foi criterioso ao decretar apenas seis prisões preventivas, optando pela prisão temporária ou a condução coercitiva dos demais envolvidos. Tem evidências de que estaria havendo uma tentativa de obstrução da Justiça. Tanto que dois dos suspeitos estão foragidos.

Segundo o juiz, um cartel foi formado pelas maiores empreiteiras brasileiras, que combinavam quem ganharia as licitações para obras da Petrobras. Nessas concorrências, diz ele, as empresas cobravam preço máximo e depois distribuíam propina em valores correspondentes a 2% ou 3% do contrato. Ao optar pela delação premiada, o executivo da empresa Toyo Setal Augusto Mendonça Neto contou como esquema funcionava. Foi por isso que a casa caiu.

Até ontem, 21 prisões executivos já estavam presos. Os que não tiveram a prisão preventiva decretada serão ouvidos pelo juiz e liberados — a não ser que tentem ocultar ou destruir provas. A lista de supostos envolvidos no esquema é graúda, mas os novos homens-bomba são Renato de Souza Duque (ex-diretor da Petrobras), que já está preso, e o lobista Fernando Antônio Falcão Soares, o Baiano, hoje é um dos homens mais procurados pela Interpol. É possível que esteja fora do país.

Duque é apontado como principal operador do PT na empresa. Assim como Paulo Roberto da Costa, um dos responsáveis pela delação do esquema, era representante do PP. Fernando Baiano seria o responsável pela ligação do esquema aos políticos do PMDB, assim como o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, é o suposto destinatário da propina desviada para o seu partido. Sérgio Moro, porém, não mexeu com Vaccari, porque não teria provas suficientes para decretar a prisão do tesoureiro do PT.

Efeito Katia

Os que estão sendo presos ou detidos serão julgados em primeira instância. O juiz federal Sérgio Moro, que comanda esse processo, deve sentenciá-los antes do fim do ano. A nova fase da operação pode virar um estouro de boiada, porque alguns executivos presos já estão sendo orientados pelos advogados a também fazer acordo de “delação premiada” para reduzir as penas ou mesmo escapar de uma condenação.

É o chamado “efeito Katia Rabelo”, a herdeira do Banco Rural, que no processo do mensalão teve sua pena fixada em 16 anos e oito meses de prisão, mais multa de R$ 1,5 milhão, por formação de quadrilha, gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Continua em cana, enquanto a maioria dos políticos condenados já cumpre pena em regime domiciliar.

A Justiça Federal, o Ministério Público e a Polícia Federal avançam nas investigações, mas a CPMI que investiga a Petrobras no Congresso é palco de toda sorte de manobras da base do governo, por meio das bancadas do PT, PMDB e PP, para barrar a investigação sobre o envolvimento dos políticos no escândalo. A presidente Dilma Rousseff diz que é a favor das investigações, mas operadores do Palácio do Planalto apoiam as manobras para retardar ou mesmo barrar o strike anunciado no Congresso, pois se fala em cerca de 80 políticos envolvidos.

Diante da extensão do esquema de corrupção, que pode ter estabelecido um padrão para outras empresas para estatais e até fundos de pensão, a pergunta que se faz é a seguinte: os atuais diretores da Petrobras não sabiam de nada? Se não sabiam, deveriam ser demitidos da mesma maneira por incompetência e omissão. A Petrobras foi privatizada com mão de gato e também está sob investigação nos Estados Unidos e na Europa. Deixou de ser nossa.

Veja a lista de mandados de prisão e de condução coercitiva expedidos pela Justiça Federal do Paraná:
Mandados de prisão preventiva
Eduardo Hermelino Leite (vice-presidente da Camargo Correa)
José Ricardo Nogueira Breghirolli (funcionário da OAS, em São Paulo-SP)
Agenor Franklin Magalhães Medeiros (diretor-presidente da Área Internacional da OAS)
Sérgio Cunha Mendes (diretor-vice-presidente-executivo da Mendes Junior)
Gerson de Mello Almada (vice-presidente da Engevix)
Erton Medeiros Fonseca (diretor presidente de Engenharia Industrial da Galvão Engenharia)
Mandados de prisão temporária
João Ricardo Auler (presidente do Conselho de Administração da Camargo Correa)
Mateus Coutinho de Sá Oliveira (funcionário da OAS, em São Paulo-SP)
Alexandre Portela Barbosa (advogado da OAS)
Ednaldo Alves da Silva (funcionário da UTC, em São Paulo-SP)
Carlos Eduardo Strauch Albero (diretor técnico da Engevix)
Newton Prado Júnior (diretor técnico da Engevix)
Dalton dos Santos Avancini (presidente da Camargo Correa)
Otto Garrido Sparenberg (diretor de Operações da IESA)
Valdir Lima Carreiro (diretor-presidente da IESA)
Jayme Alves de Oliveira Filho
Adarico Negromonte Filho
José Aldemário Pinheiro Filho (presidente da OAS)
Ricardo Ribeiro Pessoa (responsável pela UTC Participações)
Walmir Pinheiro Santana (responsável pela UTC Participações)
Carlos Alberto da Costa Silva
Othon Zanoide de Moraes Filho (diretor-geral de Desenvolvimento Comercial da Vital Enenharia, empresa do Grupo Queiroz Galvão)
Ildefonso Colares Filho (diretor-presidente da Queiroz Galvão)
Renato de Souza Duque (ex-diretor da Petrobras)
Fernando Antonio Falcão Soares
Mandados de condução coercitiva
Edmundo Trujillo (diretor do Consórcio Nacional Camargo Correa)
Pedro Morollo Júnior (funcionário da OAS, em Jundiaí-SP)
Fernando Augusto Stremel Andrade (funcionário da OAS, no Rio de Janeiro-RJ)
Ângelo Alves Mendes (funcionário da Mendes Júnior, em Belo Horizonte-MG)
Rogério Cunha de Oliveira (funcionário da Mendes Júnior, em Recife-PE)
Flávio Sá Motta Pinheiro (diretor administrativo e financeiro da Mendes Júnior)
Cristiano Kok (presidente da Engevix)
Marice Correa de Lima (funcionária da OAS, em São Paulo-SP)
Luiz Roberto Pereira

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Aos padeiros de São Paulo

 Uma campanha salarial que mudou a qualidade dos pães que os paulistanos consomem e garantiu muitos direitos de consumidor

Tenho uma velha amizade com os padeiros de São Paulo, desde uma campanha salarial do final da década de 1980, quando os portugueses donos das padarias paulistas resolveram endurecer o jogo com a categoria e o presidente do Sindicato dos Padeiros, meu querido camarada Francisco Pereira de Souza Filho, o Chiquinho, me pediu que o ajudasse a traçar uma estratégia de luta para o sindicato. Eu era secretário de organização do PCB em São Paulo e, como ele, membro do Comitê Central do antigo PCB.

Os "portugas" não queriam repor as perdas com a inflação, em pleno governo Sarney, ou seja, pretendiam impor um arrocho salarial de fato. Das nossas conversas surgiu um plano de ação cujo foco era melhorar as condições de trabalho dos padeiros e a qualidade dos pães e confeitos oferecidos à população, denunciando as péssimas condições sanitárias das padarias. Foi feito um levantamento detalhado das irregularidades: produtos vencidos, presença de insetos e pequenos animais nas instalações, falta de higiene e limpeza etc. O chefe da Vigiliância Sanitária da Prefeitura de São Paulo era o médico Airamir Padilha, hoje na Anvisa, que recebeu as informações e promoveu uma blitz sanitária nas padarias de grande impacto na opinião pública. Nunca mais a relação entre os padeiros e dos donos de padarias de São Paulo foi a mesma.

Aquela campanha salarial gerou, inclusive, uma série de leis e normas municipais que hoje são adotadas em todas padarias, algumas até óbvias, mas que não existiam. Por exemplo: é proibido pegar o pão com a mão para oferecer ao freguês. Vale destacar que muitas das padarias de São Paulo são pontos de encontro de vizinhança, como os botequins cariocas, nos quais as pessoas almoçam, jantam, fazem lanches e batem papo tomando cerveja.

Foi por conta dessa velha amizade que o Sindicato dos Padeiros de São Paulo, recentemente, me convidou para fazer uma palestra no seminário de formação e planejamento da entidade, na colônia de férias de Caraguatatuba, no litoral paulista. Apesar de bate-volta cansativo (cheguei na noite de véspera e viajei de volta para Brasília sem sequer almoçar, para me apresentar ao trabalho no Correio Braziliense), foi com muita alegria que participei do evento e reencontrei velhos amigos. Eles degravaram a minha intervenção, que segue abaixo:

Crise de identidade e renovação do movimento sindical

Nós estamos vivendo uma crise de identidade do sujeito pós-moderno. O sujeito sociológico da sociedade industrial, que era estruturada em classes bem definidas, já não existe mais, assim como não existe o sujeito iluminista do Século das Luzes, do “penso, logo existo”. Isso tem muito a ver com a crise dos Estados nacionais, com os novos conflitos étnicos, além de mudanças de caráter social, como a “revolução de gêneros” surgida após o movimento feminista.

Além disso, apesar dos problemas de hegemonia dos EUA na economia mundial e da crise da economia globalizada, da força do “americanismo” no padrão de comportamento do mundo Ocidental e das economias mais modernas – mesmo no Oriente, como no Japão, Coréia e até na China --, essa crise se expressa no mundo inteiro, sob as mais diversas formas. 

A globalização e as mudanças  da sociedade pós-industrial provocaram uma crise de identidade na juventude em que, vamos dizer assim, o padrão de reprodução de comportamento está sendo substituído e diversificado, por uma série de razões. Por exemplo, Eric Hosbbawm, em uma entrevista publicada no livro chamado “Tempos Interessantes”, se não estou enganado, falava da importância da família na reprodução do movimento socialista e do movimento operário, porque nos momentos de descenso e de repressão, as ideias socialistas eram transmitidas no âmbito familiar e passavam de uma geração para outra. 

Aqui deve ter gente que viveu isso, filho de pai e de mãe socialista ou comunista. Com a desestruturação da família unicelular patriarcal, que era o padrão predominante da família e que hoje não é mais, isso perdeu a importância. Esse exemplo é só para termos uma ideia de como esta crise de identidade se manifesta de várias formas.

Outra coisa: o movimento feminista mudou a relação homem-mulher, os movimentos de gênero também estão tendo uma influência enorme. Agora mesmo tem uma discussão aí com relação à política nacional de educação porque a bancada evangélica efetuou uma emenda que suprimiu do plano nacional de educação um item que garantia a igualdade de orientação sexual na escola. 

Então, as pessoas buscam sua identidade não é mais na relação patrão-empregado ou nas relações de propriedade; elas buscam suas identidades de outras formas, de outras maneiras: dentro de casa, na relação marido e mulher, na escola, no local de trabalho, enfim os interesses são os mais variados. Aquela ideia do sujeito sociológico que havia antes está morrendo.

É ai que surgem os fenômenos inteiramente novos. Por exemplo: o que é o “rolezinho”, senão um movimento que busca uma afirmação de identidade construída na periferia e no confinamento. Os jovens pobres querem ter acesso à cultura e ao lazer e ficam confinados à periferia.Quando saem, são discriminados e barrados no baile. 

Como é que esses movimentos podem se expressar? Esse é um ponto de interrogação. Então, o que nós estamos vivendo é o seguinte: as estruturas tradicionais da organização da sociedade, das chamadas classes subalternas, não estão sendo capazes de incorporar e traduzir esses interesses e essas pessoas e estão surgindo movimentos à margem dessas instituições e dessas organizações. São organizados em rede, tem muito acesso à informação e se propagam com rapidez, a partir de interesses individuais e afinidades específicas.


Além disso, há outro elemento importante que precisa ser considerado, principalmente, no movimento sindical, que é certo transformismo que nós observamos em partidos tradicionalmente ligados ao movimento operário, especialmente o caso do PT. A cooptação de entidades sindicais, que abdicaram da sua autonomia em relação ao poder político e ao governo, está fazendo com que, onde existe vida no movimento sindical, muitas vezes, isso se expresse de forma completamente marginal às entidades sindicais e às lideranças tradicionais. 

Isso esta acontecendo com muita frequência, mesmo em antigos redutos do PT e da CUT, como por exemplo, o movimento dos professores. No movimento dos professores do Rio de Janeiro, por exemplo, a liderança do movimento foi completamente ultrapassada pela militância; na greve dos garis do Rio de Janeiro, a liderança do sindicato foi ultrapassada pela militância. Nós estamos tendo uma greve dos professores em São Paulo, na capital, que provavelmente deve estar repetindo esse fenômeno. Você consegue “aparelhar” o sindicato, aí quando você convoca uma assembleia e a massa comparece, não se tem como aparelhar a assembleia. Foi o que aconteceu também nas oibras das hidrelétricas e dos estádios, onde as lideranças oficiais foram atropeladas pelos grevistas. Então, digamos assim, são situações que estão surgindo e que o movimento sindical tem que parar para pensar e refletir sobre elas.

O meu tempo esta terminando e eu queria destacar duas questões que eu acho que são muito importantes do ponto de vista da agenda do movimento sindical. A primeira questão é que a pauta do movimento sindical não pode se restringir às reivindicações tradicionais ligadas à relação trabalho / capital. Ela tem que abarcar esses interesses que estão sem representação na sociedade e que estão gerando movimentos que são completamente autônomos a tudo que existe aí, e que inclusive são pautas da tradição do movimento sindical. Alguém aqui tem dúvidas de que as políticas habitacionais, o transporte público, a política de saúde pública tem a ver com o movimento sindical ou com a história sindical? Hoje essas pautas estão completamente abandonadas ou marginalizadas. São assuntos ou temas que estão presentes nestes conflitos, que a gente vê toda hora nos telejornais. 

Além disso, o jovem trabalhador é mais qualificado, tem mais ambições e não se apega ao trabalho nem à própria profissão como as gerações anteriores, que se reproduziam de pai pra filho. Além disso, não tem um modo de vida e um padrão de consumo, digamos, "proletário". Ele quer ter aceso a tudo aquilo que um jovem de classe média tem. Isso gera frustração e revolta, que vai se expressar de alguma forma, às vezes até inconsequente.


A segunda questão é o problema da violência. Eu não acredito que esses movimentos que se traduzem com atos de vandalismo, com agressões, etc., que eles possam vir a representar um salto de qualidade no movimento popular e na representação política das pessoas que lutam por uma vida melhor. Quem tem cultura para organizar a luta, para liderar a luta, para direcionar a luta é o movimento sindical, que tem uma experiência vivida e que passa de geração para geração. Então, esse apartamento entre o movimento sindical e o que esta acontecendo, vamos dizer assim, contribui para que esses movimentos acabem num beco sem saída. Ai as pessoas dizem assim, não, mas isso é o novo, é a nova autonomia, surgem muitas teorias com relação a isso, mas eu acho que estes movimentos, na verdade, são um subproduto do atraso e da omissão dos movimentos sociais organizados, inclusive do movimento sindical.  A gente não deve confundir o que é novidade com o que é verdadeiramente novo. Vou encerrar porque meu tempo acabou . Agradeço a paciência de vocês. Muito obrigado!